A liberdade da fé

Nos últimos anos assistimos uma enxurrada de novas instituições religiosas, novas crenças com divergentes interpretações de livros sagrados estão espalhadas por todo o planeta e são cultivadas no solo onde arcaicas religiões semearam superstições, medo, sistemas de recompensas e castigos, dualismo entre o bem e o mal e a dicotômica eternidade: céu ou inferno. Contudo, não enxergo a diversidade religiosa como algo negativo, pelo contrário, entendo que a variedade de religiões se apresente como um possível caminho para a libertação dos povos, encerrando os monopólios institucionais da fé.

Para uma verdade ser absoluta, é necessário a ausência de outras, mas fato é que existem múltiplas verdades absolutas santificadas mundo afora, logo para que uma seja “a verdade” todas as demais são condenadas a serem mentiras e essa intriga acaba servindo de berço para a intolerância e fanatismo. Na medida em que se arrebanham seguidores crescem o poder, o lucro, a influência e as necessidades das instituições, dessa maneira as divergências religiosas são pretextos para finalidades estritamente político-econômicos. Ou seja, as instituições religiosas manipulam aquilo que temos de divino e sagrado: nossa fé, a liberdade “mágica” onde buscamos força, paz, esperança e amor, é utilizada como joguete pelos detentores do poder por milênios.

Certa vez um amigo que cursou seminário comentou sobre religião e fé, e o que ele disse ficou marcado em minha mente junta a frases de pensadores imortais: “_A superficialidade das religiões não é nada comparada à profundidade da fé”, ele ainda completou: “_Se eu tivesse dito isso no seminário com certeza teria sido expulso”. Isso, dentre mil outros exemplos, prova que não existe espaço para a liberdade de pensamento dentro de tais instituições.

Durante a faculdade fiz um trabalho sobre religiões para a aula de filosofia, comecei pela maior de nosso país, li algumas partes da bíblia, principalmente o antigo testamento, tinha lembranças das passagens dos evangelhos e dos sermões que ouvia por condicionamento quando criança e no início da adolescência. Depois busquei outros livros sagrados como o Bhagavad-Gita da religião Vaishnava, popularmente conhecida como movimento Hare Krishna, li também algumas partes do Alcorão dos mulçumanos, o Livro dos Espíritos e o Livro dos Médiuns do Alan Kardec. Frequentei um ritual com influências xamânicas e cristãs chamado de Santo Daime onde se faz uso de um chá enteógeno de origens indígena. Depois visitei templos budistas, pratiquei exercícios de meditação e ainda li muitos livros, uma vez que não existe um livro sagrado budista. Assim, em meio a tudo isso, questionei os mitos, dogmas e verdades de diferentes religiões e doutrinas, não pude fingir uma conclusão para o trabalho de filosofia nem fugir a minha natureza. Não dava mais para limitar a liberdade de meus pensamentos em nome de superstições ou de qualquer outra coisa inventada, nem mesmo em nome de hierarquias econômicas, governamentais ou judiciais. Percebi que indiferente da religião ou doutrina, é a fé dos homens e mulheres o combustível para tudo que envolve uma instituição religiosa e não o contrário, assim como nosso trabalho e consumo são os combustíveis para os sistemas econômicos, políticos e judiciais. Vejo a fé como algo livre de verdades absolutas, ela parte do universo individual e é capaz de iluminar a vida de todos que a busquem, independente de religiões ou doutrinas.

"O mundo é o meu país, toda a humanidade são meus irmãos, e fazer o bem é a minha religião", a frase de autoria do filósofo político Thomas Paine, mesmo parecendo, a primeira vista, livre de crenças não deixa de ser ela mesma uma outra crença. Assim como tudo que escrevi, ou como o que qualquer um tenha dito ou escrito. Então, o que é considerar o outro como irmão? O que significa realmente fazer o bem? Qual é a relação dos fiéis com as instituições religiosas? O que é verdade? Onde está nossa fé? São perguntas que devemos fazer a nós mesmos! Que devemos ruminar em nossas mentes irrigadas por nossos corações e alimentadas pela luz do conhecimento. Nossa fé e a pratica da fé são questões que não podem ser descritas sem metáforas ou parábolas, e no fim, nossas palavras são metáforas, nossas teorias parábolas e nós, humanos, demasiados humanos!