REDAÇÃO NO ENSINO MÉDIO: DIFICULDADES NA PRODUÇÃO DE CARTA ARGUMENTATIVA

Artigo publicado nos Anais Eletrônicos do VII Encontro sobre o Ensino de Língua e Literatura e III Congresso Nacional sobre o Ensino de Língua e Literatura, realizados nos dias 04 e 05 de setembro.

ISSN: 1981-8424

REDAÇÃO NO ENSINO MÉDIO: DIFICULDADES NA PRODUÇÃO DE CARTA ARGUMENTATIVA

Diogo Xavier – Faculdade Frassinetti do Recife

RESUMO:

Com este trabalho, buscamos identificar os principais problemas presentes nas cartas argumentativas de alunos concluintes do Ensino Médio de uma escola particular do Grande Recife e tomar conhecimento das principais causas para a existência de tais dificuldades, embasados, entre outros teóricos, em Mattos; Back (1977), Hoffmann (2002) e Barbosa (2004).

PALAVRAS-CHAVE: REDAÇÃO – CARTA ARGUMENTATIVA – EDUCAÇÃO – ENSINO MÉDIO

ABSTRACT:

At this project, we look for to identify the main mistakes present in the argue letters of students in the high school’s last year of a Grande Recife’s private school and take note of the main reasons to exist these difficulties, with the theoretical base of, among other theorists, Mattos; Back (1977), Hoffmann (2002) and Barbosa (2004).

KEYWORDS: COMPOSITION – ARGUE LETTER – EDUCATION – HIGH SCHOOL

INTRODUÇÃO

Consideramos indiscutível que a escrita, bem como a leitura, é uma atividade essencial para a execução de inúmeras tarefas no dia-a-dia, podendo o seu não-domínio acarretar certos transtornos. Na escola, o domínio da escrita é condição necessária para um rendimento mínimo satisfatório em todas as matérias. Além disso, para o ingresso em instituições de Ensino Superior, a prova de redação é fundamental para o vestibulando ser classificado no exame.

Ainda no âmbito dos estudos, a importância da escrita ultrapassa a Educação Básica e o vestibular. No Ensino Superior, a necessidade de se dominar tal prática se acentua, já que é exigida uma grande quantidade de produção textual formal e científica no decorrer de qualquer curso.

Na escola, não só o professor da área de Língua Portuguesa mas educadores de todas as disciplinas constatam os problemas apresentados pelos alunos para escrever de forma clara e coerente, respeitando as normas da gramática padrão. Isso se comprova ao vermos todo ano circularem na mídia “pérolas” apresentadas em redações do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e de candidatos a vestibulares por todo o país. Apesar de inadequada, pois visa ridicularizar os alunos, essa divulgação mostra o quanto precisamos refletir sobre a situação da prática de produção textual na escola.

Ao constatarmos que grande parte dos estudantes egressos do 2º grau possui dificuldades na produção de textos escritos, no que se diz respeito à coesão, à construção de períodos e à exposição e defesa de ideias, interessou-nos identificar os principais problemas enfrentados pelos alunos na prática da produção de textos.

Dentre os tantos gêneros com que se depara o aluno concluinte do Ensino Médio, destaca-se a carta argumentativa, recentemente adotada pela Covest para o vestibular das universidades federais em Pernambuco. Talvez pela recente ênfase dada a esse gênero por parte dos currículos do Ensino Médio e pré-vestibulares, essa modalidade de carta concentra um grande número de dificuldades com que se deparam os alunos em sua produção.

Dessa forma, este presente trabalho buscou investigar, através de pesquisa bibliográfica e de análise de produção textual de alunos do terceiro ano do Ensino Médio, as principais dificuldades apresentadas pelos estudantes na produção textual do gênero carta argumentativa, bem como fatores que provocam tais problemas.

Organizamos o trabalho em dois capítulos. No primeiro, traçamos um sucinto histórico do gênero carta, apresentamos uma reflexão do panorama atual da escrita na sociedade e explicitamos os parâmetros que usamos para avaliar o corpus coletado para a pesquisa. No capítulo subsequente, tratamos das dificuldades constatadas nos textos avaliados e listamos, embasados na bibliografia consultada, algumas possíveis causas para tais problemas. Logo após, apresentamos nossas considerações finais, seguidas das referências citadas e consultadas.

1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ATO DE ESCREVER

Sabemos que a língua escrita assume hoje o importante papel de transmitir e preservar informações e conhecimentos. Além disso, tornou-se um recurso muito apreciado para exprimir ideias e sentimentos. A esse respeito, Severino Antônio Barbosa diz: “Por isso falamos e escrevemos: para expressar a vida, para comunicar o vivido, com todas as marcas no corpo e na memória, assim como para projetar possibilidades, fecundar o presente, gestar o futuro.” (2004, p.9)

A linguagem escrita ganhou um prestígio tão grande na sociedade que, durante muito tempo, erroneamente, foi considerada a – única – forma “correta” de usar a língua em todas as situações, inclusive na fala. Sabemos atualmente que os usos da língua variam conforme o contexto. Assim sendo, a fala coloquial é tão válida quanto a escrita formal, desde que usada conforme a situação exige.

Mas o que entendemos por escrita? São diversos os conceitos que podemos encontrar, diferentes conforme a perspectiva adotada. Vanoye (1993) resume-a como sendo um sistema de representação da fala. Esse conceito ilustra bem a função do sistema fonético em sua origem. Porém, hoje, consideramos que a língua pode se manifestar na forma falada ou na forma escrita, sendo que nenhuma dessas manifestações é subordinada à outra, tampouco a segunda é pura representação da primeira, e vice-versa.

Convém observarmos que o ato de escrever não exerce tão somente a função de pôr palavras ou dados no papel, como em sua origem. A esse respeito, Barbosa, diz: “Quando escrevemos livremente estamos, então, esculpindo a nossa vivência, a nossa experiência humana na trajetória de luzes e sombras que vai nos desenvolvendo, nos vai comprometendo com tudo aquilo em que acreditamos.” [grifo nosso] (2004, p.11).

