NORTE, NORDESTE

“- O sertanejo é, antes de tudo, um forte.” ... Euclides da Cunha, “Os Sertões”, um dos clássicos da nossa literatura.

E é mesmo. Eu vi de perto, vivendo e convivendo com eles, desde a Bahia ao Piauí, chegando até o extremo norte, Belém do Pará, na Amazônia.

Uma gente boa, muito boa mesmo, de hábitos simples e gestos mansos, leal e hospitaleira, amiga dos seus amigos, mais brasileira que todas as outras, porque ali nasceu o verdadeiro

sentimento de brasilidade, de nativismo puro, começando nas batalhas contra os holandeses (Guararapes, Tabocas) em Pernambuco e sua expulsão do Brasil.

Gente sofrida também, face às condições do solo e do clima, mas que nunca se abateu e deixou de lutar. Seca vem, seca vai, e o nordestino prossegue na sua sina. Aí chove, chove muito, os rios renascem, sobem, enchem tudo, vem a “seca verde”, como eles a chamam, surgem as endemias, as doenças, as pragas ...

O governo vem em socorro, como sempre de maneira emergencial. E mandam alimentos, roupas, remédios, dinheiro (que nem sempre chegam aos verdadeiros necessitados) e a vida continua. Os coronéis manipulam política e economicamente.

Apesar de tudo, arrostando todas as intempéries e dificuldades, o nordestino curte a alegria de viver. No agreste, promove as suas vaquejadas, cavalga e corre como ninguém atrás do gado desgarrado na catinga braba. Vá ver e conferir em Bezerros, Pernambuco. À noite, na beira do fogo, dedilha a sua viola e canta as suas mágoas. Faz duplas e cantam os famosos “desafios”, na deliciosa poesia dos repentes. É um artista!

A cachaça, a farofa de jerimum e a carne de sol alegram ainda mais o ambiente, ao som da sanfona, do zabumba e do triângulo. Caruaru, terra do Mestre Vitalino, que o diga!

No Recife é muito comum a roda de ciranda, principalmente na Ilha de Itamaracá, onde Lia, à beira mar, é famosa até no exterior. As pessoas se dão as mãos (como é bonito isso), sem qualquer preconceito, brancos e negros, cantam e dançam, gostosamente, fazendo a roda:- “Esta ciranda quem me deu foi Lia, que mora na Ilha de Itamaracá ...”

Nos bares à beira mar o forró é constante, como nos clubes de bairro. A sanfona manda brasa, acompanhada do zabumba e do triângulo (não precisa mais nada). O resto é por conta do povo, sempre festeiro e animado. Nos meses de junho e julho, então, com as festas juninas, o interior ferve de gente, fogueiras e animação, nas festas mais lindas de todo o Brasil.

Em Salvador, o quente é o samba de roda e o jogo de capoeira. Bem na cidade baixa, no Mercado Modelo, a gente presencia as exibições gratuitas dos grupos de capoeiristas, jogando ao som do berimbau e do pandeiro. A cachaça é de primeiríssima, a “lambreta” é o tira gosto preferido, e se o freguês quiser forrar o bucho, pra valer, é só subir ao restaurante do Camafeu de Oxossi (ao lado do da Maria de São Pedro) e pedir uma moqueca de peixe, uma mão de vaca no capricho ou um xinxim de galinha.

Nas Alagoas você curte a Praia de Pajuçara, com bons restaurantes e seu famoso galeto na brasa. A Lagoa do Mundaú ainda dá bons mariscos, principalmente o extraordinário sururu, que se faz ao coco, acompanhado de macaxeira. Divino! ...

No Pernambuco velho de guerra as maravilhas são tantas que a gente quase endoidece:- feirinhas, rodas de ciranda, bares nas orlas de Boa Viagem e Olinda,com agulhinha frita e cerveja gelada, carne de sol com feijão verde e manteiga de garrafa, chambaril, sarapatel, mão de vaca, buchada de bode (ou de carneiro). O Recife é sempre uma festa, com seus clubes, seus bairros, suas feirinhas de arte, comes e bebes e artesanato e suas rodas de ciranda. No carnaval de Olinda, então, nem é bom falar ...

Na Paraíba, em João Pessoa, você tem os maiores atrativos na orla marítima, junto ao Hotel Tambaú, de bela concepção arquitetônica. Come-se um excelente caranguejo, ou um guaiamum, uma sopa de cabeça de peixe fenomenal. O artesanato está ali mesmo, em barraquinhas bem organizadas. Querendo, pode-se espichar até a Ponta do Seixas, lá pros lados do Cabo Branco, onde a animação é maior, cerveja, forró e caranguejo correndo frouxo no pedaço.

