EDUCAÇÃO NO TRÂNSITO
Vivemos num dos maiores países do mundo! O terceiro em extensão territorial. É um país rico, detentor do maior ecossistema, destacando-se em todo o cenário mundial por suas matas, flora e fauna, além das riquezas minerais, que o classifica entre os de maiores economias do planeta. É a terceira maior democracia do mundo.
É um país sem guerras, sem vulcões, sem terremotos. Entretanto situa-se entre os de terceiro mundo. Apresenta um capitalismo selvagem, uma distribuição precária de renda e justiça, acentuando-se as desigualdades, onde 40 milhões de pessoas vivem em plena miséria, e o analfabetismo ganha índices consideráveis. É lamentável pensar que possuímos 38 milhões de menores infratores e marginalizados/infratores, que formam quase um terço da população brasileira.
Os nossos políticos não têm ou não querem ter uma visão real das condições existenciais do País, não endereçando ao ser humano importância maior; não se preocupando com o futuro da nação.
A esperteza, a corrupção, a impunidade, têm sido uma constante na vida brasileira, solidificando o comportamento aético, impulsionando os deslizes.
Viver nos dias atuais caracteriza-se grande façanha. Os escorchantes impostos, a perda da qualidade de vida, os salários minguados, fazem do brasileiro, apenas um sobrevivente.
Tudo isso é o retrato da violência que baila em todas as paragens sob as mais diversas modalidades: poluitiva, acústica, visual, ambiental, sexual, física, psicológica, de trânsito etc.
Tendo integrado os quadros da Policia Civil e militado nos mais variados campos de atuação, defrontando-me com marginais dos mais grosseiros aos mais refinados, sempre me assustei com a criminalidade crescente e me preocupo com o futuro do País.
Entretanto, não só os estereotipados assaltantes, os pretensos criminosos natos _ como queria Lombroso _ que ganham o enfoque da mídia, são os campeões da criminalidade. Embora envolto em roupagem diferente, o TRÂNSITO ganha o troféu, sobe ao pódio, sagra-se campeão, matando e fabricando deficientes físicos. Quantas trajetórias truncadas, famílias infelicitadas, filhos órfãos... Quantas vidas vegetam sobre o leito até a hora derradeira!
E a cada dia, cruzes se erguem em novas sepulturas, avolumando-se, também, o contingente dos mutilados e os problemas sociais do País.
Não obstante as muitas campanhas educativas do trânsito, sinto-me compelida a emprestar minha cota-participação na busca de maior entendimento, maior conscientização, tanto dos condutores dessa arma assassina chamada veículo, quanto dos seus usuários e pedestres que por ela passam, formando o tráfego das metrópoles.
As estatísticas apontam crescentes índices de atropelamentos, colisões, abalroamentos e choques com objetos fixos (árvores, postes etc.), resultando muitas vítimas fatais e ou de lesões corporais gravíssimas, com sequelas irreversíveis.
A falta de respeito às normas de tráfego, distribuídas por todas as malhas viárias, é a responsável pela ocorrência dos muitos acidentes.
Nem mesmo o slogan: “Perca um minuto da vida, mas não perca a vida num minuto” é capaz de levar ao grande contingente armado a consciência de que a sua arma (o carro) é, por demais, perigosa e sem complacência pode, também, matá-lo.
O brasileiro, geralmente, quer auferir vantagem em tudo. É um marco do seu estilo de vida. Especificamente no tráfego, se não tem guarda, avança o sinal, entra na contramão, faz conversões proibidas, exercitando à vontade a imprudência, cujo ônus chega, por vezes, a ser pago com a própria vida e a de outrem. Daí a sábia frase: “É preciso dirigir para si e para os outros”. É a chamada Direção Defensiva, tecnicamente falando.
Trafegar pelas ruas, motorizado ou não, significa uma astuta aventura. Quantos saem e não voltam mais! Quantos são apanhados, pela mira irreverente da arma assassina, nas calçadas e até nos recintos.
Sabemos que o Brasil ocupa o 1º lugar no mundo em acidentes: domésticos, do trabalho e, principalmente, de trânsito.
