Anatomia das badernas nacionais

Os filósofos dizem que há duas formas de se enxergar um fato. Por exemplo, você tem dois filhos, eles brigam e cada um vez trazer a você sua versão, e quem a escuta acha que a razão pode estar ora com um, ora com outro. Num júri, as duas partes alegam razões, narrando, cada um a seu jeito, o mesmo fato.

Vamos um assunto da sóciopolitica nacional, onde a mídia e seus corifeus da elite enchem a boca para pronunciar a palavra ba-der-na. Qualquer coisa que fira seus interesses ou aranhe a porca ideologia deles, leva esse rótulo. Quem lê jornal ou assiste televisão, tem visto, nos últimos tempos, a demonização de alguns atos populares, como as invasões de terra, levadas a efeito pelo MST, a presumida depredação da Aracruz, realizada pelas mulheres da Via Campesina, e uma arruaça recente, levava a efeito no Congresso, por um grupo (MLST) que ninguém conhece. Esses fatos adornaram as crônicas das elites nacionais. As mesmas, aliás, que bateram palmas para os tanques da rua e para a tortura, a partir de 1964.

Quem tem coluna semanal ou quinzenal, às vezes tem que comentar fatos consumados. No entanto, alguma coisa sempre fica para ser dita. O dicionário Houaiss nos diz que baderna é “situação em que reina a desordem; confusão, bagunça”. Será que baderna é só gente do povo tentando expressar sua indignação?

Não é baderna esse salário-mínimo imoral? E o que dizer dos direitos do trabalhador que ano após anos vêm sendo surrupiados? O povo não queria a privatização das estradas, da energia e dos telefones; do jeito que fizeram não foi uma baderna? Vejam outros exemplos: os impostos que apontam mais para assalto do que contribuição social; os altos salários do Governo (Executivo, Legislativo e Judiciário) que produzem abaixo do esperado; a aposentadoria só após os 65 anos; a falta de uma política urbana, agrária, educacional e de saúde; a impunidade dos ricos e poderosos; o favorecimento aos bancos (nacionais e internacionais) e o desdém ao pequeno empresário, agricultor ou desempregado. Isto não é bagunça? E o que dizer do IPTU abusivo e do desrespeito dos órgãos de trânsito com os recursos contra as multas? Que baderna esses serviços!

Tudo isto não é uma baderna que assola o povo desde os albores da República? E o que dizer da falta de políticas habitacionais, educacionais, sociais e de saúde pública? Quem baixa em um hospital particular, tem leito na hora; se a internação é pelo SUS, a vítima fica no corredor. Isto não é uma baderna? Por que os chamados “patriotas” não denunciam esses descalabros?

A invasão de terras, em geral ociosas, é um indicativo de que existe terra nas mãos de quem especula e falta a mesma riqueza no domínio de quem quer produzir; importamos alimentos com milhares de hectares sem uso; é sinal de que as políticas oficiais são ineficazes, aliás desde as “capitanias hereditárias”.

O ataque à Aracruz talvez tenha sido uma represália ao que eles fizeram com os índios, no Espírito Santo. Além disto, são pesquisas para plantio de celulose, coisa que não gera alimento, pouco emprego e, ao contrário, polui. Na Europa estão proibidas essas atividades, que acabam se instalando nos redutos dos ingênuos ou mal-intencionados. Aqui no Rio Grande do Sul os lacaios do poder internacional trocaram, por 600 empregos a poluiçãoo do ar e o enxugamento da terra, a implantação de mais celulose (veneno) e pinus (só serve para armário de turco). No Primeiro Mundo isto é crime. Aqui fazem festa, soltam foguertes e criam manchetes de jornal.

A depredação no Congresso pelos malucos do MLST é a desembocadura de toda a indignação popular. A Revolução Francesa começou assim: cansado da baderna das cortes, o povo decidiu tomar a justiça em suas mãos. Eu sou contra a violência, seja ela praticada pelo Governo (ação) ou pela sociedade (reação), mas temos que ficar atentos, pois tudo tem um limite.

(o autor é Escritor, Filósofo e Doutor em Teologia Moral)

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 30/06/2006
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