O trator e as laranjeiras
O TRATOR E AS LARANJEIRAS
Há um provérbio oriental que diz: “Quando alguém aponta para a lua, não olhes para o dedo, mas para a lua”. A partir de 28 de setembro, integrantes do MST ocuparam a Fazenda Capim, no interior de São Paulo, um complexo de 30 mil hectares que pertencem à União. Inexplicavelmente, essa fazenda foi “grilada” pela Cutrale, uma das maiores empresas produtora de suco de laranja do mundo. O pobre “invade”; o rico, o empresário faz “grilagem”. Leia-se aí a monocultura de laranja. Ora, laranja para suco, por mais gostoso que seja, não é alimento para o povo, mas produto para exportação.
O MST, ao ocupar legitimamente o latifúndio grilado pela grande empresa Cutrale e ao derrubar dois hectares de laranjeiras, está apontando para a lua, ou seja, para a necessidade imperiosa de se fazer Reforma Agrária no Brasil e de conquistar justiça social, mas a mídia, a bancada ruralista do Congresso, e todos os defensores do status quo capitalista neoliberal, convocaram a população para olhar só para o dedo, ou seja, para o “ato criminoso”, revelado pela Rede Globo de um trator devastando laranjeiras. Eu mesmo, confesso, que ao ver o fato, eu que sou aficcionado das laranjas e seus sucos, fiquei chocado. Mas como não me convenço com aparências, fui a fundo no meu julgamento.
Para entender com precisão o fato, teríamos que definir os dois personagens da imagem televisiva: o trator e as laranjeiras. As laranjeiras são a monocultura, o capital que não tem respeito, o deboche dos poderosos. O trator é o grito de indignação dos mais fracos. Nessa conjuntura, o trator é luz; as laranjeiras trazem as trevas. Na dialética aristotélica, um é a essência e o outro o acidente.
O MST – e a nota pública da CPT informa – destruiu dois hectares de laranjeiras para neles plantar alimentos básicos. A ação tinha por objetivo chamar a atenção para o fato de uma terra pública ter sido grilada por uma grande empresa. O intuito é pressionar o judiciário, já que, há anos, não toma as providências necessárias. A Cutrale se instalou há quatro ou cinco anos e sabia que as terras eram griladas, na esperança de uma regularização fundiária a seu favor.
A ação do MST do dia 28, que ao ser divulgada várias vezes pela mídia, provocou muita reação, dando o munição necessária para as propostas de uma CPI contra o MST. E numa ação articulada entre os interesses da grande mídia, da bancada ruralista e do pessoal do agronegócio, lançaram novamente as imagens da ocupação da fazenda da Cutrale. A ação do MST, por mais radical que possa parecer, escancara aos olhos da nação a realidade brasileira. Enquanto milhares de famílias sem terra continuam acampadas pelo Brasil afora, grandes empresas praticam a grilagem e ainda conseguem a cobertura do poder público e da mídia.
A CPT, em manifesto recente faz umas perguntas: Por que a PEC 438, que propõe o confisco de terras onde for flagrado o trabalho escravo nunca é votada? Por que o presidente Lula, que em agosto prometeu em 15 dias assinar a portaria com os novos índices de produtividade, até agora não o fez? A imagem pura e simples do trator sobre os pés de laranjeira é uma cortina de fumaça que a mídia coloca entre os pobres e a realidade opressora. É preciso analisar criticamente os acontecimentos. Isso se faz, como diz frei Gilvander, refletindo a partir dos pobres e não a partir dos poderosos.
Galvão é autor, entre outros, do livro “Terra, dom de Deus”, ed. Paulinas, 1994.
Fontes de inspiração do texto:
1. Mais uma vez a mídia e os ruralistas investem contra o MST
(Comissão de Pastoral da Terra)
2. MST/CUTRALE – As laranjas e o show (Gilmar Mauro)
3. Frei Gilvander [ freigilvander@pcse.org.br ] – Nota Pública da CPT
In: www.adital.com.br/site/noticia