A QUESTÃO DOS LIMITES NA GERAÇÃO ATUAL
Há algum tempo, especialistas têm buscado explicações para a completa ausência de limites, uma das características comportamentais das crianças, adolescentes e jovens da atual geração. Sempre que alguém desses segmentos protagoniza algum ato fora dos padrões sociais, há uma grande comoção e, ultimamente, um culpado vem à tona nas análises mais simplistas: o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Participante ativa dos movimentos que ajudaram a elaborar o ECA, discordo dessa ideia e não canso de argumentar que a Lei não favorece a impunidade e sim garante deveres e direitos. Tem sido difícil convencer essas pessoas. Mas, se para mim o ECA não é o culpado, quem será, se é que há culpado? Essa pergunta foi o ponto de partida para que eu passasse a refletir sobre possíveis fatores que contribuíram ou contribuem para que nossas crianças, adolescentes e jovens estejam cada vez mais próximos de atos delinquentes graves.
Para construir minha análise parti da comparação entre as práticas educativas utilizadas pelos pais e pela escola da minha geração (os nascidos na década de quarenta) com aquelas utilizadas pelos pais a partir da década de sessenta. Como estou com 65 anos completados em agosto de 2009, dou-me o direito de usar o famoso e batido jargão "no meu tempo". Esclareço que até os meus oito anos de idade, convivi com meus pais e irmãs num grande sítio, no interior do Pará. Com a morte de minha mãe, quando eu tinha nove anos de idade, passei a morar na capital Belém com uma irmã mais velha e, mais tarde, já na pré-adolescência fui adotada afetivamente por uma senhora chamada Maria Amaral, o meu "tipo inesquecível" por várias razões, em cuja casa fiquei até meus vinte anos.
No interior, não havia eletricidade, geladeira, televisão, fogão à gás, brinquedos eletrônicos, bonecas Barbie, computador, telefone, rádio, Internet, nada disso! As crianças, adolescentes e jovens daquela época, quer de cidade grande quer do interior, estavam livres do assédio implacável da propaganda que leva o indivíduo a consumir o que pode e o que não pode, sem medir as consequências para sua estabilidade econômica. Também não tomavam conhecimento dos maus exemplos dados pelos ídolos - uso e abuso de drogas, casa-separa-casa e desrespeito às normas sociais.
Sem desenhos animados, os pais interagiam mais com os filhos, contando eles mesmos histórias infantis, que muitos estudiosos mais tarde vão achar inadequadas para o desenvolvimento infantil. Eram essas histórias que passavam a noção do bem e do mal e que o bem sempre vence. As histórias infantis foram substituídas pelo lixo cultural que as crianças assistem paradas, durante horas, frente ao televisor. Sem a enorme quantidade dos brinquedos eletro-eletrônicos, da televisão e dos computadores, as crianças brincavam até a exaustão de pega-pega, esconde-esconde, amarelinha, cantigas de roda, meu mestre mandou etc etc... Com isso alguns valores como companheirismo, respeito ao coletivo, amizade, eram vivenciados na prática. Ainda se brinca dessas coisas hoje em dia? Sem as Barbies da vida, as mães daquela época criavam as bruxas de pano, feias de doer, mas que nasciam, eram batizadas, cresciam, casavam, tinham filhos, envelheciam, adoeciam, morriam e eram sepultadas, reproduzindo assim o ciclo da vida. Será que as crianças de hoje ainda brincam de casinha de bonecas?
Presente de Natal? Só se ninguém fosse reprovado no final do ano. Diante da perspectiva de ficar sem um mero pacote de balas, a alternativa era estudar com afinco para passar de ano e ganhar presente, um só, na maioria das vezes. Pelo menos era assim na minha família. Aprendia-se desde cedo a merecer o que se ganhava. Que esforços fazem as crianças de hoje para merecer algo?
Sem as teorias psicológicas libertárias para embaralhar a cabeça dos pais naquela época, SIM era SIM, NÃO era NÃO, não havia "talvez", "vamos ver" ou "quem sabe". Não havia esta história de "diálogo". Preguiça e desobediência eram punidos sim, com uma vara de marmelo ou uma corda bem fina que dançava nas nossas pernas. Como isso doía bastante, as crianças daquela época pensavam dez vezes antes de fazer qualquer bobagem. Aprendia-se o que chamamos de contenção de impulsos.
