Adão e Eva: Mito ou realidade?
ADÃO E EVA: MITO OU REALIDADE?
Quando fizemos catequese (e isso foi há muito tempo atrás) ouvimos falar da humanidade começando através de um casal: Adão e Eva. Depois, um pouco mais esclarecidos, muitas vezes nos perguntamos como seria possível, geneticamente falando, a procriação das gerações a partir da união incestuosa dos filhos daquela “proto-família”.
Embutido num contexto maior inegável que é a criação divina, cuja mecânica teremos oportunidade de tecer considerações mais adiante, o aparecimento do homem sobre a terra tem criado perguntas, hipóteses e teses de muitos cientistas, antropólogos, teólogos, ateus, humanistas entre outros menos votados.
Hoje, dentro de uma análise científica gestada dentro da própria Igreja, pode-se identificar algumas correntes sobre a geração e continuidade da raça humana; ou melhor, das raças humanas.
No recente encontro que participei em Israel, agora em agosto de 2009, criação, evolução, seis dias, homem de barro, etc. foram temas recorrentes do evento, capazes de gerar agendas para debates, pesquisas e novos encontros da comissão de estudiosos, da qual tive a honra de participar.
Desponta, então a evidência de duas correntes chamadas de monogenismo e poligenismo. A teoria monogenista é aquela que aprendemos no catecismo, fruto de uma análise fundamentalista das Escrituras, em que as afirmações são levadas ao entendimento do pé da letra, sem o desconto da época em que foram escritas, das realidades humanas daquele tempo, dos meios literários e de imagens que possuíam os hagiógrafos.
Assim, por exemplo, temos o livro do Gênese rico em antropomorfismos, ou seja, de criações literárias adaptadas às formas humanas que o escritor sagrado conhecia.
Neste contexto, podemos notar a atuação de Deus como jardineiro, pedestre que passeava pelas alamedas do paraíso, oleiro, anestesista, cirurgião e alfaiate. È claro que Deus tem pode para fazer isto e muito mais, mas a escrita dessas atividades é que caracteriza o antropomorfismo, que dá formas, atitudes e ações humanas à práxis divina.
A teoria monogenista, então, é aquela que nos mostra o gênero humano descendente de um só berço (criação divina) e um só casal (Adão e Eva). O poligenismo (poli = muito, genés = geração) nos apresenta o homem criado de um só berço (criação divina, criado por Deus) mas a partir de muitos casais. Por quê católicos dignos de crédito afirmam assim? Os defensores desta teoria, (teólogos e institutos uma vez que adam, em hebraico, significa homem, substantivo, e não nome próprio.
Por conseguinte, quando o autor sagrado diz que Deus criou adam, está dizendo, criou o homem, e não um homem, individualmente. Que não se imagine duma criação em série, tipo “Admirável Mundo Novo” do Huxley, mas a criação do homem , sem mencionar o número de indivíduos (um, dois, três ou mais…) Em Gn 1,27 verificasse que o substantivo Adam não designa um indivíduo, mas a espécie humana criada por Deus e incumbida de crescer, multiplicar-se, encher a terra e dominá-la. O nome hawwa (Eva) também não é próprio, e significa, no hebraico, “mulher" ou "mãe de vivos” (Gn 3,20).
Esta teoria poligenista, bem mais racional do que a outra, em nada contraria, desmerece ou põe em cheque a nossa fé. É claro que os primeiros pais (dois ou dez ou cem) foram elevados à filiação divina (justiça original) e que, submetidos a uma prova, não conseguiram manter o estado de amizade com Deus. Também Caim e Abel são substantivos, e significam lavrador e pastor. A eliminação do segundo pelo primeiro, seria, segundo correntes mais progressistas (dignas de maiores cuidados) a tensão existente entre aquelas duas classes.
É, portanto, falso dizer que Adão e Eva não existiram, que são fábula ou mito, como querem alguns exegetas de última hora. Eles são tão reais quanto o gênero humano é real. Tudo fica no terreno das teorias; não há critérios científicos bem definidos para dirimir estas dúvidas que, embora de curiosidade especulativa, não são essenciais.
A ciência até hoje não tocou na estaca zero do homem. Como a criação do cosmos é bem remota do que 250.000 anos (possível datação do surgimento da humanidade), conclui-se que a “criação em seis dias” é uma metáfora dos autores judaicos, para dizer que tudo foi feito em um bloco, e não em etapas ou eras.
Uma vez, fazia eu uma pregação em um retiro de senhoras, quando abordei esse tema da Criação, não em seis dias, mas em vários milhões de anos, e uma senhora, no intervalo veio me dizer que eu havia criado sérias dúvidas à sua fé. Nesse assunto é salutar ver a essência mística (Deus criou) separada do fato acidental (tempo e lugar).
Dizem que o homem tem 250 milhões de anos. É possível. A Bíblia estabelece sua primeira cronologia após a Torre de Babel com Abraão, só entre 2000/1800 a.C. Estas teorias são desposadas pelos grandes biblistas contemporâneos. É sempre bom se estudar as Escrituras pelo ângulo místico, pelo científico e pelo social. Todos se completam. E não há nenhum mal para a fé.
o autor é um leigo, Biblista e Doutor em Teologia Moral
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