MALUCO BELEZA
Já li em algum lugar (acho que num livro do Osho) que psicoterapia é em muitos casos a tentativa de se reajustar o indivíduo aos padrões de anormalidade vigentes na sociedade dos dias de hoje. Concordo em gênero, número e grau. Não que vá dizer que todo e qualquer terapeuta segue esta linha ou entendimento durante o seu trabalho - mas é esta a razão maior pela qual nunca fui com a cara da psicoterapia, nem comprei seu peixe completamente.
Com todo o respeito, sem generalizar e sem nenhum preconceito pela profissão em si (para exemplo, adoro o doutor Osvaldo Shimoda, que inova completamente sua abordagem no atendimento), o que vemos por aí de psicólogos desajustados não é pouco! Tem psicólogo espancando a esposa em casa, se tratando por descontrole nervoso, outros cheios de cacoetes e manias. Alguém há de argumentar que isto é em toda profissão, que esta é uma posição discriminatória ou preconceituosa de minha parte. Verdade. Desajustado tem em todo lugar. Mas penso que um psicólogo deveria ser minimamente equilibrado, capaz de sanar primeiro em si mesmo os seus dilemas, resolvendo os porventura existentes no seu círculo familiar mais próximo, para depois, e só então, tentar ajudar os outros.
O artigo vem como resultado de reflexões nos últimos dias acerca da problemática envolvendo o relacionamento. O mundo está uma bagunça basicamente por problemas de relacionamento: entre nações, entre famílias, entre colegas de escola ou de profissão. Estranhamente, ainda nos situamos num patamar primitivo, a despeito de todo o suposto avanço tecnológico e científico, de onde não conseguimos nos desatolar, insistindo na fórmula fracassada de só resolver problemas de convivência com base na intolerância, na irresponsabilidade, no desrespeito pelas diferenças de comportamento e de opiniões, no desamor crasso e autodestrutivo, em suma.
Uma humanidade pode avançar anos-luz, caros; mas enquanto não resolver em primeiro lugar e em si mesma o descompasso que, em termos comportamentais, em nada a diferencia do homem do tacape dos tempos da caverna, nada, mas nada mesmo, por efeito cascata, vai funcionar! Uma monumental implosão jamais vista, nesta conjuntura, é que talvez venha a ser o desfecho, colocando fim a uma tal pretensa civilização.
Os que tentam escapulir deste tipo anacrônico de "normalidade" a qual todos de uma forma ou de outra devem se adaptar ou enquadrar o seu perfil de conduta acabam tendo que fazer psicoterapia, porque passam a ser considerados, eles sim, os anormais. Ovelhas em luta desigual contra a selvageria dos lobos, de algum modo, por índole, ou por educação familiar, foram instruídos corretamente no sentido de se preparar um mundo melhor.
Não agredir! Cultivar respeito e tolerância para com as diferenças, já que cada ser é único; ninguém é necessariamente melhor do que o outro em função de mera competitividade, com a riqueza de todas as idiossincrasias; não depredar e sujar o ambiente onde vive, a natureza, o patrimônio público. Procurar refinar pensamentos, atitudes e iniciativas, com diligência, em prol de se relacionar com o mundo da melhor maneira possível. Se não for possível ser unanimidade entre todos, ou amar a todos - e não é, no nosso grau espiritual evolutivo, dados os níveis naturais de empatia, mais por uns do que por outros! - ao menos pautar as iniciativas com base no respeito pelas diferenças, na cordialidade para com todos, na resistência íntima frente ao revide, partindo-se do princípio de que todo agressor gratuito, ou mesmo imbuído em causa própria, aborda a vida de modo necessariamente equivocado.
Ensinamos isto aos filhos, acreditando contribuir para um futuro melhor. E o que se colhe em troca?
Intolerância; incompreensão; desrespeito; agressão - em casos graves e específicos, a mais brutal selvageria!
Tudo porque o sistema vigente primou por pautar o pretenso padrão de normalidade da sociedade pelos parâmetros rasos do egoísmo, da agressividade, do supremo desrespeito pelo aspecto mais sagrado da vida em nós todos: a humanidade!
Então nos vemos, nós mesmos e os nossos filhos, tentando sobreviver praticamente à margem de uma sociedade onde o errado utopicamente tornou-se o certo. Onde o bom é ser malandro nos traquejos de se suplantar o seu próximo em campos vários, seja por que métodos for, por mais desleais e escusos, desde que se atinja um fim, normalmente relacionado a profissão ou a dinheiro. Onde o ser respeitoso, pacífico, tolerante, torna-se sinônimo de covardia, pusilanimidade ou fraqueza. Onde o ter é o único parâmetro de objetividade utilizado e valorizado, em completo detrimento do principal - do ser!
De fato, compreende-se, desta ótica, porque Jesus, Gandhi, Chico Mendes, Francisco de Assis e tantos outros, anônimos, não foram e nem são uma unanimidade. A humanidade insiste em se nivelar por baixo. Pior: por vontade própria! Se vangloria de não evoluir! De não se tornar gente!
E haja necessidade de se reencarnar para aparar o restante imenso de arestas voluntaria e incessantemente atraídas, como pedregulhos, para o próprio caminho! Para se aprender o mais básico, que em muitas situações crianças em idade incipiente compreendem melhor do que ninguém: trate o seu semelhante como quer ser tratado! Não faça aos outros o que não quer para si mesmo!...
E tome psicoterapia para nos enquadrarmos nesta referência medíocre, desvirtuada, do que hoje se entende e se quer como normalidade!
Amigos; sei que é sofrido! Mas, pelo exposto, é que fico, nas diretrizes do meu caminho quanto na orientação dada a meus filhos, com o que muito sabiamente já nos dizia Raul Seixas:
"Enquanto você se esforça pra ser / um sujeito normal / e fazer tudo igual / eu de meu lado aprendendo a ser louco / maluco total / na loucura real. Controlando a minha maluquez / misturada com minha lucidez/ vou ficar, ficar com certeza, maluco beleza!..."
Um abraço!