Lembro-me que com sete ou oito anos, minha tarefa semanal era lavar os pratos do almoço, no riacho que corria no terreno do sítio. Coloquei todos os pratos em uma bacia e ao tentar colocá-la na minha cabeça não suportei o peso. Perdi o equilíbrio e os pratos foram todos ao chão. Não ficou um só para contar a história. Levei uma bela surra de corda que, segundo a minha mãe, era para aprender a ser mais cuidadosa quando fosse executar uma tarefa. E eu só tinha sete ou oito anos! Hoje em dia, os pais ou serviçais domésticas são escravos dos pequenos tiranos que querem tudo na mão, sem o mínimo esforço para conseguir o que quer que seja, salvo nas classes menos favorecidas onde, desde cedo, crianças são obrigadas a desenvolver estratégias de sobrevivência nem sempre saudáveis.
Naquela época a maioria das mães ainda não trabalhava fora e portanto tinham mais tempo para ficar com os filhos e ensinar-lhes, através da prática, valores como responsabilidade, colaboração, solidariedade... Desde cedo as crianças aprendiam a cuidar das galinhas, dos porcos, a trabalhar na roça, torrar e moer o café no pilão. Aprendia-se também a cuidar bem de seus pertences, arrumar gavetas, camas, lavar, passar, limpar a casa e cozinhar o mínimo. Na maioria das vezes, fazia-se isso brincando, mas se não fizesse direito, vara de marmelo nas pernas.
Já adolescente, residindo na casa de Dona Maria Amaral (o meu tipo inesquecível) eu e mais cinco sobrinhas dela, aprendíamos a divisão de tarefas. Semanalmente a turma era reunida e cada uma recebia uma tarefa para executar durante a semana. E ai de quem não cumprisse à risca o que fora determinado. Um cabo de vassoura nas pernas (sempre nas pernas) nos lembrava de recuperar a boa vontade e a responsabilidade para fazer tudo bem feito. Dona Maria Amaral dizia: quem não sabe fazer, não sabe mandar. Creio que por conta da paciência que ela tinha de nos ensinar como se faziam as tarefas, sou uma ótima dona de casa e, enquanto trabalhei, fui uma excelente profissional.
Ainda com Dona Maria Amaral o SIM e o NÃO eram claramente delimitados. Aos quinze anos, tive meu primeiro namorado, escondido, claro! Ela descobriu e por conta disso levei uma bela surra com uma correia de máquina de costura. Ela foi muito clara comigo: ou namora ou estuda. Se quiser namorar, te devolvo para a tua irmã, se quiser ficar, concentra nos estudos, porque menina pobre que nem tu tem de estudar para ser a melhor da classe e ser alguém na vida. Preferi a segunda opção, claro. Só fui namorar de novo aos vinte anos, já longe das asas protetoras de Dona Maria Amaral. Se não fosse aquela surra e o limite bem claro, talvez eu tivesse sido mãe ainda adolescente, pois adrenalina e outros hormônios não me faltavam. Hoje em dia, meninas com treze, quatorze anos, já namoram, mantém relações sexuais regularmente e são mães precocemente.
A escola era outra coisa bem diferente de hoje. Como não havia computadores, Internet, jornais, revistas e bibliotecas (pelo menos na minha escola), os professores eram a única fonte de saber depois dos livros didáticos. Autoridade máxima na sala de aula, podiam ser venerados ou odiados. De qualquer modo, eram respeitados. Aprendia-se a ler pela cartilha do ABC... Havia ainda, como hoje, as provas escritas, mas temidas mesmo eram as provas orais. Os alunos tinham de decorar vários "pontos" de uma disciplina. No dia da prova, o professor escolhia um e mandava o aluno "recitar" o assunto, sem direito a erro. Pelo menos, os alunos eram obrigados a ler os livros didáticos, e praticamente decorá-los todos. Passar de ano sem saber os conteúdos de uma série, nem pensar!
As sabatinas de matemática são inesquecíveis para mim. Eu era boa em decorar. No dia da sabatina a professora fazia um semi-círculo à sua frente com a palmatória em cima da mesa. Eu ficava na extremidade esquerda, de propósito, para poder dar bolo em todos os alunos que erravam a taboada. Meus colegas de classe, claro, tinham muita vontade de que eu errasse para vingarem de mim. Isso me motivava a estudar mais e mais a taboada. Não me lembro de ter levado bolo de nenhum colega. Hoje, com todos os métodos e técnicas da moderna pedagogia, minha sobrinha-neta, com dez anos, chegou à terceira série do 1° grau sem saber ler e muito menos quanto é "seis vezes seis".
