Entretenimento Educativo (2)
Entretenimento Educativo (2)
Hitchcock teve sua obra dividida em 4 fases: a fase inglesa, a hollywoodiana, as “masterpieces” e a fase final. Desnecessário, embora pertinente, colocar aqui que essa modalidade de genialidade teve o tempo certo para se manifestar. Nem antes e nem depois. O ser humano iria se espantar com sua própria imagem projetada numa tela, suas ações, sua cobiça e sua ira, sua sensualidade e porque não, sua dualidade. Milhões de pessoas assistiriam. Alfred estudou em colégio de jesuítas e estes lhe ensinaram o valor da disciplina. Dirigiu seu primeiro filme em 1925 e, em dada altura de sua vida, ele diria: ”meus filmes colocam o crime no lugar que lhe é devido – dentro de casa”.
Noutro local da linha do tempo, mas dentro do século XX, o famoso “tele-jogo” PONG, definido por duas barras e um quadrado que se movem para cima e para baixo, começava a afastar clientes em potencial das salas de projeção e das bancas de jornais. Estava nascendo o vídeo game. Nem HQ e nem cinema, com conteúdo de aprendizado discutível, entretenimento idem, muito embora enquanto a discussão permanecer aberta estaremos sempre aprendendo, essa modalidade tem lá seu parentesco com os filhos de Goscinny e Meliés.
Se em mil setecentos e bolinha um abade podia ficar trancafiado numa câmera escura caçando imagens, qual o problema de dois adolescentes ficarem vidrados num joguinho, tentando impedir o pequeno pixel de tocar nos cantos esquerdo e direito da tela? Quem poderia sonhar, nos tempos do abade Nollet, que o fruto daquela curiosidade iria desencadear tantas façanhas futuras?
Depois de “Viagem à Lua”, Georges Meliés faria cerca de 500 filmes, esclarecendo aqui que os mesmos eram de curta duração, par e par com a duração das películas deste período. Mesmo assim, sua produtora não agüentou senão a concorrência de grupos industrialmente organizados, o próprio tranco da história, que galopava em vários locais ao mesmo tempo e cuja bola da vez, e a força da vez, se instalavam na Inglaterra e nos EUA.
Em 1896 o farmacêutico James Willianson e o mecânico Alfred Barling transformaram um projetor em câmera e se puseram a filmar. Ainda na Inglaterra, um retratista chamado Georges Albert Smith seguiu pelo mesmo caminho, até se tornar “o verdadeiro criador da montagem cinematográfica”. Para fazer frente à concorrência francesa, (vide o grupo Pathé Fréres), a indústria do sonho inglesa florescia em Brighton e a americana perto do local onde Tomas Alva Edison sonhava, e então acordava para anotar, o misterioso sonho da eletricidade. Em dois pontos do planeta já se concluía que cenas com emoções fortes eletrizavam platéias. O escocês Edwin Porter dirigiu “The Life of an American Fireman” em 1902. Porter é considerado aquele que colocou o filme norte americano “num caminho legitimamente cinematográfico”. Até aparecer um cidadão chamado David Wark Griffith. Um talento desperta outro, provando que não só as imagens estão em movimento.
“Pense na verdade como se tivesse de conciliar as formas que já existem com as que desejam nascer”.
Sem contar que, com a imagem, ontem, hoje e sempre, vem a “reserva de imagem”, uma espécie de mistério largamente utilizado tanto no grafismo do cinema como no movimento dos quadrinhos, e jamais desprezado pela publicidade. A indústria alimentícia, a exemplo, vende produtos com sabor “galinha caipira”. Se você visse como os frangos são tratados, mudaria de opinião. Em todo caso, “reserva de imagem” fala mais forte, ela tem um poder persuasivo que foge a primeira compreensão.
Em 1900 Georges Albert Smith lança uma série de filminhos, (quase mil), todos na sua maioria em close, denominada “A Lupa da Vovó”, onde vários objetos eram mostrados através de um “vidro de aumento”. Apostava-se na reserva de imagem da anciã/matriarca, mais o seu apetrecho – a lupa, e um mundo descortinado através de ambos, ou, se preferir, através de 16 quadros por segundo.