É importante frisar que o trecho citado fala em escrever livremente, ação que, apesar de ser de suma importância, não tem muito espaço na escola, perdendo lugar para uma escrita artificial e não-espontânea.

A prática da escrita se faz presente em muitos momentos no dia-a-dia de nossa sociedade. Assim uma boa qualidade de vida em sociedade depende, em grande parte, do domínio da escrita.

O estudante, em especial, tem um contato muito frequente com a leitura e a escrita, sendo que um aproveitamento apropriado das disciplinas depende de um bom domínio dessas duas práticas. Segundo Hoffmann, “É o conhecimento seguro da própria língua que permite ao estudante a apreensão e transmissão de conhecimentos, assim como a sua interação social” (2002, p. 09)

Apesar da importância aqui elucidada, o trabalho com a produção textual na escola não vem gerando bons “frutos”, o que é evidenciado nos resultados dos vestibulares em todo o país, nas queixas de professores das diversas disciplinas trabalhadas na escola, além de várias outras amostras do pouco domínio da escrita por parte dos alunos. Por isso, “cada vez mais educadores e sociedade preocupam-se com essa aprendizagem, crucial na formação pessoal e profissional dos estudantes.” (Hoffmann, idem, p. 11). Porém, apesar de haver essa preocupação e de existirem muitos diagnósticos sobre o ensino de redação no Brasil, pouco vem sendo feito para que essa realidade seja mudada.

A respeito da forma como é tratada a produção de texto em sala, Mattos afirma que:

[...] redigir é apenas pôr no papel as suas idéias e sentimentos. Não pode o professor entrar na sala e dizer: “escrevam hoje uma redação sobre a primavera, a chuva”. Os alunos não têm vontade de falar sobre tais assuntos, muito menos, vontade de escrever.(sic) (MATTOS; BACK, 1977, p.145).

Solicitando desde cedo textos que não fazem sentido ou não interessam ao aluno, o professor pode provocar um desestímulo que vai se arrastar durante toda a experiência escolar do discente, senão por toda a vida.

Visto a importância da prática da escrita aqui citada e a forma inadequada de abordá-la na escola, vamos aqui verificar se há, de fato, fracasso na produção de texto escrito de alunos do Ensino Médio, analisando, em cartas argumentativas, aspectos linguísticos e textuais em suas redações. Convém, contudo, traçar antes algumas considerações a respeito do gênero em estudo.

1.1. BREVE ESTUDO DO GÊNERO: A CARTA

A comunicação é uma necessidade humana que nos remete à pré-história. À medida que o homem foi se tornando sedentário e formando as sociedades, houve a necessidade de se comunicar à distância quando os grupos organizados controlavam um território maior. Depois, esses agrupamentos, que mais tarde se tornariam cidades, passaram a se comunicar entre si, seja para se associar ou para declarar guerra. Mensageiros cumpriam a função de levar a mensagem de um lugar para outro, transmitida oralmente.

Com o surgimento da escrita, esse tipo de mensagem passou a ser registrado graficamente e ao mensageiro cumpria a função de transportá-la. É difícil precisar a data ou época do surgimento desta modalidade de comunicação ou da sua evolução para o gênero carta, devido à escassez de estudos sobre o tema.

Podemos dizer seguramente que a carta esteve presente em grande parte da história da humanidade e ainda hoje é um dos mais importantes meios de transmissão de mensagens. Durante todo esse tempo, a forma de transporte foi diversa: a pé, a cavalo, a navio, pombo correio, bicicleta, carro, motocicleta, avião etc. Mesmo depois da invenção do telégrafo, em 1837, por Samuel Morse, a carta continuou “em alta” como forma de comunicação à distância.

Com o advento da internet, houve uma redução no envio de cartas, já que a rapidez e a praticidade do e-mail (correio eletrônico) é bem maior. Porém a carta continua ser utilizada e não há estimativa de que tão cedo deixe de existir ou se torne obsoleta.

Podemos identificar algumas variedades mais importantes desse gênero: carta pessoal, carta formal, e carta argumentativa. O que diferencia a pessoal da formal é o nível de intimidade entre o remetente e o destinatário, o que determinará o nível da linguagem utilizada. A carta argumentativa, também dependendo de quem seja o destinatário, pode ser formal ou informal.

Segundo Sarmento, carta argumentativa “é aquela que apresenta uma reclamação e/ou solicitação, justificando-a com argumentos, sua intenção é persuadir o destinatário a tomar determinada atitude, a fim de solucionar problemas” (2006, p.245). Infelizmente, a carta argumentativa não é um gênero de domínio popular, mas julgamos que deveria ser, pois um dos direitos do cidadão é o de voz, ou seja, de exprimir suas críticas, suas sugestões. Acreditamos que o ideal para a sociedade seria se fosse rotina as pessoas escreverem a autoridades, exigindo soluções de problemas, expondo suas ideias e até suas sugestões.

A estrutura básica da carta argumentativa deve conter local e data, destinatário (com o devido pronome de tratamento), vocativo (opcional), corpo da carta, expressão de despedida e assinatura.

Esse gênero já era cobrado em grande parte dos vestibulares para universidades federais do Centro-oeste, e, no ano de 2007, foi adotado pela Covest, que promove o vestibular da Universidade Federal e Federal Rural de Pernambuco. Essa recente adoção causou preocupação por parte de alunos e professores, já que, como dissemos, essa modalidade de carta não é comum entre a população. Agora que sabemos um pouco mais sobre a carta de uma forma geral e, mais especificamente, sobre a carta argumentativa, veremos quais serão os critérios utilizados para avaliar as cartas coletadas na pesquisa.

