Analise

A N. SENHOR JESUS CRISTO

COM ATOS DE ARREPENDIDO E SUSPIROS DE AMOR

Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade,

É verdade, meu Deus, que hei delinqüido,

Delinqüido vos tenho e ofendido,

Ofendido vos tem minha maldade.

Maldade, que encaminha à vaidade,

Vaidade, que todo me há vencido;

Vencido quero ver-me e arrependido,

Arrependido a tanta enormidade.

Arrependido estou de coração,

De coração vos busco, dai-me os braços,

Abraços, que me rendem vossa luz.

Luz, que claro me mostra a salvação,

A salvação pretendo em tais abraços,

Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus.

Introdução

Antes de analisarmos o poema proposto, preliminarmente abordaremos alguns princípios e a realidade do movimento Barroco, assim como, algumas características do nosso poeta. Inicialmente ressaltaremos a proposta do termo “Barroco”, a qual advém da palavra portuguesa homônima, que quer dizer "pérola imperfeita", rapidamente introduzida e aceita nas línguas francesa e italiana. (Barroco, 2008) O Barroco teve sua origem no final do século XVI, durante até o final do século XVII, sendo o movimento que sucedeu o Renascimento, propagou-se por todas as manifestações culturais e artísticas européias e latino-americanas. Como todo movimento literário, o barroco teve particularidades que evidentemente o identificou em seus primeiros momentos. O maneirismo, e em seu ultimo momento o rococó. Este, considerado um barroco exagerado e exuberante. As dualidades; material e espiritual, celestial e terreno, racionalidade e emotividade, são alguns traço do estilo barroco. Essas características refletirão o conflito de idéias do progresso científico, de um lado, e a reação contra-reformista da Igreja Católica, de outro. Assim, atestamos à clara idéia de que a literatura barroca é fruto do conflito característico de sua época. Estes fatos, num contexto próprio, produzirão uma desordem considerável no pensamento da sociedade da época. A marca inquestionável do barroco vai se situar no conflito, dualidade, oposição de valores e imagens. Nossa celebridade, Gregório de Matos, notabilizar-se-á pela poesia satírica e pelo retrato impiedoso e lírico de sua Bahia natal.

Numa carreira literária descontínua e de difícil reconstituição cronológica, Gregório de Matos militou por todos os setores da poesia: na sátira, na lírica profana e religiosa, na encomiástica, explorando também todos os recantos da versificação. Foi, sem dúvida, o primeiro prelo e o primeiro jornal que circulou na Colônia. Ao que parece, o lirismo do poeta, sobretudo o amoroso, foi precedido por uma intensa atividade satírica; a certa altura as duas formas correram paralelamente, até que, como ponto de chegada, um período de fé e de reflexão lhe abonançou a impetuosidade venenosa e o gênio picaresco. (Spina, 1986: 114-115).

Sua descendência falida, parte da vida será dedicada à religiosidade, a qual abandonará mais tarde. Sua obra pode ser dividida em três “fases” religiosa, lírica e satírica. Sua linguagem ferina tomou seu lugar dentre escritores de maior prestigio do Brasil. Para destacar algumas das características do nosso poeta, observamos o que nos relata Douglas Tufano: “A própria produção poética de Gregório de Matos – lírica, religiosa, satírica – já nos mostra a alma barroca desse poeta.” Em todos os recursos de que lhe era próprio, de todos fez uso; na seriedade da condição humana, debochou e satirizou a sociedade da época. Numa linguagem bem elaborada, traduziu sua angustia metafísica e religiosa; sutil, expressou seus sentimentos amorosos de forma objetiva e popular nas sátiras. Nele, mais do que nos outros setores de sua poesia, é na poética religiosa que o poeta se encontra face a face com os problemas da vida interior. É lógico que precisamos, antes de tudo, raciocinar num Gregório de Matos dentro dos quadros da cultura européia, para podermos perceber certos aspectos ideológicos ou temáticos com que sua obra definiu o homem da Pós-Renascença. (SPINA, 1986, p. 119) Nessa visão preliminar, do contexto de nosso poeta, iniciaremos a analise do poema proposto.