Voltando a D. W. Griffith, se no cinema existe uma gramática, ela foi inventada por ele, justamente ele, que a principio detestava cinema e se dizia ator de teatro. Griffith se livrou do conceito de quadros estáticos – como eram os filmes – e consagrou o “plano”, como Tônica Mãe da jornada cinematográfica.
O outro nome de “Intolerance” (sua obra prima, lançada em 1916), pode ser o sacrifício do artista. “Intolerance” não teve a estrondosa bilheteria de “O Nascimento de uma Nação”, o que lhe rendeu alguns dissabores, mas é unanimemente considerado o compêndio maior de truques, símbolos, elipses, criadouro das futuras concepções, etc., e finalmente carimbado como “a consagração das imagens em movimento”.
Na linha do tempo do século XX e do outro lado do mundo em relação a esse mundo, o fim da II Guerra Mundial estimulava de vez o quadro estático, ilustrado em papel, denominado Mangá.
Com o início de uma nova estrada no universo da economia, o Japão, ainda com sua dignidade abatida, retoma o desenvolvimento tendo a seu lado o entretenimento ungido de forças funcionais: diz-se sem exageros que o Mangá levantou a moral do povo japonês. E ainda por cima educou entretendo. Ou vice versa.
Para encerrar o modulo 3, podemos ainda escolher uma data mais especifica na linha do tempo, não só a título de floreio como também de contraponto, válida para qualquer hemisfério: 1948. Hitchcock estava entre as fases “hollywoodiana” e as “masterpieces”. O cinema já não era mais mudo como nos tempos de Griffith embora ainda fosse prematuro aventar a possibilidade de que uma HQ pudesse um dia ganhar o Pullitzer. No dia 15 de fevereiro de 1948 nasce Art Spiegelman em Estocolmo, Suécia. Spiegelman é o único autor de quadrinhos a ganhar um prêmio Pulitzer.
Um ano após a Revolução Francesa (e a alegre festa da Bastilha), um oficial francês foi julgado e condenado a ficar 365 dias confinado num quarto. Dessa condenação surgiu a obra “Viagem à roda do meu quarto”, de Xavier de Maistre. Tida pelos editores como “um convite irrecusável para seguirmos viagem através do insólito e imaginário roteiro...” etc., em dado trecho Xavier pensa sobre a maturidade e a capacidade artística comparando que uma criança de sete anos pode tocar um instrumento com incrível habilidade, mas jamais pintar um quadro como Van Gogh.
Imagens...
Se Art Spiegelman tivesse nascido duzentos anos antes, provavelmente sua HQ “Maus” teria outros personagens.
“Maus”, no entanto, pertence ao século XX e de acordo com o Wall Street Journal, trata-se da “narrativa mais comovente e incisiva sobre o holocausto”. A pegadinha magistral de Spiegelman não foi só a analogia dos judeus serem mostrados como Ratos, os nazistas como Gatos e os aliados como Cães, mas também o disfarce: quando um Rato queria se passar por Gato, ele apenas colocava uma máscara de Gato.
Simples como a vida deve ser. A grande necessidade dos humanos é somente enxergar o óbvio. Gasta-se uma energia descomunal com medos surreais de todas as espécies, em todas as instâncias. Houve um estadista que certa vez disse que nossos maiores receios e esperanças jamais se concretizam. “Houve um estadista...” poderia ser o titulo de uma futura ficção.
