DEMOCRACIA DA PUTARIA.

DEMOCRACIA DA PUTARIA

Nada no Brasil me mete mais medo hoje do que essa falácia: a democracia, que por rimar, confundimos com putaria. Não sou um falso moralista, mas tudo tem limite e quando não, as coisas devem ser feitas pelo menos de forma bem discreta.

Estou me referindo a uma reportagem veiculada na mídia, principalmente na televisão, mostrando a demissão de uma professora por haver dançado no palco de um grupo musical na Bahia, uma música com o título bem sugestivo: “Tudo Enfiado”. Questionou-se a demissão e a falta de privacidade das pessoas. Quanto ao segundo item até que concordo, mas quanto à demissão sou totalmente favorável.

A professora em questão, já saiu por aí dando entrevistas e mostrada em um jogo de futebol do Bahia, aos torcedores dava autógrafos, enquanto outros fazia questão de posarem com ela, já se tornou “celebridade”, não pela dança em si, mas por quase ter praticamente sexo explícito no palco na frente de milhares de pessoas. Daí a pouco para se tornar vítima de preconceito, intolerância falta pouco.

Quem apóia uma atitude dessas não tem qualquer raciocínio lógico, e todos aqueles que foram lhe pedir autógrafos podem se enquadram neste conceito, pois não pensam nos próprios filhos, principalmente filhas e alunos da tal professora. E a professora dava aulas a criança. Um professor, pelo menos no meu tempo, era sinônimo de exemplo de comportamento. Servia de modelo como nossos próprios pais, nós, na ingenuidade da época, não imaginávamos professores sem caráter, ou praticando atos condenados por eles em aula.

Todos temos nossos direitos, temos nossas fraquezas, mas um professor, por seu trabalho, deve ter um comportamento exemplar, mesmo que queira fazer determinadas coisas, deve se resguardar, assim como todos as pessoas públicas. Como pode uma professora, que dá aula para muitos alunos, inclusive crianças, subir num palco, dançar do jeito que dançou, rebolando, e o cantor da banda afagar o belo traseiro dela à vista de um grande público. Já imaginou, se nosso presidente, ou qualquer autoridade fosse a um show e resolvesse fazer o que ela fez. A população inteira logo estaria contra ele. Condenando-o e execrando da vida pública. Entretanto, para a professora que ficou em êxtase, muitos já saíram em sua defesa, condenando a direção do colégio que a demitiu, demitida com justiça. Qual o exemplo que esta professora pode dar para seus alunos. Nenhum! Pois se a direção do colégio não tomasse providência o que a professora fez passaria a ser normal, e talvez até mesmo praticado dentro do colégio.

Durante a chamada ditadura, para os mais novos, havia dois costureiros famosos no país, era assim que se chamava na época, hoje são os tais estilistas: Dener e Clodovil. O primeiro morreu há muitos anos; o segundo há pouco tempo, ambos trabalhavam como jurados em programas de calouros. Não me recordo bem quais. Devido a seus trejeitos, considerados afeminados, o governo Geisel proibiu-os de se apresentarem na televisão brasileira. Na época, os opositores do governo tiveram chiliques, pois era o cúmulo da censura, impedir a apresentação dos dois.

Naquele tempo, as músicas eram censuradas também, e isso, queiram ou não foi bom para o país, pois na década de 70 tivemos a composição de belas músicas, lançadas país afora que até hoje são sucessos, porque para escapar da censura, os compositores buscavam meios de enganar os censores ou caprichavam nas letras para evitar problemas, compondo obras primas, ao contrário das músicas das décadas seguintes.

Mas tão logo saiu Geisel do poder, começou a abertura. E com ela veio o começo da nossa derrocada cultural. Apareceram as primeiras músicas, principalmente aqui no Nordeste, com letras de duplo sentido. No Ceará, por exemplo, era grande o sucesso de Messias Holanda, com uma música, cujo refrão dizia: “a capital do Equador é Quito, nunca mudou foi sempre Quito.” Dito ao som da música, e rapidamente, ouvia-se: sem priquito. Priquito no linguajam cearense quer dizer boceta, xoxota. Daí pra frente, acabou-se nossa música, não só o puro forró nordestino, como a música popular brasileira de uma maneira geral.

