SE VALE A PENA!!!

DICAS E SUGESTÕES PARA FUTUROS POETAS

*** Ensino da poesia A PUC de Belo Horizonte convidou sete escritores (Luiz Vilela, Sérgio Sant’Anna, Marina Colasanti, Antonio Cicero, Humberto Werneck, Miguel Sanchez Neto e a mim) para darmos uma “oficina de literatura” durante todo o ano de 2003. Os alunos podem optar e articular os módulos das “oficinas” de acordo com sua conveniência. Quando se fala numa iniciativa como essa, a a primeira pergunta que surge é: “Mas pode-se ensinar alguém a ser escritor?”. Resposta: “Pode-se ensinar uma série de técnicas, pode-se passar uma série de vivências, pode-se desenvolver o talento. Quanto ao mais, depende de cada um. Depende não só do talento inato, mas da perseverança e da neurose destrutiva ou construtiva de cada um”. No caso da poesia, a questão é ainda mais singular. Embora todos digam “minha vida daria um romance” pouquíssimos se lançam à aventura de escrever um romance. Mas baseadas no ditado — “de médico, poeta e louco todos nós temos um pouco” — as pessoas, num determinado momento, sobretudo na juventude, devem ter composto um poema qualquer. Nada contra quem faça seus poemas para uso familiar, publicitário ou para se expressar. Contudo, quanto a se assumir como poeta, são necessários alguns cuidados e providências. A primeira é não apenas começar a ler bons poetas, mas inteirar-se que existe um sistema literário, com regras e leis, as quais temos que conhecer, nem que seja para contestá-las. Assim, é imprescindível saber como funciona o sistema de produção (edição, divulgação, direitos, políticas literárias, agente literário, prêmios, etc.) e ler livros que, expondo a experiência de autores, mapeiem o processo de criação. No caso da poesia, para começar, dois livros de Ezra Pound — “ABC da literatura” e “A arte da poesia”. É autor didático e polêmico. Pode-se depois discordar dele em algumas coisas, como o fiz no ensaio “O que fazer de Ezra Pound?”. Mas há que atravessá-lo primeiro. Leia também “Como fazer versos”, de Maiakovski. Embora ele tivesse que dar satisfações políticas aos dirigentes da revolução comunista de 1917, há experiências pessoais interessantes. O compêndio “Vanguarda européia e modernismo brasileiros”, organizado por Gilberto Mendonça Telles, é fundamental para que se tome conhecimento dos manifestos literários nos últimos cento e poucos anos. É imprescindível saber o que cada escola, época ou geração definia como sendo poesia. O ensaio de Edgar Allan Poe “Filosofia da composição” é importante para se ver como o autor explica racionalmente a elaboração de seu famoso poema “O corvo”. Uma edição recente desse texto e do poema, com diversas traduções do mesmo, organizada por Ivo Barroso, retoma uma experiência que fizemos na revista “Poesia sempre”. Ver como poetas traduzem diferentemente um poema, é uma aula de poesia. Algumas leituras iniciáticas são ainda necessárias: de Octávio Paz — “O arco e a lira” e “Signos em rotação”. O poeta mexicano reinstala a poesia na história da cultura. Ler “Homo Ludens”, de Huizinga, especialmente os capítulos “O jogo e a poesia” e “A função da forma poética”. Procure os ensaios de T. S. Eliot, poeta que soube articular a tradição e a inovação. Evidentemente que sempre se lerá “Cartas a um jovem poeta”, de Rilke, mas as cartas de Mário de Andrade, em geral, sobretudo as escritas a Fernando Sabino, “Cartas a um jovem escritor”, são importantes. E nunca esquecer do despretensioso “Itinerário de Pasárgada”, onde Manuel Bandeira faz algumas revelações sobre seu métier de poeta. E se quer saber de certos recursos e segredos estilísticos de Drummond, Cabral e outros, leia “Esfinge clara e outros enigmas”, onde Othon M. Garcia exibe o que é uma análise estilística e temática. Colocaria aí até o “Pequeno dicionário de arte poética”, de Geir Campos, uma maneira leve de tomar contato com técnicas intemporais. Lembro-me sempre de Manuel Bandeira me indagando quando, adolescente o fui visitar, se já havia feito algum soneto na vida. Era uma maneira de saber se a pessoa estava inteirada da tradição e de certas questões de técnica do verso. Diria que isto é uma pequeníssima cesta básica. Para começar. Não se deve confundir oficina literária com curso de teoria. Evidente que o aprendizado é interminável. Ainda agora estava relendo “The life of the poet”, do ensaísta americano Lawrence Lipking, que desenvolve a tese que os poetas sempre retomam ou contestam o projeto de outros poetas, num processo edipiano de negação e auto-afirmação. Goethe rejeita Virgílio, Whitman rejeita Goethe e Virgílio, Mallarmé reverencia Poe, etc. A história da poesia é um tocante e tenso diálogo entre poetas de épocas diversas além de um mágico diálogo com o público. Por isto é necessário assenhorar-se do que já foi feito. E nisto há um mistério. Mistério que Rubem Braga muito bem surpreendeu na crônica “O mistério da poesia”. Dizia que não sabia porque tinham ficado na sua cabeça os versos de um poeta, que ele julgava ser boliviano, mas, na verdade, era o colombiano Aurélio Arturo . Volta e meia, quando estava aborrecido ou viajando, surgia esse murmúrio dentro dele: “Trabajar era bueno en el Sur. Cortar los árboles, hacer canoas de los troncos”. E ele pôs-se a indagar qual o mistério dessas palavras tão simples que o alimentavam. Experimentou invertê-las, mudar o tempo verbal, tirar uma, botar outra, mas nenhuma forma lhe pareceu tão tocante quanto essa. E anotou: “Talvez o que impressione seja mesmo isso: essa faculdade de dar um sentido solene e alto às palavras de todo dia”. E terminando ele a sua crônica e eu a minha, uso as palavras do cronista-poeta, que me dispensam de certos comentários: “Fala-se muito em mistério poético; e não faltam poetas modernos que procurem esse mistério enunciando coisas obscuras, o que dá margem a muito equívoco e muita bobagem. Se na verdade existe muita poesia e muita carga de emoção em certos versos sem um sentido claro, isso não quer dizer que, turvando um pouco as águas, elas fiquem mais profundas…”. Afonso Romano de Santana JB - Rio, 31 de Maio de 2003 ***