Pânico na Universidade - Bactéria da Peste Negra pode ter matado pesquisador americano
ARTIGO - [ 26/09 ]
Edgard Steffen
Notícia publicada na edição de 26/09/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A.
(FSP - 22/09/2009 - pág. A24)
A Peste foi usada nas Guerras como arma biológica. Na Idade Média, cadáveres pestosos eram catapul tados por cima das muralhas dos castelos
Malcolm Casadaban, pesquisador da Universidade de Chicago, morreu de peste pulmonar. O geneticista estava lidando com cepa atenuada de Yersinia pestis e, por acidente, contaminou-se. Pesquisadores e funcionários que trabalham no mesmo prédio, e transitam pelos mesmos corredores e elevadores, estão preocupados. A forma pneumônica da doença causada pelo bacilo de Yersin é extremamente contagiosa.
O pânico na universidade lembra-me “Pânico na Cidade”, policial “noir” dirigido por Elia Kazan (1950). O tenente-médico (Richard Widmark) do Serviço Federal de Saúde anda desesperado atrás dos assassinos (Jack Palance e Zero Mostel), não para prendê-los, mas para isolá-los e tratá-los. A autópsia mostrara que não foram as balas; bacilos da peste, localizados nos pulmões, vitimaram o imigrante recém-chegado a New Orleans.
A doença foi tema central do filme dirigido por Luiz Puenzo (1991), baseado no romance “A Peste” de Albert Camus. Na cidade de Oran (Argélia), Dr. Rieux (William Hurt) luta para controlar epidemia de peste bubônica enquanto o governo tenta esconder a situação.
Ingmar Bergman, a seu jeito, também abordou a praga: em “O Sétimo Selo” (1956), o personagem vivido por Max Von Sydow, egresso das Cruzadas, encontra a Suécia em plena epidemia de peste e, num puro simbolismo bergminiano, disputa partida de xadrez com a Morte.
Nas páginas iniciais do romance de Camus o relato: “Na manhã de 16 de abril, o Dr. Bernard Rieux saiu do consultório e tropeçou num rato morto, no meio do patamar...”. Na manhã seguinte apareceram três ratos mortos. A relação de roedores com a peste bubônica é conhecida desde muito tempo. A Yersinia pestis parasita roedores e se transmite, de roedor a roedor, através das pulgas. O homem entra na história epidemiológica quando, na falta de roedores (devida à grande mortandade), suas pulgas procuram humanos para o repasto sanguíneo.
A descoberta do bacilo data de 1894; realizaram-na o suíço Alexandre Yersin (em Hong Kong) e o japonês Kitasato Shiahasaburo (em Toquio), quase ao mesmo tempo.
Antigos escritos sagrados na Índia e China já sinalizavam para a relação entre peste e ratos. No Velho Testamento, I Livro de Samuel, os capítulos 4 a 7 narram episódio interessante. Os filisteus derrotam os israelitas e se apossam da Arca da Aliança (que guardava as Tábuas com os Dez Mandamentos). A arca foi levada, como butim, ao Templo de Dagom, e, depois, transportada de cidade em cidade filistéia. Aonde o objeto sagrado chegasse (num carro, provavelmente assentado em cama de palha, nicho favorável para abrigar ratos e respectivas pulgas) havia grande mortandade e aparecimento de tumores entre os habitantes. Apavorados, os filisteus resolveram restituir a Arca de Javé. Devolveram-na num carro novo, acompanhada de presentes: cinco bubões e cinco ratos em puro ouro.
A Peste foi usada nas Guerras como arma biológica. Na Idade Média, cadáveres pestosos eram catapultados por cima das muralhas dos castelos. Na Primeira Grande Guerra, japoneses espalharam pulgas contaminadas nas cidades da Mandchuria. Durante a Guerra Fria, tanto soviéticos como americanos, cultivaram linhagens virulentas de Yersinia pestis para fins militares; felizmente não as usaram.
Desde que o ciclo rato-pulga-homem-homem foi conhecido, a doença começou a ser controlada; com o advento das vacinas e dos antibióticos, a peste já não ameaça a humanidade. Hoje, ainda ocorre, esporadicamente, em quase todos os continentes, na zona rural e sempre ligada a roedores como marmotas, esquilos, ratos silvestres. No Brasil, o último caso notificado ocorreu há 5 anos.
A forma pulmonar, que matou o geneticista americano, independe de ratos ou pulgas; transmite-se da mesma forma que a gripe pandêmica. Cuidados preventivos são os mesmos. Sorte para Barak Obama. Tentando sair da retórica do Partido Democrata e partindo para a prática, procura estender os cuidados de saúde a toda a população americana. Tenta implantar uma espécie de SUS norte-americano. Outra epidemia iria assustá-lo. Como se não bastassem os SUStos com os custos da empreitada... O Brasil que o diga.
Edgard Steffen é médico pediatra (edgard.steffen@gmail.com)