Analise O Espelho
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo a analise literária do conto “O Espelho” de Machado de Assis: objetivando a compreensão da construção do duplo ou da alteridade, ou seja, como se dá,em conformidade a narrativa do conto, construção e desconstrução do duplo eu, através dos planos narrativos. Como a narrativa está construída. As alternâncias entre objetividade e subjetividade; entre o concreto e o abstrato, entre tempo cronológico e psicológico, entre narrador em terceira e primeira pessoa. Entre os espaços em que se organizam as cenas enunciativas. O procedimento utilizado no processo de compreensão textual é a leitura analítico-descritivo. Analisamos e descrevemos, conforme teorias da análise literária. No conto, a representação do espelho associa-se ao funcionamento dum jogo de dualidade como representação do eu/outro. O reflexo imprime na imagem refletida o eu. Este se torna o outro que olha para o eu. A pesquisa através da leitura analítico-descritiva, por hora, permite-nos inferir do conto de Machado de Assis, escrito no período literário do Realismo, em meados do século XIX, continua a refletir sobre a sociedade contemporânea, entre outras, a falar da realidade social e dos principais problemas e conflitos do ser humano. Como características que não fogem a realidade do poema e alude o realismo, podemos citar: visão irônica da realidade; critica social, personagens inspirados na realidade, uso de cenas do cotidiano, valorização de personagens inspirados na realidade, entre outros. O conto, remonta uma experimentação formal, obra prima machadiana, aprofunda à analise psicológica numa atmosfera pessimista e desiludida que marca a segunda fase de sua obra. A exposição de questões de natureza filosófica distingue de forma clara, alteridade e identidade, e sua inter-relação. A vida se assume como representação ou o mundo como circo teatro. Existindo no ser uma dimensão incomunicável, a alienação; a vida social condicionando o comportamento, em que a essência de liberdade do individuo é uma imposição e a ascensão social assume forma de mascaramento. Claramente fica uma questão quanto aos limites entre o “si mesmo” e o “outro”. Não se tem a pretensão de concluir Machado de Assis. A conclusão parcial da pesquisa revela concretamente a existência dum texto que narra à duplicidade e ambigüidade da alma humana, contudo, a inconclusão revela que nada está acabado na saga humana.
Palavras-Chaves: Espelho – Máscara – Ambigüidade
O conto desenvolve-se no final do século XIX, no espaço físico de Santa Tereza, bairro de classe média do Rio de Janeiro onde, à época, residiam muitos dos funcionários públicos da cidade. O clima etéreo da casa “cuja luz fundia-se misteriosamente com a lua que vinha de fora”, revela um aspecto típico e fantástico do que será brevemente assumido na historia do alferes. Ao se apresentar através do recurso da ironia, inicialmente narrado em terceira pessoa, o conto parece ser segundo Alfredo Bosi, “uma especulação nada séria sobre a fragilidade das idéias sustentadas pelo materialismo científico da época. Essa ironia marcaria uma forma de desmascaramento da sociedade.” Também; numa mescla de ironia, que aparece num dado trecho em que se diz que os cavalheiros resolviam os mais árduos problemas do universo. Talvez a hierarquia e sabedoria corroborassem para que se mantivessem amigáveis. “Com suas agitações...; estavam nossos quatro ou cinco investigadores”...; O “quatro ou cinco” caracteriza incerteza, em que de inicio, podemos perceber certa hesitação do autor em quantificar os personagens. Ao fazê-lo, esta analise é própria e particular, os iguala, porém, destaca um especialmente. Ao destacar, demonstra as múltiplas faces do ser. Evidenciando uma que apraz e dá prazer ao ser assumida. Ao avançarmos, a narrativa irá nos revelar aspectos singulares dum personagem, narrando em primeira pessoa a fantástica historia de seu Alferes. A conjunção “ou” segundo BOSI, é o signo indicador do duplo sentido exposto pelo autor. O quinto elemento que deveria estabilizar os anteriores, como conciliador, surge como individuo protagonista retendo em si as qualidades descritas como capitalista inteligente e provinciano. A característica que detém de não discutir justifica-se