Tendo militado com esta última modalidade, tenho a dizer que o TRÂNSITO, tanto mata como causa deficiências permanentes mais do que todos os revólveres dos bandidos, todas as doenças e calamidades públicas juntos.
Atribuo como causa principal a falta de cultura popular sobre essa famigerada arma assassina. Se todos a entendessem como tal, acredito que o ser humano seria mais preservado em sua integridade física, evitando vidas de tantas batalhas sob o jugo de deficiências irreversíveis, ou a dolorosa partida prematura de entes queridos, deixando outros à mercê da própria sorte, abojando os problemas sociais.
O crime do automóvel, como diz Arthur Golgan, geralmente é culpável, mas pode ser revestido de certa previsibilidade. Grande parte deles ocorre por irresponsabilidade dos pais, que permitem a direção a filhos menores, franqueando-lhes o próprio veículo. (Alguém me disse recente: _ na casa do meu amigo, fez 14 anos ganha carro).
Estarrece-me ver e sentir que o crime do automóvel está sendo cumpliciado de pai para filho de menoridade. Faltam consciência, valores éticos, probidade, e sequer as normas de conduta axiológica são repassadas aos próprios filhos, que, à direção do veículo brincam com vidas, sentimentos, encarando cada pedestre como uma baliza para o aprendizado; em cada veículo, um escudo para pancadas, deixando marcas sangrentas pelas rodovias, ruas, vielas e praças, fulcrados, sempre, no desrespeito às normas de tráfego, placas, dísticos e semáforos. E ainda, sob a guarda corajosa do pátrio poder!
As leis existem para serem respeitadas. Afinal, somos uma nação organizada, tutelada. Até as normas consuetudinárias, dentro da relação familiar, devem merecer o mesmo respeito. Por isso, os pais jamais podem abdicar da missão educadora, respaldando-se sempre no exemplo, com a execução e a mostra do que é certo, pois as palavras comovem e passam, enquanto os exemplos se arrastam, permanecem, erigindo ou destruindo.
É elevado o número de investigações por homicídios e lesões corporais graves que culminam com a identificação de condutores de menoridade, muitas vezes embriagados, drogados que, irresponsavelmente empunham a arma assassina, exibindo-se nos tão falados cavalos-de-pau, rachas, onde a velocidade e as manobras mortíferas têm o preço de vidas tombadas ou martirizadas ao longo da existência, com cicatrizes eternas, que o tempo jamais apagará.
Quantos pais, para respaldarem os filhos menores, afirmam: _ ele é exímio motorista! Dirige desde os oito anos de idade! Outros, conscientes do erro, chegam a usar inverdades, e até substituir, durante as investigações, o menor condutor por outro adulto e habilitado para conduzir veículos, simplesmente para safar-se da suspensão de sua CNH, sedimentando-se aí os exemplos de desonestidade e corrupção que nortearão o filho pela vida afora. É a marca da esperteza que deixa as suas pegadas no porvir, como herança malfadada.
É a falta de hombridade para aceitar o peso da culpa, indiferente a vida ceifada ou lesão causada, enquanto que era bem melhor prevenir e respeitar o que a lei determina, justamente para proteger.
Mesmo sendo o menor de dezoito anos inimputável criminalmente, a sanção não lhe escapa às amarras da sua própria consciência, traduzida por remorsos. E, além de assumir administrativa e criminalmente a responsabilidade pela entrega do veículo à pessoa não habilitada, o pai que assim o faz, pensando em ganhar crédito ou materializar carinho, está, indubitavelmente expondo o filho ao mundo das drogas, facilitando o ir-e-vir, as companhias, e fazendo do carro chamariz para os avarentos traficantes, redundando numa via crucias para toda a família, pois o menor, em sua transição de caráter, não tem ainda o discernimento total de suas atitudes.
A punição administrativa exercida pelos DETRANs, com base no art. 181, II, combinado com o art. 199, XIV, do Regimento do Código Nacional de Trânsito, consiste na suspensão da CNH, por período que oscilará entre um mês a um ano, considerando a gravidade da ocorrência.
A punição criminal é respaldada pelo art. 32 da Lei das Contravenções Penais, para quem entrega seu carro à pessoa não habilitada ou menor de idade.
