Eu lixo
Outro dia caminhava pela rua quando escutei alguém praguejar: “_Que povo porco! Não é possível que ninguém enxergue as lixeiras, será que pensam que é um enfeite?”, então avistei do outro lado da calçada um homem que a muito vejo varrer as ruas de Areado, ele se encontrava agachado atrás de uma dessas lixeiras vermelhas recolhendo um monte de embalagens plásticas, papéis, bitucas de cigarros, cacos de vidro, além de saquinhos com restos de sanduíches. Ele usava as mãos, certamente sua vassoura de capim surrada já não varria com eficiência aquela variedade de lixo espalhado entre as pernas da lixeira.
Atravessei para o outro lado e fui ter com ele algumas palavras: “_ O loco heim Cicrano! O povo é porco mesmo, não é possível que a maioria das pessoas jogue lixo no chão bem ao lado de lixeiras!”, ele apertou minha mão e escancarou um sorriso humilde e sincero revelando sua satisfação por alguém lhe dar ouvidos e disse: “Uái, então rapaz, as lixeirinhas estão pintadinhas, são novinhas e tem em quase tudo que é lugar, mas o lixo continua no chão, o povo não tem educação!”.
“O povo não tem educação”, essas palavras entraram para o meu coração junto com o sangue que corou meu rosto de vergonha: eu, a uma esquina atrás havia atirado uma bituca de cigarro ao chão. Despedi-me do lixeiro e voltei uma esquina, a bituca estava lá, pude ver minha vergonha de longe, ainda soltava fumaça a menos de dois metros da lixeira; a recolhi e atirei-a no lugar certo. Sei que devo jogar o lixo no lixo, ele é responsável por grande parte da poluição do mundo, é ninho de doenças e epidemias, contudo pode ser reaproveitado e gerar renda, sei que se eu não jogar algo no lixo o homem que vejo quase todos os dias e que sorri ao me cumprimentar vai ser obrigado a fazê-lo.
Depois dessa minha retomada de consciência, no final de semana seguinte, me dei ao prazer de pegar os saquinhos de lanches que eu e meus colegas deixamos nas escadas da praça e joga-los na lixeira, um deles disse em tom de deboche: “_Vixe, olha o Léo cara! Olha que gracinha dele, todo de preto, barbudo, cabeludo, diz que é do rock´n´roll e ta ai pagando de certinho limpando a praça.”, depois de algumas risadas ele continuou: “_Larga isso ai cara, você vai tira o emprego dos lixeiros, nós já pagamos os malucos pra isso, larga de se bobo!”, os comentários foram tão insignificantes que não mereceram retórica verbal, comecei então a catar todos os saquinhos de lanche que estavam por perto, acredito que atitudes valham mais que sermões ou argumentos. No dia seguinte, por uma incrível coincidência, vi o colega que debochou depositando seu saquinho de lanche no lixo...
As atitudes falam por si, até os zombeteiros sabem que a ignorância não tem fundamento. Eles até podem, a princípio, defender seu ego com dizeres mal pensados, entretanto no fundo sabem que jogar lixo no lixo é uma atitude rock´n´roll, sabem que produzir lixo e sujeira não vai garantir o emprego de ninguém.
Portanto, se almejamos viver em sociedade e em harmonia com nosso planeta, devemos ter atitudes, não adianta ficarmos só falando, cobrando, criticando ou escrevendo, tudo isso não vale de nada sem as atitudes.
Quando comecei a redigir este texto pretendia criticar a falta de políticas públicas para a coleta seletiva do lixo em Areado, o que não deixo de fazer agora, porém com menos ênfase. Minha intenção primeira era cobrar do governo municipal, estadual e federal, mas isso foi antes de me pegar sujando a rua que meu amigo teria que varrer. Assim pude enxergar o quanto é fácil criticar governos e governantes, percebi que mais difícil é sustentar atitudes individuais em prol o coletivo, pois só assim poderia exigir algo. Antes de cobrar especificamente de nossos vereadores e prefeito um programa para a coleta seletiva de lixo em Areado precisei me cobrar: “Jogue o lixo no lixo, não seja hipócrita cara!”.
Artigo publicado pela Folha Areadense página 4 na coluna “A mosca da sopa” - edição nº. 284