por princípios próprios. Entretanto, mostra-se alguém que se coloca acima dos outros. Uma vez que a discussão é “bestial”, para ele, comparando-se aos Serafins e Querubins, que não se controvertiam sendo a perfeição. Portanto, um mediador. Assim como os “serafins e os querubins”, os quais ele toma como exemplo para justificar o seu espírito avesso à controvérsia. O diálogo mostra uma conversa dentre “cavalheiros” que a principio demonstra racionalidade. O personagem descrito como Casmurro monopoliza a conversa, estando já, na discussão sobre a alma. Todos tinham uma opinião diferente. Pedem a opinião, o qual enfatiza, fará um discurso performista e impõe aos outros que fiquem calados. Ao iniciar sua afirmação sobre a existência de duas almas, e não uma só; há evidencias de que ele, de forma sutil, desmistifica a eclesiástica unicidade da alma. Para que seu discurso se faça, o personagem é claro e contundente afirmando não admitir réplicas e ameaça deixar o local caso isso aconteça. Afirma dessa forma, a condição de mutabilidade frente uma situação de contrariedade. Ao comparar o homem na metáfora da laranja, metafisicamente falando, metáfora intrigante, de conteúdo e forma, em que a soma das partes compõem o todo, cria-se a dualidade e um conceito de divisão/duplicação. Teoria defendida por Alfredo Bosi. A perda de uma das metades (almas) implica na perda de metade da existência e em alguns casos, a da existência inteira, explica citando o caso do judeu que perdeu seus ducados e sente-se morto devido a isso. A alma exterior; não é sempre a mesma e, que não se refere a almas como de Camões, César e Cromwell que ele chama de exclusivas. Estas, distantes das vicissitudes, possivelmente fidedignas a objetivos próprios não estariam sujeitas as incongruências. Quando cita a senhora cuja alma exterior se volatiza ao sabor de cada estação e diz ser o nome Legião, dessa senhora, e parenta do demônio, parece referir-se aos seres que vendem a alma ao diabo. Como se vendessem à interior e vivessem das mutações da exterior. Haja vista, que a outra já não mais lhes pertence. Após o exórdio, se perguntam: qual a relação entre as partes do todo? Das mais complexas, como se verá. De imediato; ficaremos sabendo que, Jacobina ao deixar de ser somente jacobina, incorpora em si a condição de homem, razão pela qual, não deixa de prestar deferência à condição humana. Desta feita, procura atrelar sua filosofia da alma a essa relatividade que faz de cada um ele próprio e sua circunstância. Assim, ficamos sabendo: a alma exterior recolhe múltiplas formas, conforme a marcha do tempo e as influências do meio. Desta feita, a origem, tipo de formação, boa ou má sorte, enfim, essas vicissitudes todas que nos vão definindo, ao andar da carruagem. Doutamente esclarece: prometo um episódio ocorrido nos meus vinte e cinco anos. A atenção na sala é para as suas palavras e olhares parecem fita-lo como se naquele momento fosse ele o senhor de toda a sabedoria. Inicia a narrativa admitindo que fosse pobre à época e fora nomeado alferes da guarda nacional. Descreve o sentimento de fatuidade da família e o despeito dos que almejavam o cargo de forma peculiar, o que nos faz compreender o ranger de dentes. O título à que fizera jus é mostrado de maneira sarcástica. Na medida em que todos querem demonstrar sua satisfação, até mesmo a tia que o mantém no sítio, o abraça e exalta de forma exagerada, provando desta forma o valor que o ser humano dá ao “externo”. Este, reforçado com a atitude de todos que o chamam de “O alferes”. Consolidando-se em Jacobina a imagem do Alferes, esta, vai sendo incorporada e se acelera com sua estada no sítio. Bajulado por todos, passa a ser objeto das atenções e das altas distinções e honrarias, sofrendo influência avassaladora. Marcada como símbolo da corrupção bem intencionada, tia Marcolina não perde oportunidade para lembrar ao sobrinho o quanto, de agora em diante, ele é alferes: “Senhor Alferes” deixado de ser o Joãozinho para eles, mostra aqui o valor de uma aparência. O título. Ao transferir o espelho para o quarto, lugar único e intimo, mesmo sendo velha, a peça pode ser vista como rica. Aqui, aludimos representar a presença do mundo. De forma emblemática, também é uma ponte; do próprio eu, refletindo o eu e o mundo.