Parte dos acidentes de trânsito é de responsabilidade dos governos federal, estadual e municipal pela falta de zelo e mesmo pela engenharia deficitária das malhas viárias e suas sinalizações.
A falta do uso do cinto de segurança e do capacete, bem como a condução de crianças no banco do passageiro, é agravante.
Outra causa que não poderia prescindir, é a irresponsabilidade de condutores embriagados, dopados, principalmente em final de festas.
Nos países mais evoluídos há agências de motoristas que, normalmente, são chamados para conduzirem o veículo e o dono que tenha ingerido bebida alcoólica. Sabe-se que dois copos de cerveja já influenciam no controle motor do indivíduo.
O machismo é, também, gerador de violência no trânsito, pois a prepotência, o preterimento do sexo feminino e o desrespeito ao ser humano levam a situações desastrosas, além das brincadeiras competitivas em via pública.
A benevolência da lei e a morosidade na aplicação da pena, também, contribuem para esse estado de coisas. Quantos acham que a conduta não caracteriza crime por se enquadrar em modalidade culposa! Quantos se assustam quando são chamados a responderem penalmente por homicídio praticado no trânsito! A resposta é sempre a mesma: _ não tive culpa! Foi acidente, por que vou ser processado? Não sou assaltante, nem assassino.
Tudo isso é o retrato fiel da ineficácia educativa, legada por ação ou omissão, nos lares, na comunidade e na esfera governamental, pois educar é transmitir o gosto pela vida; é descobrir os valores positivos e exteriorizá-los para uma vida feliz, fazendo feliz o próximo, pelo menos o mais próximo.
A Constituição de 1988 não trouxe nenhuma inovação no sentido de maior rigor para coibir a violência no trânsito. Os parlamentares não resguardaram nem a sim mesmos. E os acidentes alcançam proporções alarmantes a cada dia.
Quantas vidas são ceifadas! E quantas outras são condenadas a verdadeiros martírios: vegetando, arrastando-se em cadeiras de rodas, muletas, ou tateando em trevas pela perda traumatológica dos olhos em sinistros de trânsito! É um verdadeiro colapso na trajetória da vida humana.
Conhecedora e militante de muitas batalhas chego a emocionar-me, a ponto de ir às lágrimas, diante das muitas vítimas do automóvel que, irremediavelmente, têm que empunhar a bandeira da luta ou carregarem o peso do cadáver.
É preciso, com urgência, que resgatemos a nossa identidade, pois vivenciamos uma sociedade rica de meios, mas pobre de vida. O ser humano está perdido dentro de si mesmo. É preciso doar-se! E o homem moderno, nessa desvairada corrida pelo TER, não aprendeu a viver, a amar transcendentemente, pelo menos os que o cercam. Ele não sabe viver a experiência de ser ferido. É por isso que presenciamos uma avalanche de loucos no trânsito, a exigir respeito às suas barbaridades e transgressões, blasfemando palavrões e fazendo gestos obscenos, como se todos estivessem a seus pés.
Não devemos responder a tais impropérios! É bom que sejamos diferentes! Isso nos devolve o real sentido de dignidade, além de estarmos plantando uma fagulha de amor, que, por certo, multiplicar-se-á, justificando nossa passagem pela vida.
Para finalizar, gostaria de dizer que errados princípios, dificultosos fins. Assim, é necessário que se tire do papel e passe para a prática, inserindo-se como matéria letiva, a EDUCAÇÃO DE TRÂNSITO.
É necessário, também, o aumento das penas pecuniárias e privativas da liberdade, dando-se publicidade, para servir de mecanismo inibidor das responsabilidades no tráfego, pois todo acidente é o resultado, não só de um ato inseguro, mas de um somatório de outros fatores.
Ao possuidor da arma assassina, tenho a dizer o seguinte: ame-se em primeiro lugar! Respeite a sua vida e a do seu próximo! Seja honesto consigo, respeitando a sinalização, as normas de trânsito, mesmo sem a presença do guarda. Cuide do seu carro, pois ele poderá ser a arma que matará você!
Genaura Tormin - escritora, autora dos livros Pássaro Sem Asas, Apenas uma Flor, Nesgas de Saudade e Borboleteando. É ex Delegada de Polícia da Delegacia de Crimes de Acidentes de Trânsito.
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