O Mal de Adamski (final)

PROCURANDO POR ORTHON

Não somente os avanços tecnológicos realizados no campo da exploração espacial a partir dos anos 1960 causaram fissuras no modelo cosmológico proposto por George Adamski. A própria natureza dos relatos de contatos imediatos vinha se alterando gradualmente ao longo do tempo, com um aumento crescente de incidentes bastante desagradáveis (perseguições noturnas, abduções traumáticas, descrições de seres hediondos etc). Os ufonautas evangelizantes pareciam ter sido substituídos por monstros realmente alienígenas.

Adamski acusou o fato já em 1960, admitindo que existiam extraterrestres com morfologia e intenções bem diversas daquelas dos seus “Irmãos do Espaço” (o que contradiz as informações apresentadas em “Inside the Space Ships”, segundo as quais a humanidade seria “universal” e a Terra o único planeta conhecido pela peculiar violência de seus habitantes). Foi um pouco mais além, propondo que todos os povos da Terra deveriam se unir na execução de um programa espacial conjunto. O objetivo? Evacuar a população do planeta no caso de termos de enfrentar alguma eventual hostilidade extraterrestre. E as grandes naves dos “Irmãos do Espaço”, não poderiam dar uma mãozinha nesse caso? Ou estariam eles muito ocupados fazendo turismo para ajudar um mundo tão bárbaro quanto o nosso?

Mais perturbador do que a existência destes “Ets do mal” é a possibilidade de que eles poderiam ser a resposta ao desinteresse dos governantes da Terra pelos alertas feitos pelos ufonautas bonzinhos. Embora isso soe como uma espécie de pressão mafiosa por parte de seres que, teoricamente, só desejam o nosso bem e prezam sobretudo a “autodeterminação dos povos”, a hipótese é seriamente considerada por alguns segmentos da ufologia. Não há, contudo, nenhuma sombra desta ameaça na seguinte advertência efetuada por um “Mestre” durante a estadia de Adamski na nave-mãe venusiana:

“Meu filho, o nosso intuito principal, ao vir até vós, desta vez, é avisar-vos do grave perigo que ameaça hoje os homens da Terra. Sabendo mais do que qualquer outro dentre vós, como podeis verificar, consideramos como dever nosso esclarecer-vos, tanto quanto pudermos. Os vossos povos podem aceitar o conhecimento que esperamos levar-lhes por vosso intermédio e doutros ou fazer orelhas moucas e destruírem-se a eles próprios. A escolha cabe aos habitantes da Terra. Isso não é conosco.”

Em “A Vida Inteligente no Universo”, Carl Sagan ironiza esse aspecto evangelizante de muitos supostos contatos com extraterrestres:

“Os tripulantes dos discos são sábios e gentis e amáveis, preocupados com a nossa segurança durante esta época de contínuas tensões internacionais, todavia, por qualquer razão, não estão dispostos a intervir em força. Há muito tempo que resolveram as disputas internacionais nos seus planetas de origem. Tem grandes dons naturais nas artes – o que, evidentemente, era de esperar -, mas também imensas habilidades técnicas. Em resumo, os tripulantes dos discos são todo-poderosos, todo-sabedores e preocupados com a situação da humanidade como um pai estaria em relação aos seus filhos. Todavia, não dirigem os acontecimentos importantes do momento, presumivelmente com base no fato de que deve ser a humanidade a guiar o seu próprio destino. Não posso deixar de concluir que as sociedades dos discos voadores representam uma mal disfarçada religião e que os tripulantes dos discos são as divindades do culto.”

Isso não parece algo tão estranho para alguém, que como Adamski, fosse oriundo da teosofia. Desde meados dos anos 1920 ele vinha fazendo palestras pelo estado da Califórnia sobre filosofia oriental, embora não tivesse nenhuma formação acadêmica para isso. E, em 1940, ao deslocar-se para Valley Center, fundou uma sociedade ocultista denominada “Ordem Real do Tibet”. Vem daí seus títulos auto-proclamados de “professor” e “filósofo”, bem como seus primeiros seguidores. E, ao estabelecer-se na vertente meridional do monte Palomar, ele estava pronto para apresentar-se perante o mundo como o primeiro homem a fazer contato com os discos voadores.

Mas há muito mais em toda essa história do que a mera possibilidade de uma farsa tragicômica montada por um escroque. Em seu livro “Looking For Orthon” (“Procurando Por Orthon”), o escritor britânico Colin Bennett afirma que a verdadeira pergunta a ser feita sobre histórias como a de George Adamski não é a de se elas são “falsas” ou “verdadeiras”, mas o que estaria por trás das mesmas. Supondo-se que Adamski teve realmente contatos imediatos de terceiro e quarto graus com inteligências extraterrestres de algum tipo, porque especificamente essas inteligências se pareciam e se comportavam tão suspeitosamente de acordo com um figurino que ele quase poderia prever, com base em suas leituras teosóficas? Ou, em outras palavras, seriam esses extraterrestres bons demais para serem de verdade?

