RÉQUIEM PARA CHICO JULIÃO*
Tirante a figura legendária do comunista Luís Carlos Prestes, secundado pelo nacionalista João Goulart, o “Jango”, e o socialista Leonel Brizola, nenhum outro militante político, no acasalamento dos anos 50/60, metia tanto pavor às forças reacionárias deste País quanto o pernambucano Francisco Julião. Além do seu lado revolucionário, deixou livros primorosos no papel. E que prosa poética!
Muitos dos que já se entendiam como gente, à época, talvez por desinformação, não o levaram na devida conta; outros o reverenciaram como a esperança revolucionária de se poderem tocar à frente as ideias em curso da Reforma Agrária, instituto este visto naquele contexto nebuloso da difícil posse de João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros, como uma grande ameaça às arcaicas estruturas fundiárias do Nordeste brasileiro. Como ainda hoje, apesar de bem mais bronco, era o tacão do latifúndio que dava as suas ordens. E mandava no gado e no pessoal.
Como nenhum patrício jovem, ou mesmo de até seus trinta e cinco anos, pôde acompanhar-lhe a trajetória de ideólogo e líder das chamadas Ligas Camponesas, para simplificar, poderia alguém comparar Francisco Julião, ao seu tempo, com o atual líder e ideólogo do Movimento dos Sem-Terra, o atuante João Pedro Stédile.
Julião, um guerreiro do Polígono das Secas, formado em Direito: o segundo, Stédile, ao que consta, homem pragmático das paragens do Sul. Economista de canudo de papel à mão. Ambos picados pelo bichinho do idealismo. Embora com formação acadêmica, havendo amassado bancos de faculdade, os dois se assemelham mais num único ponto: a luta campal pela Reforma Agrária. Românticos ou não, valorosos patriotas, cujos objetivos são nobres, urgentes e necessários.
Minha simpatia pela caminhada política do líder das Ligas Camponesas começou após o dito “golpe militar de 1964”. Achava justa sua causa. Um sujeito querendo que todos tivessem um pedaço de terra para nela morar e daí tirar seu próprio sustento, a fim de viver condignamente com sua família? Isto, na realidade, já como um imberbe liceísta, era o motivo por que eu torcia e almejava.
Li, de Gondim da Fonseca, um livreto chamado “Assim falou Julião”. O homem das Ligas era fogo, tanto no linguajar desabusado como na coragem. Dava nome às vacas. Por isso, cada vez mais, embora eleito deputado federal, virou um cão raivoso na boca dos maledicentes. E todos os reacionários – militares, alcaguetes, gente das elites, detentores do latifúndio – partiram para caçá-lo como a um animal hidrófobo.
Acusado de subversão, como tantos patriotas que tiveram decapitadas as cabeças na guilhotina dos Atos Institucionais, nos “anos de chumbo”, o então deputado federal Francisco Julião teve seu mandato cassado. Saiu do Congresso Nacional, às escondidas, na maleta do carrão do presidente da Câmara, salvo engano o deputado Adauto Lúcio Cardoso. Mesmo seu adversário político, o presidente da Casa Legislativa, figura do governo do arbítrio, foi de uma fidalguia sem par. Adauto ajudou, assim, a adiar a prisão do cassado e caçado, seguro que fora, somente tempos após, por agentes da repressão, no interior de Goiás. Lá, Julião se refugiara no lar de um rude camponês, fingindo-se de trabalhador rural.
Os fatos do parágrafo anterior eu os colhi da leitura agradabilíssima de “Até quarta, Isabela” (1965), livrinho poético e muito humano, escrito já num cárcere do Recife, enquanto o preso, entre a segunda e a quarta-feira, depois de receber bloco de papel e esferográficas, preparava-se para receber a visita anunciada da filha que nascera, fazia apenas alguns meses. E o pai sequer a conhecia, já que fora recluso.
Agora, deu no Fantástico, o coração matou o grande brasileiro, no México. Réquiem para o combativo idealista, revolucionário e poeta Chico Julião, ex-combatente das Ligas Camponesas, no Nordeste!
(Julho/11, 1999)
Fort., 16/09/2009.
(*) Francisco Julião Arruda de Paula, ou só Francisco Julião, nasceu em Bom Jardim, PE, a 16 de fevereiro de 1915 e faleceu em Cuernavaca, México, a 10 de julho de 1999. Advogado, político e escritor .
Obras literárias
• Cachaça (1951).
• Irmão Juazeiro (1961).
• O que São as Ligas Camponesas (1962).
• Até Quarta, Isabela (1965).
• Cambão: La Cara Oculta de Brasil (1968).
• Escuta, Camponês
Julião traduziu, com Miguel Arraes, quando ambos estavam na prisão, "Le viol de foules par la propagande politique", do russo Sergei Tchakhotine.
[Fonte das Obras: Wikipédia, a enciclopédia livre]