A QUESTÃO DO ABORTO E A ÉTICA (revisto, corrigido e ampliado)

Já assisti a inúmeros debates sobre a questão do aborto. E como é bem sabido, há os que se posicionam de maneira contrária como há os que são favoráveis à interrupção da gravidez. Dentre diversos argumentos, as pessoas que são favoráveis ao aborto reclamam, principalmente as mulheres, que são donas de seu próprio corpo e podem dispor deste da forma como melhor lhe convém. Junto a isso, há também o problema de o aborto ser considerado um problema de saúde pública. Isto significa que milhares de mulheres fazem aborto em clínicas clandestinas, colocando a sua vida em risco. As conseqüências destes abortos mal sucedidos são inúmeras.

O serviço público acaba tendo que atender as mulheres que fizeram tais abortos por causa de seus efeitos colaterais. Gastam-se milhões com tais procedimentos. Destas mulheres uma grande parte vai a óbito.

Já aqueles que são contra o aborto reclamam o direito à vida. O nascituro não "pediu" para vir ao mundo, não é diretamente culpado nem pode pagar com a vida pelas inconsequências de seus genitores, ou pela fatalidade de um estupro.

Há ainda toda uma discussão em relação a quando a vida tem seu início. Há os que defendem certo número de semanas de gestação para que haja vida. Outros dizem que a vida existe desde a concepção. E o debate é interminável. Também sabemos que o aborto em nosso país é considerado crime. E está tipificado em nosso Código Penal na parte dos crimes contra a vida. Inclusive tal crime é levado a júri popular.

Legalizar o aborto pode torná-lo juridicamente lícito, mas será tal procedimento ético? Será que no foro íntimo de cada mulher que aborta haverá uma justificativa que não seja puramente jurídica, utilitária? Como lidar com a consciência e saber se o que fizemos é certo ou errado? Ou seja, como decidir se posso ou não fazer um aborto e quais as implicações éticas em relação a ele.

Muitos autores confundem ética com moral. Diria que confundir ética com moral é algo um tanto tosco. A ética e a moral não se confundem, a primeira engloba a segunda, a segunda é apenas um dos aspectos da primeira. Etimologicamente, ética vem do grego Ethos. Ethos é o gênero de duas espécies: Êthos e Éthos.

Êthos significa a morada do ser, o jeito de ser, o modo de ser no mundo, a individualidade do ser humano.

Éthos significa usos e costumes, modos de agir conforme o tempo e a cultura, a moral estabelecida em função do contexto histórico e da sociedade. Moral (mores) do latim.

Veja que a diferença entre os dois aspectos que formam o conjunto daquilo que se pode chamar de ética é bem sensível. Para que uma atitude seja considerada ética ela deve conter estes dois aspectos, ou seja, que seja aceita como valor assumido de uma sociedade e ao mesmo tempo respeite a individualidade do sujeito que se torna objeto de uma ação.

Partindo do conceito de Êthos que tem relação com o respeito à individualidade do ser, o argumento das mulheres que dizem que o corpo é seu e fazem dele o que quiser fica prejudicado. Isso porque tal alegação não leva em conta o ser que será objeto do aborto. Não é porque o feto que uma mulher espera está dentro de si, inserido em si, ligado intimamente e totalmente a si que esta pode negar sua individualidade. Ou seja, e isto é óbvio, a mulher que aborta não está fazendo alguma coisa apenas com seu corpo, mas de fato assassina uma pessoa.

Já bem dizia a sabedoria romana no Digesto de Justiniano, nos dizeres de Marcianus (D.1.5.5.2) que : “quia non debet calamitas matris nocere eiqui in ventre est” (a calamidade da mãe não deve prejudicar aquele que está no ventre). É bom lembrar que tal defesa do não-aborto é anterior ao cristianismo.

Se pensarmos no aborto apenas como problema de saúde pública, sem a implicação ética que lhe é inerente, mas apenas moral e utilitária, poderia-se legalizar o aborto e cada mulher, cada casal decidiria como proceder no caso da gravidez indesejada, minimizando assim os efeitos dos milhares abortos ilegais que são diariamente feitos em todo o mundo. Pois, quer seja legal ou ilegal, não podemos negar o fato de que a ilicitude do aborto não impede que este seja largamente realizado.

Tomado desta forma, um aborto pode ser legal e até moral, mas nunca será ético. A lei do país pode deixar de considerar o aborto como crime e até a sociedade pode considerá-lo aceitável, mas nunca, ético. O fato de haver uma aceitação por parte da sociedade e de ser juridicamente possível somente torna o aborto aceitável do ponto de vista moral. No aspecto ético, a individualidade do nascituro é desrespeitada.

A pena de morte infligida ao nascituro, independente da circunstância, ataca frontalmente a ética. Para clarear o leitor é possível fazer uma analogia que de certa forma nos é bem próxima. A escravidão no Brasil até o século XIX era legal. A moral vigente também não via nem um mal em se ter escravos. Pelo contrário, possuir escravos era sinal de status, era uma marca de alguém bem sucedido na vida. Ou seja, o sistema legal e a moral vigente diziam sim à escravidão. Mas e o indivíduo escravizado; qual era o seu sentimento em relação à sua condição? Sua individualidade era respeitada? A escravidão, portanto, era moral e legal, mas anti-ética. O mesmo se aplica à questão do aborto. O sentimento que motivou os abolicionistas a lutarem pelo fim da escravidão foi esta incongruência entre a moral e a ética daquele tempo.

Podemos pedir a legalização do aborto e este vir a ser legalizado, podemos mudar nossas concepções morais e entender o aborto como aceitável, mas este jamais será ético, jamais será imune de culpa aquele que pratica o aborto, pois por ser anti-ético este nunca será de fato um procedimento inteiramente bom.

Frederico Guilherme
Enviado por Frederico Guilherme em 04/10/2009
Código do texto: T1846824
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