1.2. PARÂMETROS DE AVALIAÇÃO DE CARTA ARGUMENTATIVA

Antes de apresentarmos os parâmetros que serão usados na avaliação das cartas coletadas, convém fazer algumas considerações a respeito do conceito de avaliação, de uma forma genérica.

Numa visão mais tradicional de educação, tem sido centrada no professor a responsabilidade de avaliar o seu aluno. Quase sempre, nesse ponto de vista, a avaliação se resume aos testes e às provas bimestrais ou trimestrais, sobre o conteúdo estudado em um determinado intervalo de tempo. Além do mais, o objetivo dessas avaliações é dar uma nota que vai definir se o aluno “passou de ano”, irá para a recuperação, se será reprovado ou até mesmo se ele ficará isento de estudar nos últimos meses de aula.

Se considerarmos a aprendizagem como o processo pessoal de construção do conhecimento sobre algum objeto de estudo, a avaliação não pode ser centrada só no mestre, excluindo o aluno. Ao contrário, como uma peça-chave do ensino-aprendizagem, o estudante deve ter o direito de se avaliar e de opinar sobre o seu próprio aprendizado.

Segundo Irandé Antunes, “se nossas avaliações funcionassem, de fato, como indicações da forma como acontecem os processos de ensino seguramente já teríamos comprovado mudanças significativas na forma de ensinar” (apud BUNZEN; MENDONÇA, 2006, p.167). Nessa visão de avaliação, a prova e o teste não podem servir apenas para “dar uma nota” ao estudante, tampouco devem ser o único indicador de como está o processo ensino-aprendizagem. As avaliações, além de diagnosticarem esse processo, devem servir como base para promover mudanças na forma de ensinar. Porém, infelizmente, essa ainda não é a realidade na maioria das escolas.

Nosso trabalho visa fazer um levantamento das principais falhas apresentadas nas cartas argumentativas de concluintes do ensino médio e, por tal razão, demanda uma avaliação objetiva, centrada nos elementos textualizadores e linguísticos.

Os aspectos linguísticos incluem o léxico e a gramática. Em relação ao léxico devemos levar em conta que as palavras não podem ser usadas indiscriminadamente. Elas devem ser selecionadas com cautela. Uma falha na escolha lexical pode causar uma inadequação semântica, distorcendo assim, o sentido da ideia transmitida; pode provocar inconformidade com o contexto e o objetivo do texto; e pode também tornar a ideia incoerente.

Ainda no âmbito do léxico, devemos observar também o uso de termos e expressões que caracterizam a carta argumentativa, como pronomes de tratamento e vocativos.

Em relação à gramática, levamos em consideração o uso dos sinais de pontuação, as convenções ortográficas e os padrões de morfossintaxe, que incluem a regência, a concordância, a colocação das palavras na oração, a conjugação verbal e a estruturação sintática da oração e do período. Convém advertir que os textos foram coletados no ano de 2008, antes de entrarem em vigor as novas regras ortográficas. Portanto não serão considerados erros os desvios em relação a esse novo acordo.

Os elementos textuais abrangem aspectos como apresentação, esquema de construção do gênero, coerência, argumentatividade, organização, levando em conta os elementos da situação em que o texto ocorre, dentre os quais estão as intenções pretendidas, o gênero, o interlocutor previsto, entre outros.

Em relação à apresentação da carta espera-se que ela contenha o cabeçalho, com local e data, e o destinatário, podendo ser seguido ou não de um vocativo. O destinatário deve conter o pronome de tratamento adequado. Ao fim do texto, após a conclusão, deve haver alguma expressão de fechamento, como “atenciosamente”, “respeitosamente”, entre outras, seguida de assinatura, que, dependendo da proposta, pode ser fictícia ou não. Como os textos serão digitados, não vamos avaliar a quantidade de linhas, a aparência da letra nem o alinhamento das margens.

O esquema de construção do gênero é basicamente composto por introdução, desenvolvimento e conclusão.

Da coerência, esperamos que o aluno dê atenção à continuidade temática, à progressão semântica e à não-contradição.

No aspecto da argumentatividade, o estudante pode utilizar dados reais, históricos, estatísticos, além de relacioná-los para fundamentar os argumentos. É importante também que os dados sejam relevantes para a sustentação desses argumentos, já que a carta argumentativa visa convencer o destinatário a compartilhar do posicionamento do remetente.

A organização do texto consiste em o aluno articular e ordenar as ideias, os argumentos, seja do particular ao genérico, do básico ao complexo, da parte ao todo, e vice-versa.

2. TINHA UMA CARTA NO MEIO DO CAMINHO: ANÁLISE DAS DIFICULDADES

Para este trabalho coletamos três cartas argumentativas escritas pelos alunos A, B e C, concluintes do Ensino Médio, de uma escola particular de grande porte da Região Metropolitana do Recife. Por questões de ética, os nomes dos estudantes, bem como da instituição em que estudam, não serão revelados.

Os textos foram feitos com base em um artigo de Mary Cohen, então presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA. Nesse artigo, ela se declara contra a redução da maioridade penal. Os alunos deveriam, então, escrever-lhe uma carta argumentativa formal, posicionando-se contra ou a favor e apresentando argumentos que defendessem esse posicionamento.

Texto 1 (Aluno A):

Recife, 15 de Setembro de 2008

Ilustríssima senhora presidente dos direitos humanos OAB,

gostaria de dizer que sou a favor de Redução da Maioridade Penal, porque o número de jovens na criminalidade esta aumentando e ele começam a entrar na vida do crime cada vez mais cedo, essa atitude de vocês da OAB vai concerteza controlar e diminuir o problema.

Esses jovens de hoje que quanto mais jovens são mais atitudes de adultos querem tomar, mas na hora de responder pelos seus atos, não querem se responsabilizar como um adulto.

É importante ressaltar que se essa lei sair do papel deve ser rigorosamente cumprida, porque se não de nada vai adiantar.