Como os professores eram autoridade máxima, a palavra deles era incontestável e os pais estimulavam os filhos a respeitar os mestres. O respeito a uma autoridade e aos mais velhos era um valor a ser observado. Hoje, os professores perderam o status de donos do saber para a educadora-mor que é a televisão, para a Internet, para as publicações especializadas. Não que isso seja de todo ruim. Mas o respeito como valor está deteriorado. Temos notícias de professores que são vítimas de violência por parte dos alunos. A palmatória, a régua e os castigos de joelho em cima de grãos de milho não devem jamais retornar às salas de aula nem à educação cotidiana como instrumento de punição à violação das normas, mas algo deve ser feito para que nossos mestres não sejam achincalhados pelos alunos e que os pais voltem a ser respeitados.
Rebeldia no meu tempo de criança e de adolescente era coisa difícil de se manifestar e, quando acontecia, tinha de ser contida. A máxima "é de pequeno que se torce o pepino" era um dos esteios da prática educativa de então. Lembro-me que diante dos meus acessos de rebeldia -desacatar a ordem de minha mãe para não atormentar o bode Calibur, matar pombos para comê-los assados, fugir para o mato, brigar e bater nas irmãs mais novas - minha mãe falou: "Se até boi e cavalo brabo a gente amansa, quanto mais uma pirralha do teu tamanho...". Eu tinha horror de ser chamada de pirralha. Até hoje acho pejorativo!
E os namoros? Ah! Os namoros! O casal sentado no sofá e os pais lá, observando, sem dar folga para nenhum tipo de intimidade maior. Claro, sempre havia um meio de burlar essa vigilância, até porque em matéria de sexualidade, nunca ninguém foi santo. Quando as coisas ficavam muito difíceis, fugia-se! Fugia-se por outros motivos também. Era o máximo da rebeldia.
E os horários rígidos para chegar em casa... Dez horas da noite era o padrão. Hoje os jovens saem de casa para as baladas depois da meia-noite e só chegam de manhã, completamente zonzos.
Chegamos à década de sessenta. As teorias psicológicas e pedagógicas gestadas na década anterior ou até antes, eclodem com força avassaladora. A palavra de ordem é desconstruir todo o passado e suas práticas educativas repressoras e traumatizantes. Abaixo a repressão sexual, o professor como centro do processo de aprendizagem, os pais autoritários, os tabus...
O diálogo é entronizado como mediador de todos os conflitos entre pais e filhos, professores e alunos e de toda a ação educativa. Mas qual a estrutura desse diálogo para os novos pais, se nossos pais usavam a varinha de marmelo, a cordinha, a palmatória e o castigo em cima de grãos de milho como um dos instrumentos de ação educativa? Como operar um SIM e um NÃO de uma forma menos radical que aquelas usadas pelos pais de então? Receosos de criar filhos traumatizados, de serem chamados de pais retrógrados ou conservadores, os novos pais se rendem ao permitir pernicioso e assim vão formando os pequenos ditadores e, mais tarde, jovens e adultos sem limites.
Para a maioria desses novos pais, o diálogo não funcionava, porque o diálogo, no meu entendimento, é essa ferramenta pedagógica que exige paciência, treino, repetição até a exaustão. Às vezes chega a ser desesperador manter o mesmo tipo de conversa com um filho mais de dez vezes, para dizer o mínimo. Por isso, os pais continuam dizendo: "Não faça isso, senão apanha", mas não cumprem o que dizem, então, não prometer o que não vai ser cumprido. As crianças percebem essa dubiedade e usam e abusam dessa fragilidade pedagógica dos pais. É preciso tempo, paciência pedagógica, para dizer quantas vezes for necessário para uma criança de três anos: "Eu amo você, mas não quero que você pule no sofá para não estragá-lo, combinado?". No dia seguinte, lá está ela fazendo a mesma coisa e temos que repetir a mesma fala, até chegar a hora em que vamos dizer: "Eu não quero que você pule no sofá e você fez isso de novo. Agora você vai ficar cinco minutos sentada, quieta, sem falar nada; se não ficar, vai levar duas chineladas na bunda e vai doer muito. Você quer isso?". Garanto que isso não vai deixar a criança traumatizada. Eu levei as surras já mencionadas, mas procuro no mais escuro da minha mente para encontrar algum trauma e não encontro mesmo, até porque penso que todas elas foram bem merecidas. Não estou com isto, legitimando surras. Em mim não deixaram marcas, mas sei que em outras pessoas podem deixar. Também faço diferença entre uma palmada e um espancamento; as duas coisas são diferentes e qualquer pessoa de bom senso sabe disso.
