Beleza Brasileira - Edgard Steffen
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Em 1921, articulista do jornal inglês “The Guardian” convidava seus leitores a que ouvissem “o mais bonito (...) o mais divertido e musical de todo mundo”.
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Notícia publicada na edição de 03/10/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno Al
A letra do Hino Nacional Brasileiro, escrita por Joaquim Osório Duque Estrada, completou cem anos. (22/9/2009)
Apesar do cacófato “herói cobrado”, o poema é bonito. Em vez de louvar derrame de sangue inimigo, fala sobre vida, flores, campos risonhos, amores, barulho de mar e limpidez de céu
Cerveja trincando de gelada no refrigerador. Bermudão e chinelo de dedo. Nem ouve o que a mulher diz. Parece que vai levar as crianças para a casa da vó... Olhos grudados na televisão. Ansioso para ver seu time subir na tabela, nem liga para comerciais e palavrórios repetitivos dos comentaristas. Consegue até aguentar a obviedade das falas de jogadores e técnicos. Mas, acaba perdendo a paciência quando o renque de atletas e árbitros perfila-se. Por que isso? Vai começar o Hino Nacional.
Para a velocidade do mundo moderno, (com perdão do cacófato que se segue), nosso hino para “The Guardian”, o mais belo de todos os cânticos pátrios cansa. Introdução longa precede o “Ouviram do Ipiranga” e encomprida a execução. A câmara passeia pela fila e vai mostrando: uns cantam, outros tentam; uns em posição de sentido, outros nem aí; uns com a mão direita sobre o coração, outros com a mão em lugares impróprios para quem está em local público. Locutores não cessam a verborragia e, não raro, comerciais substituem a imagem cívica.
Tudo errado. A Lei que normatiza o Hino Nacional permite seu uso na abertura de competições esportivas, mas exige que todos permaneçam em pé, em atitude respeitosa; civis, do sexo masculino, com a cabeça descoberta; militares em posição de continência. Não pode ser cantado pela metade; cantado, a lei exige as duas partes. Também não pode ser aplaudido (Nem Lula sabe disso! Por mais de uma vez foi filmado batendo palmas).
Tem gente pensando que a norma veio por causa do fiasco da Vanusa. Mas não é. A Lei 12.031, de autoria do deputado Lincoln Portella, procura homenagear o centenário da poesia. A legislação obriga escolas públicas e particulares do ensino fundamental a executar vale dizer fazer seus alunos cantarem o Hino Nacional, uma vez por semana.
A parte instrumental da introdução ao Hino Nacional Brasileiro continha versos pré-republicanos excluídos da versão oficial*. Na Internet, Ana Arcanjo, recostada numa cadeira de sua casa, lamenta que brasileiros não saibam cantar o hino pátrio e tenta resgatar letras referentes à introdução. Com ar professoral, sem inibição, canta para que os internautas aprendam: “Espera o Brasil / Que todos cumprais / Com vosso dever - er / Eia avante, brasileiros, / Sempre avante./ Gravai com buril / Nos pátrios anais / Do nosso poder - er / Eia avante, brasileiros, / Sempre avante! / Servi o Brasil / Sem esmorecer, / Com ânimo audaz / Cumpri o dever, / Na guerra e na paz, / À sombra da lei / À brisa gentil / O lábaro erguei / Do belo Brasil-il / Eia sus, / Oh, sus!”
Não acho que o poema de Américo de Moura faça jus à música de Francisco Manuel da Silva nem à letra de Estrada. Apesar do cacófato “herói cobrado”, o poema é bonito. Em vez de louvar derrame de sangue inimigo, fala sobre vida, flores, campos risonhos, amores, barulho de mar e limpidez de céu. Nas musicas símbolos de cada país predominam marchas militares. Ouvi-las é sentir som de botas em passos marciais. Nem sempre para defender a pátria, mas para invadir a alheia. A brasileira cabe melhor em abertura de espetáculos que na deflagração de batalhas. Em 1921, articulista do jornal inglês “The Guardian” convidava seus leitores a que ouvissem “o mais bonito (...) o mais divertido e musical de todo mundo”.
Bonito, tanto em letra como em música, como explicar porque poucos brasileiros conseguem cantá-lo sem errar?
Em primeiro lugar porque usa linguagem cheia de frases em ordem inversa e palavras que caíram em desuso. Também é muito longo. A poda seria conveniente, e não seria novidade. Foi aplicada ao hino alemão, após a segunda Grande Guerra. Eliminaram o verso “Deutschland über alles” (Alemanha acima de tudo), tão querido por Hitler e nazistas.
Cantado em ritmo lento, o Hino Brasileiro emociona, faz chorar, serve de ornamento fúnebre às perdidas esperanças pátrias. Quem não se emocionou com a interpretação de Fafá de Belém nas exéquias de Tancredo? Tocada no ritmo sincopado das escolas de samba, como fez, recentemente, a Orquestra Sinfônica regida por João Carlos Martins, traz vontade de a gente sair marchando alegremente... ou, até sambando.
(*) Atribuída a Américo de Moura, Presidente da Província do Rio de Janeiro (1879 e 1880).
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Edgard Steffen é médico pediatra (edgard.steffen@gmail.com)
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