Nos anos 1890, houve uma grande onda de avistamentos de OVNIs em território norte-americano que precedeu àquelas do século XX. Não se tratava ainda de discos voadores, mas de “naves aéreas”, quase sempre descritas pelas atônitas testemunhas como dirigíveis de algum tipo, muitas vezes ostentando imensos holofotes para iluminar o caminho nas noites escuras. Alguns destes veículos chegaram mesmo a pousar e seus tripulantes – homens de aparência comum falando inglês fluente – até dignaram-se a dar um dedo de prosa com eventuais espectadores. Nunca afirmaram, contudo, que vinham de outro planeta. No máximo, do estado de Nova Iorque.

Se os aeronautas do século XIX pareciam estar tecnologicamente apenas ligeiramente à frente do seu tempo, porque os ufonautas de Adamski, mais de meio século mais tarde, eram tão obviamente “interplanetários”? Talvez porque houvesse ocorrido uma mudança de mentalidade nesse ínterim que tornava necessário um novo enfoque por quem (ou pelo que) quer que seja que esteja por trás do fenômeno OVNI. Colin Bennett aponta para a necessidade de encararmos o fato de que talvez estejamos sendo de fato contatados, mas não por alienígenas bonzinhos ou perversos, e sim por um tipo inimaginável de inteligência que estaria jogando conosco uma espécie de jogo do qual só ela sabe as regras, e mudando-as sempre que achar que atingiu algum dos seus objetivos particulares.

Nesse contexto, os ufonautas teosóficos de Adamski podem não ser mais do que meros fantoches nas mãos de algo que talvez nem seja de origem biológica. Algo que, segundo Bennett, pode estar brincando conosco de modo malicioso, mas não nocivo, divertindo-se imensamente com nossos esforços para entender o contexto de suas piadas engenhosas. Certamente, a visão de alienígenas dotados de um peculiar senso de humor é bem pouco ortodoxa, mesmo no âmbito da ficção científica norte-americana que prefere lidar com conquistadores interestelares no estilo “Independence Day” ou com criaturas bem-intencionadas como o “ET” de Spielberg. Talvez quem tenha chegado mais perto dessa idéia de manipulação psicológica da humanidade por forças desconhecidas sejam os irmãos Strugatskys, autores populares de ficção científica na antiga União Soviética, com o livro “The Time Wanderers” (“Os Errantes do Tempo”).

Bennett sugere que a atitude de Adamski (e de outros presumidos contatados) perante esses ufonautas benevolentes está bem próxima daquela dos nativos das ilhas da Melanésia, no Pacífico, que tiveram contato com as tropas americanas durante a II Guerra Mundial. Vivendo praticamente na idade da pedra, eles imergiram durante alguns anos numa espécie de “realidade virtual” na qual grandes pássaros de metal traziam comida enlatada e outros bens manufaturados produzidos num lugar mágico denominado “Estados Unidos”. Um lugar onde – segundo as fotos mostradas nas páginas de revistas como a “Life” – as pessoas viviam num paraíso de consumo, cercadas de refrigeradores e automóveis reluzentes. Depois da partida dos pracinhas, os nativos começaram a construir pistas de pouso falsas na selva, com cabines de rádio feitas de bambu encimadas por antenas de madeira. Era o início do culto do “cargo”, com o qual os melanésios esperavam atrair de volta os B-29 carregados de mercadorias.

Bennett ilustra essa idéia com uma passagem de “Inside the Space Ships”, quando o ufonauta Ramu descreve para Adamski uma cidade na Lua: “tivemos de construir alguns poucos hangares próximos das cidades pela conveniência em pousar com os suprimentos que trazemos para a população daqui – tudo o que não esteja disponível localmente para suas necessidades. Em troca, eles nos abastecem com certos minerais encontrados na Lua”. Certamente, é uma descrição bem pouco provável das atividades de presumíveis extraterrestres todo-poderosos, mas lembra esta “interpretação” dos melanésios, recolhida por Edward Rice, para as ações incompreensíveis dos pracinhas:

“Antes da guerra, um americano foi transportado muito alto no céu numa rede. Ele veio para Vila [capital de Vanuatu, ilha da Melanésia – N. do T.]. Ele falava sabedoria americana. Nós não entendemos o que ele pretendia, verdadeiro ou falso. Ele ficou de pé sobre algo branco, como um prato. Num minuto, dois minutos, ele foi para a América. Nós não sabíamos seu nome, mas o chamamos de Nabnab, senhor Nabnab, que significa fogo, porque ele sempre estava brincando com fumaça de vulcão em Tanna. Quando o vento sopra aquela nuvem, em algum lugar, ele está sentado sobre aquela nuvem.”

E antes que caiamos na tentação de rir do pobre nativo da Melanésia, Charles Fort, o grande pesquisador de fenômenos inexplicados, nos comunica sua própria perplexidade:

“Eu estou no estado de espírito de um selvagem que encontra numa praia partes flutuantes de um piano e um remo que foi trabalhado por mãos mais rudes do que as dele; algo leve e estival da Índia, e um casaco de peles da Rússia. O grande idealista é o dono da verdade de um local selvagem que pode sustentar, sem sombra de dúvida, que um piano encalhado na praia é o tronco de uma palmeira onde um tubarão, ao morder, deixou seus dentes.”

Certamente que ainda existem muitos destes donos da verdade, tanto no campo científico quanto fora dele, mas, com um universo tão vasto e tão misterioso esperando por nós lá fora, o mínimo que se espera perante ele é uma atitude de sábia humildade.