Carta destinada a Deus...

Queria tanto através dessa carta te falar tudo que sinto, mas acho que já falei demais sobre tudo aquilo que sinto, do que não sinto, do meu choro, do meu riso, dessa vez quero aproveitar, pra falar, pensei em você hoje, quanto tempo hein? O problema é que fica difícil, te falar alguma coisa, se eu não estivesse bem, tudo bem, você não se cansa de ouvir, ia ser mais uma vez e pronto, mas quero falar de você, acho que sei o quanto tem sido difícil, pra falar a verdade, não sei, é o tipo de dor que eu nunca senti, não tenho filhos, nunca criei nada, nunca apreciei algo assim, mas antes de tudo lamento...

Aqueles teus filhos tem morrido de fome, tem algumas estatísticas que falam disso, é tanto número que até me esqueço que é gente igual eu, costumei a falar dos teus filhos que morrem de fome na África, mas...é em todo lugar, sabe aquele teu filho, não sei o nome ele apareceu na televisão, a mãe disse que eles comiam barro com sal pra espantar a fome, mas não tem resolvido eles morrem mesmo assim, muitos e muitos, talvez pudesse me alegrar e dizer, pelo menos estão aí contigo, mas não, não era pra ser assim, deve doer né? Teus filhos morrem de fome a cada instante, e eu joguei aquele monte de comida fora esses dias, e você viu, e não me disse nada, não reclamou, vi na televisão ensinavam a fazer comida, mas na maioria das casas não tinha tudo aquilo pra fazer no almoço, deve doer, você nos ama tanto, somos seus filhos, somos irmãos, alguns tem morrido de fome, crianças, adultos que não tiveram a oportunidade de crescer, e eu só posso dizer lamento, mas lamentar adianta? Morreu mais um, não adiantou em nada, e pizza de sábado tava boa, mas a borda queimou, acho que você entende, não a borda, o quanto eu sou burro, perdão...

Tem gente demais morrendo, mas tem comida demais se perdendo, ninguem faz nada, e eu aqui falando pra você o tempo todo dos meus problemas, te mostrando os meus pecados, tapando os olhos o tempo todo, deve doer né?

Tem muita gente que já não se importa com você, não sei, acho que eu talvez não me importe tanto, não adianta mentir né? Você sabe quem se importa, imaginei tantas vez sua barba branca, seu terno branco um sapato preto igual naquele filme, um sorriso branco, mas você ama, se importa, ama de verdade e tanta gente morrendo de fome, então você sofre, me perdoa imaginei errado, o sorriso, o terno, tudo, a certeza que tenho é da tua dor, não sei falar o quanto dói seria hipócrita, sei que dói, mais que na cruz, isso eu sei!

Podia falar de coisas boas agora, das vitórias, daquilo que tem dado certo, mas isso é fácil né, difícil mesmo é falar da dor, não da minha, da sua, hoje falei só da fome, do barro com sal, não falei do lixo, as bordas da minha pizza queimada devem ter sido comidas por alguem, eles tem feito isso, colocam a mão lá , em qualquer lugar e jogam na boca, sem sentir o cheiro, deve ficar pior e comem, pra não morrer de fome, você também tem visto né, alguma coisa posso fazer, não mudar a fome, mas talvez fazer com que te conheçam, sei lá, fazer o que você me pediu quando estava aí contigo, mexe comigo sabe, lembrar, é tão bom estar perto, e ainda insisto em correr, fugir, ainda insisto em tapar os olhos e acabo me esquecendo que quem ama sofre, você é o puro amor, e tem gente morrendo, deve doer, não sei o quanto, nem imaginar como, mas dói mais que na cruz, porque alguns dos teus filhos jogam comida fora, outros morrem de fome e outros comem o lixo dos que jogaram fora e você vê e vê chora e você pede para que não façamos mais e a gente deixa pra semana que vem, a lágrima escorre, você diz que ainda nos ama, mas podia ser diferente, e eu não faço nada, vou para por aqui, leu tudo né? Perdão, apesar que uma palavra nunca conseguiria mudar tudo, sei lá, um abraço, depois volto a escrever...

Tchau!

Ps: Aquele teu filho, anda vendo bobagem na internet, conversa com ele talvez o ajude, e aquela tua filha anda se prostituindo pra poder comer, ah melhor para com isso!

Te Amo!

Gabriel Antunes Ferreira
Enviado por Gabriel Antunes Ferreira em 24/09/2009
Reeditado em 20/11/2009
Código do texto: T1829253
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