Atenciosamente,

A.M.D.

Em relação ao cabeçalho, o aluno inseriu adequadamente o local e a data, porém, no campo do destinatário, a informação está incompleta. Primeiro, porque não traz o nome, mas apenas o cargo de Mary Cohen; segundo porque faltou completar que ela preside a Comissão de Direitos Humanos da OAB, e não os direitos humanos. Ainda no cabeçalho podemos notar a ausência da partícula “da” antes de “OAB”.

Apesar de não estarmos avaliando a quantidade de linhas do texto, convém observarmos que o tamanho do texto produzido pelo aluno A está aquém das expectativas para o gênero.

O aluno inicia o corpo do texto com letra minúscula e, ainda no início do texto, faz um uso inadequado de letras maiúsculas na expressão “Redução da Maioridade Penal”, já que não há nenhum motivo para capitular tais letras. Na mesma linha, em vez de “a favor de”, deveria estar escrito “a favor da”, uma vez que a expressão subsequente pede um artigo definido.

Na segunda linha, constatamos a ausência do acento agudo no verbo “está”, causando um desvio de sentido, já que “esta” é um pronome demonstrativo. Além disso, ainda na segunda linha, há um desvio na concordância do pronome pessoal do caso reto “ele”, que deveria estar concordando com “jovens”, termo com o qual se relaciona.

Após a expressão “cedo”, deveria haver um ponto final, pois a oração seguinte traz uma nova ideia, devendo, assim, estar em um outro período. Na última linha do primeiro parágrafo, há um desvio quanto à forma de escrever a expressão “com certeza”.

No primeiro parágrafo há dois erros quanto à ideia: quando escreve “essa atitude de vocês da OAB...”, o estudante não leva em conta que o destinatário é uma pessoa, Mary Cohen, e não a instituição chamada OAB; bem como não está tratando essa pessoa com a formalidade que deveria, já que “você(s)” é um pronome de tratamento que denota intimidade. O segundo erro constitui uma incoerência, pois a pessoa a quem se dirige a carta se posiciona contra a redução da maioridade penal e o aluno escreve como se ela fosse a favor.

Convém observar que, por uma questão de estética e até de lógica de estruturação do gênero, é recomendável que os parágrafos sejam constituídos por mais de um período, principalmente os de desenvolvimento. No caso do texto 1, todos os parágrafos são formados por apenas um período. Além disso, em relação ao tamanho dos parágrafos, há uma inadequação, visto que a introdução é maior que o desenvolvimento, que por sua vez tem quase o mesmo tamanho da conclusão.

O parágrafo de desenvolvimento apresenta muitos problemas quanto à pontuação, bem como quanto à estruturação do período, o que dificulta bastante a compreensão. A introdução da partícula “que” na primeira linha dá a impressão de que será iniciada uma oração explicativa para depois retornar à informação principal, porém esta fica inacabada.

Para além das questões de pontuação e construção do período, o referido parágrafo apresenta, ainda, falta de objetividade e argumentação vaga, uma vez que não foi feita nenhuma relação entre a informação do parágrafo e as ideias apresentadas na introdução.

No parágrafo de conclusão há um problema quanto à grafia de “se não”, que, por ter a mesma significação de “caso contrário”, deveria estar grafado “senão”. Não há problema quanto à pontuação ou estruturação do período, porém essa conclusão está vaga, pois não apresenta argumento algum para a defesa do posicionamento do remetente. Aliás, em todo o texto, só um argumento foi utilizado nessa defesa: “o número de jovens na criminalidade esta aumentando e ele começam a entrar na vida do crime cada vez mais cedo”. O resto da carta é composto por dois períodos que apenas apresentam afirmações absolutas e sem objetividade. Ficou-nos claro que no texto não foi respeitado o esquema de construção da carta (introdução/desenvolvimento/conclusão).

Quanto à estrutura formal da carta (local e data/ destinatário/ despedida/ assinatura), não houve grandes problemas, mas, em relação à adequação da linguagem, o texto deixou a desejar, pois apenas em um momento (na introdução) o estudante se dirigiu ao destinatário, e ainda assim desconsiderando a formalidade do tratamento. Além de se enganar quanto ao posicionamento do destinatário, o aluno A não consegue defender seu próprio posicionamento, devido à carência de argumentos no texto.

Texto 2 (aluno B):

Recife, 15 de setembro de 2008

Ilustrissima presente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA

Varias autoridades já estão de acordo para a maioridade ser reduzida, isso seria uma ótima opção para poder acabar com os crimes escândalosos. Mas também outras medidas têm que ser feitas para diminuir vários crimes, a educação outro ponto para se melhorar, precisa começar através dos pais.

Precisou acontecer vários crimes bárbaros para as autoridades agirem, ainda existem pessoas contra a diminuição da maioridade, Por que os cidadão falam que não é a diminuição da maioridade que irá diminuir a ação dos jovens, outros falam que devem investir na edução na escola, mas é um ponto bastante complicado

No Brasil existe muita burocracia para poder acontecer coisas para favorecer os brasileiros de alguma forma. Senão está adiantando temos que tomar medidas drásticas, mas Mary Cohen está certa porque ela fala que se forem tomar medidas tem que começar cedo com crianças e jovens para ver se o nosso país poderá ir para frente.

Atenciosamente

José da Silva

O texto 2, escrito pelo aluno B, não apresenta falha quanto à estrutura no local e data, porém no destinatário há problemas com a grafia do termo “ilustríssima”, por estar sem acento, e da palavra “presente” que, pelo contexto, acreditamos que deveria ser “presidente”. A informação do destinatário está incompleta por não citar o seu nome mas apenas o cargo.

