SER GAY É UMA PARADA

SER GAY É UMA PARADA

Minha cidade amanheceu maior. Talvez poucos se dêem conta disto, mais amanheceu sim. Talvez a grande maioria desdenhe disto, mas amanheceu sim. Talvez a própria imprensa não tenha prestigiado como deve, mas a minha cidade hoje, segunda-feira, amanheceu sim, maior!

Uma cidade fica maior, não porque ergueu novos arranha-céus, nem porque o IBGE mostra o resultado do novo censo em que foram registradas milhões de pessoas a mais, tampouco porque indústrias novas, shoppings, estradas, etc., foram criados.

Uma cidade cresce, no meu entender, quando as relações são saudáveis; quando há um sistema educacional dando respostas positivas; quando a saúde da população é cuidada dignamente pelo poder público. Quando há segurança, saneamento ambiental, dentre outros. Mas uma cidade cresce verdadeiramente, quando há qualidade de vida; quando as relações sociais são respeitosas, quando as pessoas têm liberdade para serem elas de forma INTEGRAL - dizendo o que pensam, fazendo o que gostam e sendo como são, na direção direta do respeito aos limites de cada um.

A parada deste ano foi na principal avenida do Recife, a Boa Viagem - seu cartão postal e uma das mais badaladas praias do Nordeste. Evidente que, se comparada com a de SAMPA, nossa parada perde em glamour e em luxo, até mesmo em organização. Mas o mérito é igual, diante da atual situação de homofobia que coloca o Recife em primeiro lugar no país e do preconceito ostensivo ou velado que a gente sabe existir. O falso moralismo no que concerne aos Gays e Lésbicas está distante de alcançar níveis tolerados, mesmo considerando que muita coisa mudou e que já se encontra segmentos sociais e pessoas mais tolerantes.

Esse evento que já se coloca no calendário turístico das maiores capitais brasileiras tenta reunir, de fato, os "diversos", os diferentes, os discriminados por raça, sexo, cor, credo, etc., a despeito de poucos negros, deficientes, e outras minorias, presentes ao encontro. Fica claro que o segmento maior visibilidade são os Gays, pois contraditório ao preconceito é o provável conceito de que eles são ricos, bem de vida, têm dinheiro pra viajar, são cultos, inteligentes, não necessariamente na mesma ordem... Só são Gays! Nesses eventos, o turismo fatura alto, mesmo com o preconceito da maioria da rede hoteleira que, pra faturar, "Gay é cultura", mas pro dia-a-dia, sepultura. Soube de um buchico sobre um banheiro que seria instalado pela prefeitura do Recife nas imediações de um ponto de encontro GLS em Boa Viagem, foi suspenso a pedido dos hotéis. Alega-se, segundo ouvimos, que o aludido banheiro aumentaria ainda mais a concentração da categoria naquela região de muitos hotéis. Como não podemos provar, resta-nos acreditar que foi mesmo um buchico, até porque a nossa prefeitura foi uma das primeiras do Brasil a instituir a pensão a companheiros de servidores Gays com união estável.

A passeata aconteceu e deu seu recado. Muita gente simpática ao movimento foi e levou familiar. Da janela dos edifícios muita gente tirava foto, ignorando, provavelmente, que dentro das suas casas possa haver algum diferente, mesmo Gay ou Lésbica. Dá-nos a impressão de que ainda se age na lógica de que "só acontece na família dos outros". Mas o bordão de humor de um personagem de Jô Soares lembrava muito bem esses aspectos quando dizia: "tem pai que é cego". Se quisermos ser mais popularescos: "macaco não olha pro rabo!"

Conceitos a parte, a realidade não pode mais ser tratada como lixo que se joga embaixo do tapete. As minorias estão mais conscientes do seu papel de cidadania e estão fazendo valer, embora timidamente, alguns direitos conseguidos a duras penas nos três níveis de governo.

Um evento dessa magnitude psicossocial, leva a questionamentos, independente de nossas vontades, sobre aspectos como casamentos, papéis sociais e sexuais, homofobia, homossexualismo ( ismo=doença ), assédio, relação família x GL, homossexualidade e religião, mercado de trabalho das minorias, etc..

Concluímos na certeza de que muito caminho há que se percorrer. Mas a CONSCIÊNCIA CRÍTICA das minorias, dos diferentes, dos LGBT, é maior que qualquer passeata, qualquer movimento mesmo com essa significação. A inteligência tem que ser a grande aliada de todos para que se conquistem lugares em pé de igualdade. Neste sentido, jogo uma semente de controvérsia sobre um sentimento psicanalítico que imagino exista na grande maioria dos homófobos ( os mais violentos e os mais contidos ): pra quem gosta de mulher ( e mulher é maravilhoso ) quanto mais Gays houver mais mulher sobra pra eles. Perguntamos: por que tanta raiva, tanta maldade, tanta perseguição, se vocês não são concorrentes? Freud talvez nem explique, mas sabe-se que a sociedade machista estabelecida durante séculos, não iria, mesmo hoje, se comportar civilizadamente com os diferentes.

Resta-nos o comprazimento de que um dia as pessoas descobrirão que a felicidade é o fundamento maior da nossa existência. Como dizem na canção de Roberto Carlos, "flores diferentes vivem juntas", os homens não! Mas tudo acontecerá como processo, haja vista a própria igreja católica que, em nome de Deus, matou milhares na "Santa Inquisição", hoje pede perdão pelos seus "pecados", ignorando sua grande culpa na segregação de minorias negras, pobres, homossexuais, escravas, etc., e hoje abandonam seus padres portadores de HIV. Como se não bastasse, tentam tapar o sol com a peneira nos constantes episódios de pedofilia no mundo inteiro.

Essa parada é mesmo uma parada. Por isto eu paro. Exorto a canção de Gil "Toda forma de amar vale a pena"; ou de Cazuza: "O nosso amor a gente inventa pra se distrair"... "Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria, que o mundo inteiro tudo me daria, do que eu quisesse ter. Qual nada, minha porção mulher que até então se resguardara é a melhor porção que trago em mim agora, é o que me faz viver"...

CARLOS SENA, DOS ARRE (DORES) DE BOA VIAGEM, NO RECIFE-PE