Subindo mais um pouco, chegamos ao Rio Grande do Norte, com sua bela e aconchegante capital, a cidade de Natal. Não deixe de conhecer a sua carne de sol (a do Lira, a melhor) e a galinha de cabidela servida na Casa de Mãe, à beira mar, Praia de Ponta Negra, num ambiente simples, mas muito acolhedor. É o supra sumo da delícia e da tranqüilidade.

E o velho Ceará, com sua Fortaleza, a cidade do sol, linda de viver? O forró come solto em todo o canto, varando as noites estreladas e as madrugadas. Dia seguinte, a turma curte a ressaca nas praias, tomando água de coco, sucos e batidas de frutas regionais, ou comendo peixe frito e camarão. O caranguejo é, porém, a maior pedida. Fortaleza tem lugares lindos, como a Praia de Iracema (Volta da Jurema), a Ponte Metálica, a Praia do Futuro, a Ponta do Mucuripe, suas dunas de areia branca, isso na capital. No interior, temos a Prainha de Aquiraz, o Iguape, o Morro Branco, Canoa Quebrada (de renome internacional), Jericoacoara e outras mais, todas de inominável beleza natural.

Subimos um pouco mais e estamos no Piauí. Terra de muito calor, muito caju, muito doce caseiro e artesanato. E o grande Rio Poti silencioso, cortando a cidade, calmo, tranquilão, fornecendo peixe e camarão ao povo ribeirinho e, de quebra, praias com areia fofa e tudo mais às moçoilas piauienses, para o bronzeado do corpo.

De Teresina, vamos a São Luiz, no Maranhão, lugar de gente letrada, onde se fala o português mais castiço do Brasil e onde se come também o melhor camarão:- que o diga a Base do Edílson, com os seus pratos apetitosos, feitos por sua mulher e servidos pelos filhos. Lugar simples, mas freqüentado por gente famosa, como Amador Aguiar, Bradesco & Cia., além de Ministros da República (a velha e a nova), cujos autógrafos o Edílson faz questão de colecionar, num Livro de Ouro que ele guarda com muito carinho. Não sou famoso mas freqüentei e sou amigo do dono, e o meu nome está lá, gravado para a posteridade. Em São Luiz, não deixe de apreciar um Bumba Meu Boi, o melhor e o mais legítimo de todo o país.

Finalmente, chegamos ao Norte, no Pará, sala de visitas da Amazônia. Belém, sua bela capital, a cidade morena das mangueiras, com suas avenidas, suas praças arborizadas, suas ruelas estreitas. “Terra do Pará, terra de descanso; comer de arremesso, dormir de balanço”, já escrevia o bispo Leandro de Tocantins em seu “Amazônia, Homem e Tempo”. E é mesmo. O paraense é extraordinariamente calmo, amigo, hospitaleiro. Mal lhe conhece e já quer levá-lo à sua casa, para conhecer sua família.. E tome “Pato ao Tucupí”, o prato tradicional paraoara. O “comer de arremesso” é a sua mania de, onde quer que se encontre, nas feiras, por exemplo, fica de cócoras, abre o saquinho de farinha grossa que sempre carrega e joga os punhados em arremessos certeiros à boca, mastigando e curtindo. O “dormir de balanço” é a sua mania pela rede, que troca pela cama, sempre. Mesmo quando viaja, a rede vai debaixo do braço, podendo ser armada em qualquer lugar. Desde o convés dos navios que cortam a região, como na mata, entre duas árvores, à beira dum igarapé. Aí é a hora dele sorver o seu açaí.

Belém, a capital do sorvete, de extraordinários sabores naturais:- taperebá, uxí, cupuaçú, graviola, murici, bacuri, castanha do Pará, araçá, sapoti, tapioca, mangaba e o famoso açaí. São divinos.

Recordar é viver, diz o ditado. Pois é, foram só treze anos de Norte e Nordeste. É mole? ... Bom, agora chega. Vou ficando por aqui mesmo, em São Paulo, onde faz um frio danado. E ainda por cima estou sozinho., minha mulher viajou pras Minas Gerais, ao encontro da mãe e de parentes. A saudade é grande, porisso fui para a máquina e saíram estas mal traçadas. O jeito é ligar a televisão, “Jornal Nacional”, as novelas, depois um filme e um bom cobertor, pois ninguém é de ferro! ...

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RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 02/10/2009
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