No início do primeiro parágrafo constatamos uma falha na acentuação do termo “várias”, o que transforma a palavra numa conjugação do verbo “variar”. Ainda no âmbito da acentuação, na segunda linha, há um erro na acentuação do vocábulo “escandalosos”. Convém ressaltarmos que essa falha de acentuação é bastante recorrente entre os estudantes. Muitos alunos, ao escrever algumas palavras das quais derivam proparoxítonas ou que derivam destas (econômico, escândalo, último, entre outras), levam em consideração o acento obrigatório das proparoxítonas, mesmo quando passam a ser paroxítonas (“econômia”, “escândaloso”, “últimamente”).

No primeiro período da introdução há um problema com a regência da expressão “de acordo”, que pede a preposição “com”, em vez de “para”. Porém para que a substituição seja feita deve também a expressão “a maioridade ser reduzida” ser trocada por “redução da maioridade”. O período seguinte do primeiro parágrafo está mal construído. No trecho que diz: “a educação outro ponto para se melhorar” falta o verbo de ligação “ser” depois do sujeito “a educação”. Em “precisa começar através dos pais”, o verbo “precisar” concorda com um sujeito oculto na terceira pessoa, porém esse sujeito não foi mencionado antes. Provavelmente a intenção do aluno era tornar impessoal a oração, porém não foi esse o resultado obtido.

A introdução deveria tecer algum comentário acerca do posicionamento do destinatário, já que este deve ser levado em conta para a construção dos argumentos no texto. Porém o remetente não explicita na introdução o que pensa Mary Cohen a respeito do tema, além de não deixar claro o seu próprio posicionamento. Dessa forma, consideramos vaga a introdução.

No início do segundo parágrafo, inadequadamente formado por apenas um período, há um desvio quanto à concordância do verbo “precisar”, que deveria se flexionar no plural para concordar com “vários crimes bárbaros”. Na segunda linha, “cidadão” deveria estar no plural, como os termos adjacentes.

O trecho “Precisou acontecer vários crimes bárbaros para as autoridades agirem” apresenta uma informação e a oração seguinte apresenta uma ideia diferente. Por não haver nenhum elemento de coesão para relacionar as duas, deveria haver um ponto após “agirem”. Na segunda linha, há uma inadequação semântica do termo “Por que”. Por se tratar de uma justificativa, deveria estar escrito “porque”. Também está inadequado o uso da letra maiúscula na referida palavra.

No trecho “outros falam que devem investir na edução na escola, mas é um ponto bastante complicado”, além de o termo “educação” estar escrito incorretamente, a ideia está confusa, pois não sabemos ao certo o que é, para o aluno, bastante complicado. Não fica claro, no segundo parágrafo, qual é a intenção do autor com as informações fornecidas, falta objetividade.

No parágrafo de conclusão não identificamos nenhuma falha quanto aos aspectos linguísticos. O primeiro período, por não ter nenhum elemento que garanta a coesão com o seguinte, está inserido sem objetividade. No segundo período, o termo “senão” foi empregado inadequadamente, pois nesse caso deveria ser usada a partícula condicional “se” e o advérbio de negação “não”.

Ainda nesse período, há uma mudança da pessoa do discurso, passando da 3ª pessoa impessoal para a primeira do plural, além do uso da 3ª pessoa para se referir ao destinatário: “Mary Cohen está certa [...] ela fala [...]”. O aluno demonstrou não saber se dirigir à pessoa a quem se escreve nem adequar a linguagem em função do destinatário.

Na conclusão, o estudante não retoma as ideias do texto nem deixa clara sua posição, agravado pelo fato de concordar com o destinatário, que defende uma posição contrária. Assim, o último parágrafo da carta apresenta argumentos vagos, sem objetividade e não se parece com uma conclusão.

Bem como o texto 1, essa segunda carta não apresenta, no corpo do texto, vocativos ou termos que indiquem haver um destinatário explícito, bem como não adéqua ou direciona as ideias e os argumentos em função deste. Apesar disso, houve o respeito ao aspecto formal da carta, com o uso adequado da expressão de fechamento ou despedida e a assinatura.

Texto 3 (aluno C):

Recife, 15 de Setembro de 2008

Ilustríssima presidente da comissão de direitos humanos da OAB/PA Mary Cohen,

Como um assíduo frequentador do site da OAB, acabei lendo seu texto referido a redução da maioridade penal, e, me senti na Obrigação de fazer um comentario sobre ele.

Concordo que a redução da maioridade penal não irá resolver ou diminuir problemas sociais, como por exemplo a violência. Para se reduzir violencia, não se necessita de dar prioridade a idade do individuo, o que se tem a fazer é o estado brasileiro investir e programas sociais eficazes, de modo que a violencia se reduza aos poucos.

Outro problema é que quando um menor entra em algum estabelecimento educacional, Sai pior do que quando entrou, pois as situações dos lugares são precários e não possuem pessoas bem qualificadas para tentar reeducar os menores.

Por isso, concordo que a solução não é diminuir a maioridade penal, e sim, dar apoio a projetos sociais que visam recolocar jovens em um rumo mais correto, longe de drogas, prostituição e Etc...

Atenciosamente

José da Silva

No texto 3, não constatamos inadequação quanto ao local e à data, bem como no destinatário, desde que seja inserida uma vírgula antes do nome “Mary Cohen”.

Como dissemos, os textos foram escritos no ano de 2008 e, portanto, deveriam seguir a ortografia então vigente. Assim sendo, na primeira linha do primeiro parágrafo a palavra “frequentador” deveria conter um trema. Ainda na primeira linha, após o termo “referido”, ocorre uma crase, que não foi acentuada pelo aluno C. Ainda no quesito acentuação, a palavra “comentário”, na segunda linha foi escrita no texto sem o acento agudo. Também na segunda linha, é inadequado o uso das duas vírgulas próximas à partícula “e”. A letra maiúscula foi erroneamente empregada na palavra “obrigação”.

Por ser a introdução da carta, o primeiro parágrafo deveria conter ao menos o posicionamento do aluno quanto ao tema e, no texto 3, nem isso nem o posicionamento do destinatário foi citado.