Nossa cultura foi para o beleléu. Nossos programas de televisão idem. Surgiram os Faustões com seu linguajam chulo, chamando todos de pentelho e nossa juventude deixou de estudar e de se dedicar a práticas sadias para morrer na mão de traficantes de drogas, pois com o incentivo televisivo, todos passaram a buscar fama e dinheiro fácil. Veja os Big Brother da vida.

Aí a ditadura caiu na democracia da putaria, em que todos têm direitos, mas ninguém tem obrigações. Hoje, os professores não podem mais educar, porque são impedidos de reprovar ou repreender qualquer estudante sob pena de ser processado por assédio moral. Nosso governo se preocupa com a lei seca, mas não se preocupa com a educação e com os jovens que morrem diariamente vítimas da bandidagem. Somente, para se ter um exemplo, no Bairro São Miguel aqui em Fortaleza, este ano já morreram vinte e oito jovens em brigas de gangues. Afora outros mortos nos mais diversos bairros da cidade e em outras cidades do país. Quantas vítimas foram salva pela lei seca. Talvez, se os recursos, tanto humanos com financeiros postos para prender bêbados dirigindo nas ruas de nossas capitais, fossem destinados à educação e à polícia para patrulhar mais nossas cidades, teriam sido melhor aproveitados e salvo muito mais vidas. Veja que nosso governo anda na contramão. A lei seca veio com a falácia de salvar vidas, e o governo regulariza a profissão de moto taxista. Sabemos que a maioria das vítimas do trânsito no Brasil é de motoqueiros irresponsáveis, e os motos taxistas não são exceções.

Na ditadura, tínhamos certeza que ao sair de casa se voltaria, a não ser que se morresse de morte natural. Outros, entretanto, dirão: mas podia ser preso ou morto nas mãos dos agentes do governo. Sim, podia. Mas, muitos poucos. Hoje, contudo, vivemos uma democracia, em que elegemos o presidente da república, governadores, senadores, deputados, vereadores e prefeitos, mas vivemos presos à ditadura dos bandidos, dentro de nossas próprias casas sem poder por os pés na rua, preso por grades de ferro, e muitos vezes vítimas de balas das guerras entre gangues ou entre gangues e a polícia.

Não sou contra a democracia, muito pelo contrário, sou contra a democracia da putaria que se instalou neste país, onde a bandidagem, em todos os níveis, tomou conta, e nós, o povo, somos vítimas dos bandidos de cima e dos bandidos de baixo, órfãos sem ter a quem recorrer, pois além de nossas leis beneficiarem apenas bandidos, temos ainda o tal direitos humanos se preocupando com a segurança de bandidos em detrimento dos cidadãos que pagam impostos.

Falam tanto em democracia, mas somos refém de uns quinhentos e poucos deputados e oitenta e um senadores, que fazem o que um único homem manda: o presidente da República. Se fosse realmente uma democracia não haveria o governo de impor sua vontade comprando parlamentares com liberação de verbas, nomeações para cargos políticos. Na democracia deveria prevalecer o que fosse melhor para o povo, decidido democraticamente por parlamentares isentos de pressões políticas e sem medo do poder.

Portanto, caminhamos para o estado de coisas, no qual prevalece as atitudes e os ensinamentos da professorinha mencionada. Ensinamentos esses que vão nos levando a guerra que vivemos. A violência que vemos dia-a-dia. Incentivamos esse tipo de coisa com naturalidade e esquecemos suas conseqüências sobre o futuro do país. Em breve reteremos uma celebridade posando nua para revistas, dando entrevistas Brasil afora e dando opinião de física nuclear a capação de bode, e as pessoas irão ouvir e comentar posições dessa “celebridade”.

HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO

FORTALEZA, AGOSTO/2009.