Além da enorme dificuldade em dialogar pedagogicamente, outro fator vem complicar mais a vida dos novos pais. É na década de sessenta que as mulheres e mães intensificam a caminhada em busca da realização profissional. As prendas domésticas já não as satisfazem mais. Os filhos ficam entregues às mãos de babás nem sempre preparadas para educar as crianças ou então ficam nos jardins de infância. As mães retornam ao lar cansadas para enfrentar o terceiro expediente. Já não há tempo nem disposição para ensinar aos filhos as pequenas tarefas do cotidiano, nem tampouco para contar as histórias infantis. É tudo deixado para depois. Para compensar o enorme sentimento de culpa deixado pela ausência constante, os pais cumulam os filhos de mimos. Crianças são espertas e percebem logo que podem manipular os pais e exigem consumir cada vez mais. Elas também aprendem rapidamente a deixar as tarefas para depois, vencendo pelo cansaço os pais, que acabam fazendo tudo para se livrarem rapidamente do estresse de serem desobedecidos, alimentando assim a irresponsabilidade dos filhos.
Nas famílias ricas ou pobres onde crianças são abandonadas à própria sorte, a desordem ambiental instala-se rapidamente e os parâmetros de ordem, limpeza e limites diluem-se. O SIM de hoje pode ser o NÃO de amanhã e vice-versa. Nesse contexto é difícil impor limites e fazê-los vigorar.
Movimento hippie, sexo e amor livre, apologia às drogas, contestação contra tudo e contra todos, maus exemplos dos ídolos... Tudo isso atinge seu clímax na década de sessenta, afetando os padrões de comportamento até então relativamente estáveis e, portanto, o modelo de educação a ser desenvolvido pelos pais da geração nascida na década de sessenta, os futuros sem limites, que por sua vez estão criando seus filhos, também sem limites.
É na década de sessenta, diante das teorias liberais, que os rebeldes não têm mais nenhum receio de serem amansados como bois e cavalos brabos. Com pais desorientados para operar o SIM e o NÃO de forma convincente, os rebeldes mostram sua cara desafiando todas as convenções, começando pela família (autoritária, repressora, careta), atingindo a escola e todos os padrões sociais vigentes. Era o máximo ser contestador.
Na Inglaterra, a famosa Summerhill, uma escola onde era proibido proibir abalou de vez a convicção dos novos pais e professores que ainda acreditavam nas práticas educativas tradicionais. Eu penso que é nessa passagem do tradicional para o novo modelo educativo proposto que os novos pais perdem o rumo, porque eles também querem romper com o passado, mas sentem-se inseguros quanto ao novo modelo e insegurança não é a melhor ferramenta para tomar qualquer decisão, quanto mais para educar seres humanos. E aí, entre ensaio e erro, vamos produzindo crianças, adolescentes e jovens que temos hoje em nossos lares. Quando o ensaio é bom, ótimo, temos seres adequados, ajustados, seja lá o que for. Quando os erros são em maior número, temos seres sem limites, sem valores e delinquentes. Além da alternância entre ensaio e erro, nos dias atuais convive-se diariamente com as notícias dando conta da vitória da arte da picaretagem, da corrupção, da lei do menor esforço, do mau exemplo dos próprios pais entre os quais expor os filhos desde pequenos ao vício da bebida, do fumo e da violência doméstica.
Diante do comportamento de políticos trambiqueiros ou de outros figurões safados, mas que ganham muito dinheiro, um adolescente infrator de uma instituição onde fui diretora me disse um dia: “Não vale a pena ser honesto, se eu fizer um assalto legal, ganho em uma hora o que a senhora ganha em um mês”. E completou: “A única coisa ruim dessa história é que ladrão pobre vai para a cadeia, mas esses políticos e outros ladrões ricos não são presos”. Penso que a impunidade é o mais pernicioso dos anti-valores, em qualquer situação, em qualquer idade.
Volto a lembrar de Dona Maria Amaral em duas passagens da minha vida adolescente. A primeira, quando aceitei falsificar (esse é o termo mesmo) a assinatura dela na prova de uma de suas sobrinhas que tirara nota baixa na escola. Ela descobriu e sobrou uma dúzia de bolos de palmatória para a corruptora e para a corrompida além de algumas palavras muito duras: falta de vergonha, caráter, dignidade, quem faz isso não pode se olhar no espelho e encarar a própria cara, porque não tem a consciência limpa. Não esqueci disso até hoje.