O aluno C parece ter muitos problemas quanto à acentuação, pois no segundo parágrafo podemos constatar a ausência do acento na palavra “violência”, na segunda e na quarta linhas. Também o termo “indivíduo”, na terceira linha, não foi acentuado. Ainda na terceira linha, após o vocábulo “prioridade”, o acento indicativo da crase foi esquecido. Há também um erro da grafia da preposição “em” após o verbo “investir”. No segundo período do mesmo parágrafo, o aluno abusa na partícula “se”, o que, além de constituir repetição, provoca a mudança da pessoa do discurso, recurso inadequado à carta formal.

O terceiro parágrafo, formado por apenas um período, apresenta problemas quanto à estrutura. No trecho “as situações dos lugares são precários e não possuem pessoas bem qualificadas para tentar reeducar os menores”, há um erro na concordância de gênero da palavra “precários” e não conseguimos identificar o sujeito com o qual concorda o verbo “possuem”. Além disso, “possuir” não é um termo semanticamente adequado para indicar pessoas que existem em uma determinada instituição. Em relação à ideia, o termo “estabelecimento educacional”, na primeira linha, está generalizando a informação às escolas e universidades, por exemplo, que também são estabelecimentos educacionais. Dessa forma, a expressão também está semanticamente inadequada.

Na primeira linha do parágrafo de conclusão, a vírgula foi empregada inadequadamente após a expressão “e sim”, já que o valor deste termo é o de adversativa, depois da qual não deve haver vírgula. Na segunda linha há um erro quanto ao uso do tempo verbal em “visam”, que deveria estar no presente do subjuntivo. Mais uma vez a maiúscula é utilizada inadequadamente, no termo “etc.”.

Quanto à estrutura de fechamento, assim como os textos anteriores, o texto 3 não apresenta nenhum problema. Porém, quanto à linguagem, podemos constatar que o aluno C não se dirige ao destinatário dentro do texto.

Em relação à argumentatividade, o texto deixou muito a desejar, apresentando argumentos vagos e mal organizados. No primeiro parágrafo o aluno não introduz a tese. No segundo ele revela que seu posicionamento é o mesmo do destinatário, o de que a redução da maioridade penal não reduziria problemas sociais e dá uma sugestão de solucionar a violência, mas não apresenta argumentos que defendam a tese de que a redução da maioridade não reduz a violência. No terceiro parágrafo o argumento apresentado não se relaciona diretamente com a tese, devido a falhas na coesão. Isso faz com que não haja continuidade entre o terceiro parágrafo e o que antecede e sucede a ele. Na conclusão o aluno retoma a tese e repete as sugestões de soluções para o problema da violência, porém continua sem apresentar argumentos para sustentar seu posicionamento.

Não foram poucas as dificuldades constatadas nas três cartas aqui analisadas. A situação se agrava ao lembrarmos que são todos concluintes do Ensino Médio, fase em que, teoricamente, os alunos estariam prontos para seguir sua carreira profissional ou prosseguir em estudos posteriores.

No aspecto linguístico, são muitos os problemas quanto à ortografia, acentuação, concordância, regência e pontuação, bem como ao uso dos tempos verbais. Surpreende-nos o aparecimento de algumas dificuldades quanto ao uso das letras maiúsculas e minúsculas. Ainda no âmbito dos elementos linguísticos, vimos a inadequação semântica de algumas palavras, bem como falhas na estruturação dos períodos, fatos que prejudicam bastante a articulação das ideias e dos argumentos.

Quanto à apresentação visual da carta, não identificamos nenhum problema que mereça maior preocupação, porém, em relação à adequação da linguagem ao gênero e ao destinatário, todos os alunos deixaram muito a desejar. Os argumentos não foram direcionados ao interlocutor e tampouco a linguagem foi adequada ao fato de haver um leitor explícito. A ausência de vocativo e a mudança da pessoa do discurso comprovam o problema exposto.

Os alunos demonstraram pouco ou nada conhecer a respeito do esquema de construção do texto argumentativo, que envolve a introdução, o desenvolvimento e a conclusão. Em um dos textos o último parágrafo nem pode ser chamado de conclusão. Em outro, a introdução é bem maior que o desenvolvimento e o último parágrafo, estes de tamanhos semelhantes.

Uma vez que gênero exige defesa de ideias, esperávamos que os alunos articulassem argumentos que comprovassem ou fundamentassem seu posicionamento, o que não ocorreu; aliás, é difícil até identificar o posicionamento deles ou se de fato há algum. Problemas de coerência também são constantes nos três textos avaliados, já que a contradição e a falta de continuidade temática ocorrem com frequência.

Observamos que os problemas levantados são, em sua maioria, referentes a conteúdos trabalhados no Ensino Fundamental e aprofundados no Médio. Além disso, a pouca competência dos discentes em levantar os argumentos denota o seu pouco conhecimento de mundo.

As três cartas argumentativas aqui mostradas servem para exemplificar a situação dos alunos do Ensino Médio, bem como do Fundamental, das escolas brasileiras. Sabemos que não são todos os alunos que possuem essa pouca intimidade com a escrita formal, mas é uma quantidade que merece atenção e ação.