A N. SENHOR JESUS CRISTO

COM ATOS DE ARREPENDIDO E SUSPIROS DE AMOR

O objetivo é iniciar este estudo ilustrando um recurso muito comum do estilo Barroco: O uso de títulos longos. Com isso o leitor é remetido de imediato ao assunto do qual tratará o texto ou o poema. No titulo do poema proposto, A N. SENHOR JESUS CRISTO / COM ATOS DE ARREPENDIDO E SUSPIROS DE AMOR. De inicio, podemos observar o uso do particípio, que por definição, expressa ação plenamente concluída. Arrependido; está arrependido, porém seu arrependimento se estrutura em atos e suspiros que podem mais expressar atitude puramente material do que expressão dum sentido espiritual. Podemos depreender que atos serão cometidos como prova de arrependimentos e, ao atingir o ápice dessa demonstração de arrependimento, a absolvição, momento únicos desse entrelaçamento, o humano e o celestial na eterna dialética da queda e da remissão do homem. O poema se apresenta numa suplica elíptica de esplendor encenatório. O poeta parece estar no dia do juízo, confessando de imediato a enormidade de seus pecados e delitos, enfatiza de forma direta, mostrando-se arrependido “de coração”, a fim de obter a “salvação” segundo a processualística católica. Numa artimanha verbal, em que a composição estilística se apropria da retórica barroca; a dinâmica do poema mostra movimento circular, cada passo verbal se articula com o próximo, assim como a última palavra do verso repete-se no início do seguinte. Nesse movimento de circularidade proposto no poema, observamos uma suplica irrevogável. Nessa proposta elíptica em que o poema pode ser lido por todas as direções, não há como se desvencilhar, pois o pecado ofensivo, no plano material, próprio da condição humana, que se configura na vaidade e maldade, e por ser próprio dessa condição, não há como vencer. Por este motivo, no momento derradeiro, basta uma suplica de coração; evocando a piedade e a salvação, para que os braços lhes sejam estendidos e, numa relação de intimidade em que a luz do entendimento e compreensão, (tudo muito pratico e cômodo) ofendi peço perdão.Caso venha a sucumbir, é fruto da condição humana e, no meu ato de arrependimento mostrar-se-á santo, compreendera minha fraqueza, uma vês exposto a luz do entendimento, a suplica de misericórdia, apelo notório e prático dos desvalidos, o conduzirá a salvação e remissão do pecado.Como todo pai em seu ato de ser superior, apazigua em seus abraços o confesso infrator, o qual, num momento de profundo prazer e êxtase se funde ao corpo do ser supremo sussurrando seu amor inconteste. Humano e divino. Do divino abraçado ao humano. Fim e começo de um e de outro. Numa artimanha literária a remissão sempre virá com o arrependimento. A relação enunciada como referencia ao prazer, o gozo, o êxtase de vivenciar a remissão, situa o ser numa relação que transcende sua própria subjetividade. O pressuposto do que é autêntico intangível, que transcende o que se pode articular, esta além do poder de delimitação do sujeito. O que justifica o emprego das formas estético metafóricas para se comunicar o que é impossível de ser dito. A literatura barroca evidencia-se por aquilo que é impossível de ser simbolizado. O texto é uma lacuna, se serve à função de desvendar algo. Aponta para a relação do sujeito a um “mais – além” do campo da representação simbólica. A extrapolação da subjetividade metafórica exacerba o universo arbitrário que vivemos. Ele sugere e excita. Articula palavras que possibilitarão a comunicação de uma realidade aparentemente impossível de se retratar. Produzindo efeitos textuais de fascinação e enigma, de forma a depreender sua subjetividade. A não existência de limites claros para as representações estão irrevogavelmente ligadas à capacidade inesgotável do inconsciente não se esgotar. Uma vez que a arte barroca extrapola o racional; é notório que, alheio à subjetividade, revele dimensões de gozo que está demais além do sujeito. Mesmo que possa parecer contraditório, iremos apreender nas obras que a exposição física alude à obscenidade. A essa notória constatação, o corpo; exibido de modo particular, de forma a revelar a alma, anseios e medos do sujeito que em ultima analise, sua verdade está além de seu modo particular de subjetivação. Como conclusão do exposto, constatamos que ao se utilizar de propostas contraditórias e conflituosas, em que podemos destacar a morte, as contradição da vida, o diferente numa dimensão de apreensões que são eternas, far-se-ão sempre presentes na vida das pessoas. O barroco sempre assumirá um caráter autônomo, na medida em que propõe uma abordagem muito própria da condição humana, quase que inventando forma de agir e de ser. Nessa conjuntura emocional em que se notabilizou; seu surgimento não é alheio a outros períodos da história, o que justifica sua incidência em maior ou menor grau nas diversas formas de expressões.

Roberto Ramón
Enviado por Roberto Ramón em 17/09/2009
Código do texto: T1815708
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