Entre Griffith e o cinema falado ocorre um espaço de aproximadamente 15 anos. E enquanto se pensava que o fortificante do cinema estava sendo bombeado nos USA os russos botavam pra quebrar, porque o “sistema das influências recíprocas” é como o próprio show, não pára nunca. Em 1936 o diretor russo Leonid Trauberg narra a D.W. Griffith em carta que a União Soviética absorveu como uma esponja a produção ianque de 1919 a 1924. Sergei Eisenstein, V. Pudóvquim, Dziga Vertov e outros beberam na fonte que jorrava no Novo Mundo e construíram no velho obras como “Ivã o Terrível” e “Couraçado Pontionquim”. No meio da década de 20 todo mundo ficou boquiaberto, mas o som do cinema só viria dali a poucos anos. E como tudo, não nasceu da noite para o dia e mesmo depois de parido, encontraria séria resistência. Chaplin, por exemplo, gastaria anos e anos num conflito cuja bandeira era contrária ao cinema falado.
Puxando a moviola para o meio do século XIX e fixando a data em 1862, chegamos no atestado de que Cermark foi o primeiro a registrar as ondas sonoras e dez anos depois W. Donisthorpe o primeiro a propor a união de imagem e som num único aparelho. A velocidade da “Coisa” é espantosa. Enquanto os registros acima aconteciam na Europa, dois anos depois na América Alexander Blake conquistava a chapa fotográfica com vibração sonora e Charles Fritz o emprego de selênio “para o registro fotográfico do som”.
Enfim, da Coluna Trajana para o célebre filme de Al Jolson são praticamente 2.000 anos.
A repercussão e a influência desses entretenimentos nas mentes, corações e cofres é decerto incalculável, sendo talvez o item cofre o único passível de qualquer cálculo, ainda assim, é de se perguntar com que objetivo.
A imagem retratada seja em quadros estáticos que se movem, seja a imagem com movimento e som serviu até agora para a humanidade como retrato e auto retrato de sua história, suas ações, das mais baixas e vis aos mais altos ideais, serviu para passar o tempo e mostrar como o tempo passa e o que acontece no seu decorrer, exibiu vilões, enalteceu heróis, inverteu papéis, desmascarou situações ocorridas, previu outras, concebeu mundos fora daqui e descortinou mundos que ninguém quis olhar ou sequer admitir sua existência, falou sobre culturas extintas, sobre possibilidades futuras, documentou mesmo à revelia o que se passa nos bastidores de qualquer situação e transformou em folhetim incontáveis dramas individuais e coletivos.
As citações acerca de Griffith, Meliés, Spiegelman e Hergé, nesta modesta série de artigos, serve apenas para colocar uns poucos pingos nos is sem fim que integraram essa epopéia.
Encerramos com Carl Barks. Aos 93 anos, o criador de Pato Donald, Tio Patinhas & família, faria um tour por 11 países da Europa, com direito a desfile em carro aberto e sessões de autógrafos com autoridades constituídas e autoridades meritórias.
Muito provavelmente o mundo teve milhares e milhares de similares, que sucumbiram sem a mesma pompa.
Com certeza Barks nem sonhava com isso, quando era condutor de mulas lá pelos idos de 1916 e vivia com um bloquinho de papel, desenhando compulsivamente tudo o que via pela frente.
Tony Gilroy, cineasta, fala através de um de seus personagens no filme “Duplicity – “temos mais poder e consequentemente mais saber e em vista disso maior chance de sobreviver”. O Entretenimento Educativo proposto aqui difundiu um pouco mais de conhecimento no seu maior âmbito para um maior número de pessoas.
Se surtiu efeito ou não a única resposta é: que cada um fale por si.
Cada um de nós tem um afeto especial por um, ou outro ou vários realizadores. Eles nos mostraram caminhos e experiências, e fatalmente enriqueceram nossas vidas.
De acordo com Paramahansa Yogananda em "A Eterna Busca do Homem", “seremos vistos neste palco da vida tantas vezes quantas forem necessárias, até nos tornarmos tão bons atores que seremos capazes de representar nossa parte com perfeição, e de acordo com a Vontade Divina”.
Para os menos crédulos utilizamos versos, pois nada em instante algum tem mais movimento e é tão imagético.
De Hugo Moura Leal:
“uma lente de contato...
eis o que eu queria ser...
viver dentro de seus olhos
e fazer você me ver.”