2.1. A CULPA É DE QUEM?

Pudemos constatar que, de fato, uma grande parte dos concluintes do Ensino Médio sai da escola sem o domínio da forma escrita da linguagem, sobretudo a formal. Porém não julgamos suficiente para nosso trabalho ater-se à constatação e à identificação dos problemas. Já é de conhecimento de todos essa triste realidade do ensino brasileiro e, apesar disso, pouco tem sido feito para solucioná-la. Segundo Pécora,

No quadro deficitário e deformado da educação brasileira, é lugar-comum alarmar-se diante da fragilidade verbal – sobretudo, escrita – do conjunto de seus protagonistas, não apenas discentes. Entretanto, raras vezes esse alarme evolui claramente para uma avaliação crítica séria e abrangente dos problemas de diferentes ordens manifestados nessa área. Geralmente, ele tende a diluir-se nas fórmulas bem conhecidas do conformismo didático de técnicas supostamente motivadoras e criativas. (Pécora apud GNERRE, 1994, p. 1)

Julgamos, então, necessário buscar as possíveis causas – ou pelo menos as que consideramos de maior relevância – que contribuam ao fracasso no aprendizado de redação no Ensino Básico. É mister lembrarmos que o ensino e a aprendizagem, numa perspectiva que coloca o professor como mediador do conhecimento, são indissociáveis e, portanto, devemos levar em consideração tanto o aluno como o professor, além da sociedade, já que a escola e o aluno são, essencialmente, reflexos do meio social.

Os discentes, em muitos casos, já ingressam no Ensino Médio com dificuldades trazidas do Ensino Fundamental. A forma de se trabalhar o texto nessa fase inicial dos estudos vem, aos poucos, mudando positivamente, mas está longe abranger todas as salas de aula.

Vimos, anteriormente, que a avaliação deveria servir como diagnóstico o qual guiaria o professor, com base em reflexões, a uma mudança de atitudes em suas práticas e a um direcionamento de atividades para sanar as dificuldades dos discentes. Com base nas redações aqui analisadas, constatamos que provavelmente essa concepção de avaliação inexiste nas salas de aulas, uma vez que o mau uso de maiúsculas e minúsculas, assunto estudado nos primeiros anos do Ensino Fundamental, é dificuldade constatada nos textos. Como os professores deixaram passar sem solução esse problema durante os muitos anos da vida escolar desses alunos? É possível que eles tenham se preocupado mais em destacar e ridicularizar esses “erros crassos” do que em explicar o assunto.

Numa perspectiva mais atual, a tradicional redação escolar já não tem mais espaço na educação. Propostas descontextualizadas e sem nenhum papel social resultam em textos vazios e mal-construídos. Os alunos não têm vontade de escrever sobre a chuva ou sobre suas férias, por exemplo.

Se o professor trabalhasse gêneros textuais comuns na vida em sociedade, como carta pessoal, e-mail, bate-papo, propaganda, jornal, entre outros, os estudantes, provavelmente, teriam mais gosto em escrever.

Acreditamos que uma abordagem inadequada do ensino de redação na escola pode causar o desinteresse pela produção de texto, que passa a ser encarada como “chata” e “difícil”. Mattos (1977) afirma que “é espantoso o número de alunos que detestam escrever, domínio ativo da linguagem; mas quem deles detesta falar, também domínio ativo da linguagem? É que esse contragosto lhes foi instilado por péssimas aulas de redação” (MATTOS;BACK, p.143). Mais uma vez vemos que um dos principais fatores para que haja o fracasso no ensino da língua escrita é a abordagem utilizada por muitos professores em sala de aula desde o início da formação básica do aluno.

Outro aspecto que devemos observar é o fato de docentes, ao avaliar textos de alunos do ensino fundamental, fazerem “drama” por causa de desvios em relação à gramática ou até ridicularizarem as “pérolas” encontradas. Se o professor apenas dá destaque aos erros dos alunos e não mostra nenhum ponto positivo, estes perdem o estímulo de escrever. Além disso, quando algum estudante escreve um texto sem falhas gramaticais, mas vazio, sem conteúdo, quase sempre tira notas altas ou até mesmo nota máxima.

Outra queixa de professores, não só de Língua Portuguesa, tanto no Ensino Médio quando no Fundamental, é o fato de os alunos não conseguirem expressar alguma ideia com propriedade na fala e, principalmente, na escrita. Parece-nos óbvia a causa dessa deficiência: o pouco conhecimento de mundo. Segundo Mattos, “O professor deve ter conseguido que os alunos tenham idéias. Se os alunos não têm idéias, o que é que poderiam pôr no papel?”(sic) (ibidem, p.143).

Como seria possível desenvolver esse conhecimento de mundo dos discentes? Uma das formas mais eficazes é o investimento na leitura. Ler bastante não é garantia de escrever bem, mas, sem a leitura, não é possível dominar a escrita. De acordo com Mattos, “quem lê, quem muito lê, é que pode ter mais idéias.” (ibidem, p.143).

Nesse ponto são responsáveis o educador, o aluno e a sociedade. O professor, predominantemente, só oferece leitura ao estudante a troco de algo – uma ficha de leitura, um exercício de gramática, uma redação. Faltam, na escola, momentos de ler por prazer. A sociedade, por sua vez, não incentiva a leitura de livros, revistas de atualidades, jornais, a começar pelo exemplo: dificilmente os pais sentam durante o dia para ler um livro. O próprio aluno, acostumado a usufruir de tecnologias de entretenimento e pesquisa rápida, rejeita, quando lhe é oferecido, o prazer de ler um bom livro. Como dissemos, o fato de a pessoa ler não determina que ela será uma boa escritora, mas desenvolve o conhecimento de mundo, oportuniza-lhe o domínio maior de vários temas.

Como sabemos, o vestibular influencia ou quase determina os currículos adotados para o Ensino Médio. Por esse motivo, a prática de escrita no é centrada nos gêneros solicitados na prova de redação do vestibular. Mas acreditamos ser inútil trabalhar exaustivamente esses gêneros se o aluno possui tantas dificuldades na escrita. O ponto principal a ser trabalhado é justamente a competência de se expressar através de textos escritos, em qualquer que seja o gênero, pois “quem aprende a pôr no papel as suas idéias redigirá também (...) quando a amplitude ou os assuntos de suas idéias forem totalmente outros.”(sic) (ibidem, p.146).