Como podemos observar; o valor desse objeto, chave na definição do destino de Jacobina, não se fez esperar adrede sua transformação. No momento em que relata sua transformação, dizendo que o alferes eliminou o homem, depreende-se que a alma exterior, que antes valorizava as coisas simples; como “o olhar da moça”, passaria agora a expressão única do que se reveste apenas de valor material. A materialidade incorpora-se no ser, impregnando e dispersando sua outra metade. “O alferes eliminou o homem”. O confronto das partes defronta-se em sua subjetividade. A saída da tia e a fuga dos escravos demonstram o momento em que estando a sós, o individuo confronta suas partes numa angustia única e própria. Jacobina, conflitado com sua solidão e os angustiados dias; pela repentina perda de sua alma exterior, uma vez que a interior se tornou dependente daquela. Tornara-se para ele mimos e elogios, motivo de grande importância. Pois agora, vivia do externo. Permaneceu no sítio sem olhar-se no espelho, inconsciente. Suspeitava encontrar dois; quando decidiu olhar, espantou-se ao ver a imagem. Aos poucos, o espaço de Jacobina se reduzira. A dona do sítio, os criados e amigos, todos o abandonaram. Isolado de todos e de gente no sítio de tia Marcolina, instaura-se na intimidade do ser um imenso vazio. O sítio deserto compara-se a um sinal transcendental da vida em sociedade; posta agora entre parêntesis, o que mergulha Jacobina no caos psíquico e espiritual. O alvoroço cessara. O coro de vozes que lhe enfraquecia o espírito e simulava um sentimento de identificação com o enfático “alferes!” “alferes!”, “alferes!”, não mais se faz. A ausência é então introduzida pelo mais brutal e avassaladora solidão. Como num espectro difuso, não conseguia a imagem ver com nitidez. Sugeria-se a interior miscigenada à exterior. Decide vestir a farda de alferes. Naquela imagem, algo o incomodava. Enquanto vestia-se, olhava ao espelho; via sempre uma sombra, algo indefinido. Ao terminar, olha novamente; vê no espelho, que reflete o seu eu exterior inteiramente sentindo-se como se desabrochasse de um sono. Ao narrar suas sensações, olhando-se no espelho, demonstra o quanto a alma exterior o preenchia. Por fim, “O homem da sociedade está todo inteiro na sua máscara. “Não estando quase nunca em si mesmo, quando está se acha estranha e mal à vontade. O que é; não é nada, o que parece, é tudo para ele”. (Emílio, IV trad. de Sérgio Milliet, Difel.) Atravessara assim mais seis dias de solidão sem os sentir, vivendo esses dias da sua alma exterior. Exprime-se aí a mascaração, ambiguidade e fragilidade do ser humano.Ao terminar com a retirada fortuita de Jacobina, sem aguardar indagações, reforça-se a idéia que o ser humano está aqui como algo inacabado e que vive envolto de bruma aparência e sentidos. Por fim, Joãozinho, vamos ao Alferes, e, por fim ao Jacobina, esta figura central , “provinciano, capitalista, inteligente, não sem instrução, e, ao que parece, astuto e cáustico.”
Num discurso categórico sobre a natureza da alma, para alumiar-nos, apresenta-nos coisas fantásticas acerca da própria essência que recolhe de experiências da juventude. A máscara é a expressão das transferências, das metamorfoses, das violações de fronteiras naturais, da ridicularização, dos apelidos... (Bakhtin, 1996, p. 35) uma fantástica historia que demonstra a forma irônica com que o autor representa a classe burguesa brasileira e sua formação. O que mais vale não se sabe. O que menos importa é o que mais se tem valor.