O outro episódio ocorreu quando eu já estava trabalhando, aos dezoito anos. Certo dia, recebi de um cliente da loja onde trabalhava, uma garrafa de licor de menta. Foi um brinde pelo atendimento gentil dado àquele senhor. Quando contei o ocorrido para Dona Maria Amaral, ela me olhou com severidade e disse: “Você é paga para atender bem todos os clientes e não para receber presentes. Que esta seja a primeira e a última vez que isso acontece. E agora pega essa garrafa e vai jogar fora esse licor, no ralo da pia. Aqui na minha casa não entra bebida”. Naquele momento não entendi nada e achei injusto, mas hoje sei que aquela foi a melhor lição de ética que recebi na minha vida e que me valeu durante toda a minha vida profissional. Quando leio sobre políticos, empresários e outros indivíduos envolvidos em licitações super faturadas, notas frias, recebimento de propinas, mentiras e mais mentiras, tenho certeza de que faltou uma Dona Maria Amaral na vida deles.
Em quase tudo hoje em dia, percebe-se a falta de limites. Na área da sexualidade há um problema para os pais (nos quais me incluo). Com a descoberta da pílula, a revolução / liberação sexual atingiu seu clímax. Entretanto na minha juventude ainda havia certo pudor - alguns acham que era hipocrisia - mas os jovens recém liberados ainda mantinham uma discrição nos seus relacionamentos amorosos. Ir a um motel (que nem eram tantos) era uma operação de guerra para que não fossem vistos e ficassem falados. Namorado dormir em casa de namorada e vice-versa, nem pensar! Hoje em dia sabemos de meninos e meninas com quatorze, quinze anos, que dormem juntos na casa dos namorados e pela manhã, elas, as meninas, sequer dobram os lençóis ou levam as louças do café para a pia... E os pais têm de aceitar isso com naturalidade. Penso que tudo isso é precoce demais.
Mas não é só isso. A televisão, educadora-mor, oferece um produto a ser largamente consumido e influenciador para a adoção de novos comportamentos: as telenovelas. Eu sou fã desse ópio cultural, mas tenho a convicção de que elas banalizam a fidelidade, ensinam a arte de praticar maldades, de trair, de passar a perna nos outros etc... Argumenta-se que elas refletem a sociedade, mas o que seria dessa sociedade se todos agissem como agem os protagonistas das telenovelas? E as crianças e os adolescentes têm a necessária maturidade para assistir com olhar crítico as mensagens que são passadas durante os oito meses que duram em média esse tipo de entretenimento?
Além das telenovelas, temos os programas infantis que servem de pano de fundo para formar ávidos consumidores de um sem número de inutilidades. E os pais se rendem àquele argumento: “Todo mundo tem, porque eu não posso ter?”. E os desenhos animados recheados de violência e com personagens esdrúxulos? Dia destes, assisti o desenho animado do Bob Esponja em que ele se apaixona por um hambúrguer podre. Em que isso pode ser educativo?
Quero concluir este ensaio afirmando que nenhuma lei pode ser responsabilizada pelos atos dos cidadãos, portanto o ECA não é responsável pela ausência de limites que faz parte do comportamento de nossas crianças, adolescentes e jovens. O que todos nós pais precisamos é retomar a coragem de dizer SIM quando for SIM e NÃO quando for NÃO. Tenho uma amiga que tem uma filha de doze anos que pediu para ir à balada, pois suas coleguinhas de turma na escola já iam. Minha amiga falou um sonoro NÃO. E “dialogou”: “Você não tem idade para isso, não é tempo ainda e por enquanto você tem que viver a fase de estudar e aprender coisas úteis para a sua vida. Balada à noite, na sua idade, é inegociável! Ponto!”. Por outro lado, tenho outra amiga com uma filha na mesma idade que se veste como moça, vai ao salão de beleza para pintar o cabelo, fazer unha etc... Penso que o fundamento desse tão necessário diálogo é a clareza para os pais do que é inegociável em qualquer idade. E se é inegociável o “não” é “não”. E se for desrespeitado, não ter medo de punir. É melhor que os pais punam de que a polícia e a lei mais tarde. E se a punição com os castigos físicos é condenável, os pais poderiam instituir os Conselhos Familiares ou um Código de Conduta Familiar onde todas as situações que exigem o repensar de valores e atitudes possam ser discutidas e resolvidas democraticamente com a participação crítica e responsável de todos os membros da família. O que pode/deve, o que não pode/não deve e que medidas devem ser tomadas quando alguém burla as regras, deveria ser o ponto de partida para consolidar o SIM e o NÃO pedagógicos. Recompensas e punições seriam estabelecidas coletivamente tornando a responsabilidade de um por todos e todos por um. Muitos educadores afirmam que os filhos sentem-se mais protegidos e amados quando os pais são mais severos, pois isto é sinal de amor. Quem ama educa e educar dá trabalho. Exige paciência pedagógica.