José Luis Landeira relaciona o fracasso das redações dos vestibulares ao modo como é encarada a escrita nas aulas de Língua Portuguesa:

As redações nos vestibulares elucidam a prática curricular em língua portuguesa. Enquanto a escola, particular ou pública, não levar a sério que a prática da escrita não pode se reduzir a uma única disciplina, sujeita a fórmulas mal desenvolvidas, cria-se mais uma exclusão na educação brasileira: a exclusão à palavra escrita, que atinge a todas as camadas sociais. (2004, p.1).

Mais uma vez fica-nos evidente que o trabalho centrado em apenas um ou dois gêneros – seus aspectos estruturais – mantém intactas as dificuldades básicas que os alunos trazem do Ensino Fundamental, como na ortografia, acentuação e pontuação, por exemplo. Podemos tomar como prova as redações analisadas neste trabalho. Quanto à apresentação visual e à estrutura formal do gênero, não houve grandes problemas, porém os três alunos cujos textos foram apresentados possuem dificuldades de se expressar através da escrita.

Outro aspecto a ser ressaltado é o fato de o professor não solicitar a reescrita dos textos com base nos erros marcados, com isso os alunos apenas “olham” os comentários e as marcações do docente e não se preocupam em descobrir a forma adequada.

Muitas escolas e pré-vestibulares contratam monitores para avaliar os textos produzidos pelos estudantes, “excluindo, assim, o professor da oportunidade de acompanhar, ele próprio, o desenvolvimento empreendido pelos alunos.” (Antunes apud BUNZEN; MENDONÇA, ibidem, p.169). Se o mestre não conhece as dificuldades de seu discente, como ele vai direcionar seus esforços à solução desses problemas? Aliás, até mesmo quando o educador conhece a dificuldade de seus alunos, é comum ele não fazer nada a esse respeito, para não “atrapalhar” ou desviar o seu planejamento.

Constatamos, dessa forma, que o problema em relação à escrita na educação básica não se deve a apenas um fator ou responsável. Estamos diante de uma dificuldade que envolve professor, aluno, escola e sociedade, bem como o governo, responsável por investir e fiscalizar. Não podemos, pois, colocar sobre o docente toda a responsabilidade, porém é dele que deve partir a iniciativa para mudar esse quadro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não só professores mas toda a sociedade tem ciência do valor da escrita para o cidadão, bem como os inconvenientes que o não domínio de tal recurso pode trazer.

Não nos surpreendeu que os textos analisados apresentassem uma grande quantidade de problemas linguísticos e textuais. O que nos preocupa é a dificuldade que autores desses textos irão enfrentar quando a sociedade exigir deles um bom domínio da linguagem escrita. Preocupa-nos, mais ainda, o fato de esses estudantes serem apenas alguns dos muitos que concluem o Ensino Médio sem a competência textual esperada.

É de senso comum que algumas práticas docentes inadequadas podem trazer consequências negativas na vida do estudante. A escrita não foge a essa regra. Esse não é o único fator que provoca o baixo rendimento dos alunos na produção textual, mas é algo que merece bastante atenção.

Infelizmente o sistema educacional está repleto de supostos profissionais, que se encontram estagnados em sua prática e que não aceitam mudar, ou por falta de humildade ou por estarem apenas esperando a aposentadoria – ou por ambos os motivos. Esses professores são, em parte, responsáveis pela manutenção de uma didática mais que ultrapassada, que não se adéqua às necessidades atuais da sociedade.

Para que haja uma mudança significativa na forma de se encarar a o ensino da escrita, é preciso que os docentes mudem sua forma de enxergar a língua – não como um bloco de regras a serem seguidas, mas uma ferramenta de comunicação e interação. Dessa forma, a escrita deve ser considerada como um instrumento essencialmente social, que não “funciona” destituído de um contexto, de um interlocutor, de uma intencionalidade.

Não pretendíamos, com este trabalho, apontar todas as causas do pouco domínio da linguagem escrita que se arrasta por toda a vida escolar do discente, tampouco descobrir uma panaceia para curar os males do ensino da escrita. Nossa intenção foi mostrar que existe de fato um problema a ser solucionado, que não envolve apenas o professor, mas também o aluno, a comunidade escolar e a própria sociedade. Porém, se não é apenas responsabilidade do educador, tampouco sem sua iniciativa haverá alguma mudança.

Esperamos que os resultados desta investigação contribuam de forma a estimular os educadores a evitarem atitudes inadequadas no ensino da língua escrita. Também ansiamos que eles se preocupem mais em sanar as dificuldades reais de seus pupilos para que elas não se perpetuem ao longo da vida escolar. A mudança de tais atitudes, por estarem tão arraigadas nas salas de aula, é difícil e exige muito estudo e muito esforço, mas é condição necessária para que as aulas de Língua Portuguesa possam fazer dos estudantes escritores competentes que saibam utilizar a linguagem escrita com propriedade de acordo com suas necessidades.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Severino Antônio M.; AMARAL, Emília (Colab.). Redação: escrever é desvendar o mundo. São Paulo: Papirus, 1994.

BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (Orgs). Português no Ensino Médio e Formação do Professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

GNERRE, Maurizio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1994. 115 pág.

HOFFMANN, Jussara. Avaliando redações: da escola ao vestibular. Porto Alegre: Mediação, 2002. 119 pág.

LANDEIRA, José Luis. Redação e o Vestibular. Artigo publicado para o jornal Folha de São Paulo de 17/02/2004. Disponível em: <http://www.paratexto.com.br/php?id=425> Acesso em: 19 de junho de 2008.

SARMENTO, Leila Lauar. Oficina de Redação. 3ª ed. São Paulo: Moderna, 2006.

MATTOS, Geraldo; BACK, Eurico. Prática de Ensino da Língua Portuguesa. São Paulo: FTD, 1977.

VANOYE, Francis. Usos da Linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita. São Paulo: Martins Fontes, 1993. 243 pág.

Dx
Enviado por Dx em 16/09/2009
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