Entretenimento Educativo

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“O mal que se esconde nos corações humanos? O Sombra sabe.”

Sombra, personagem de HQ, acabou sendo citado pelo gênio da Disney de então, sr. Carl Barks, noutra HQ.

Noutras palavras, como uma frase simples, devidamente acompanhada de ilustrações, serve para levar uma mente a cogitar que o coração humano nem sempre é flor que se cheire.

Ele aprenderá isso através dos sentidos, senão das palavras, melhor ainda do sentido que as palavras expressam, e num mundo que palmilhou passo a passo o expressar-se através da imagem, aprenderá então através da imagem.

“Persistência das imagens no fundo do olho”, havia notado o poeta Lucrécio Caro, dois mil anos antes.

E como sempre, uma coisa leva a outra.

Por volta de 1740 o abade Nollet criou o “pião cintilante”. O abade se inspirara no disco de Newton, cujo propósito inicial era demonstrar que a luz branca deriva de todas as cores. Crianças, velhos e adultos se acotovelavam para ver o pião girando e produzindo vários efeitos cromáticos. Dos cinco sentidos, a retina se refestelava.

Enquanto a nossa percepção (e crença) supõe a linearidade do tempo, a Mente Universal espera pacientemente até que a idéia seja captada. Plateau não teve tanta paciência e chegou a sacrificar sua visão para estabelecer um ponto de vista.

Em dezembro de 1824, o cientista inglês Peter Roget fez o seguinte comunicado: a retina guarda, durante algumas frações de segundo, as sensações luminosas dos objetos vistos em movimento. Como, por exemplo, o girar de uma roda. Outro inglês, Charles Wheatstone, formulou que uma série de breves iluminações permite que se imobilize, em aparência, um objeto em movimento.

Ambos partiram da observação.

Bélgica, 1829: Joseph Antoine Plateau desenvolve o fenacistoscópio. Cabe a esse aparelho a realização da primeira “síntese dinâmica” de várias imagens de um movimento. De acordo com uns, Plateau teria definitivamente estabelecido que a duração de uma imagem na retina é de 1/10 segundo.

A mágica já estava dentro do ser, desde que ele pôs os pés aqui, há milhões de anos. Junto com ele havia um coração.

Na caverna de Altamira, Espanha, há um autêntico salão de arte pré histórico onde uma das figuras apresenta um animal de oito patas. Como a caverna foi descoberta em 1878, época em que muitos curiosos e inventores burilavam o experimento do cinema, chegou-se a conclusão que o animal ali representado é um javali dando a impressão de estar em plena corrida.

Athanasius Kircher e Claude Millet de Charles, jesuítas, nascidos e falecidos no séc. XVII, operando em países diferentes chegaram a mesma conclusão, que se tornaria conhecida como Lanterna Mágica, considerada a avó do cinema.

A Lanterna Mágica passou a ser aperfeiçoada pelo sábio de plantão da vez. Freqüentemente surge mais de um sábio.

Tanto o abade Nollet quanto o belga Etiene Gaspar Robert aperfeiçoaram a Lanterna, que em uma de suas fases tinha uma lâmpada de azeite no interior da câmera escura e por meio de um jogo de lentes projetava as imagens. A mesma passou a ser industrializada e o fabricante mandava um comentário impresso para ser lido durante as projeções. Se hoje o Twiter lança uma promoção para que se faça (ou se componha) um trecho de ópera com 50 caracteres, o departamento de marketing dos fabricantes de Lanterna Mágica no século XIX passaram do breve comentário a adaptações sintéticas de obras literárias, como por exemplo “Robinson Crusoé” e “Paulo e Virgínia”.

Uma vez feita, a obra literária cabe em qualquer lugar. Analisando uma peça de cerâmica encontrada no palácio de Cnossos, Creta, os arqueólogos repararam que a história de Teseu, quando descobriu o labirinto, fora contada do mesmo modo que uma história em quadrinhos.

Justamente nesse ponto da leitura podemos observar que algumas HQs contaram, em narrativas muito bem contadas, os labirintos do ser.

Georges Prosper Remi, Hergé, (1907-1983), também belga, ensinou (e talvez continue ensinando), o mundo pitoresco das aventuras baseadas num esquecido código de comportamento, através de seu personagem mundialmente conhecido como “Tintim”.

Da Lanterna ao cinema ainda tem chão. Se preferir um trocadilho, pode deter-se nessa linha para ler da Lanterna ao Lanterninha.

Emile Reynaud, francês, falecido em 1918, é considerado o pai do desenho animado. Em 1877 ele desenvolveu o praxinoscópio, que grosso modo nada mais era do que um up-grade nas engenhocas concebidas a partir da Lanterna Mágica. Tanto é que, três anos depois, o aparelho de Reynaud já seria batizado de projetor. E uma década mais tarde as suas Pantominas Luminosas eram apresentadas no museu Grevin de Paris. O sonho da imagem em movimento, antiqüíssimo, que encontrara alguma expressão na projeção de sombras - até onde se sabe idealizada no oriente e que se constituía em jogo de sombras, sombras de mão e teatros de sombras, finalmente estava mais próximo de seu propósito maior.

O javali de Altamira é um contável exemplo no mar de tentativas válidas de demonstrar o movimento das imagens que se movimentam inexoravelmente e que durante frações de segundos se fixam em nossas mentes.

Ramsés, (o faraó) solicitou ao artista da vez uma série de imagens entalhadas nas colunas de um templo, cujo propósito seria, ao serem vistas pelo nativo ou pelo forasteiro, transmitir certa sensação de movimento. Em 113 D.C., o senado romano também solicitou ao artista da vez uma coluna dórica, com 23 metros de altura e contendo cerca de 2.500 figuras de cavalos, soldados, armas, insígnias, etc., cuja intenção também era contar uma história. Em se tratando de uma coluna, as imagens davam voltas e voltas, como um rolo de filme.

Esse mesmo senado seria satirizado pela dupla Uderzo e Goscinny com as suas - e porque não dizer um dos best seller das HQs - “As aventuras de Asterix”.

Quadrinhos se movimentam ou, se preferir, tem um movimento próprio.

Assim como a fotografia e a teoria da evolução, a aviação, a máquina de escrever, e parágrafos não dariam conta do recado, o cinema tem um pai oficial, Lumiére (os irmãos), ainda que 153 patentes tenham sido registradas e concedidas em Paris, entre 1890 e 1896. A família Lumiére não era tão numerosa mas seu cinematógrafo era o mais satisfatório. No caso da fotografia, outros pais reivindicaram a patente, inclusive o assistente de Daguerre. Quando Darwin publicou a Teoria da Evolução já havia outra redigida, noutro hemisfério. Quando os ianques falam da história da aviação, não há como colocarem ao menos um parêntese em homenagem ao verdadeiro pai, Santos Dumont.

A Mente Universal lança a idéia. Cabe ao mortal captá-la, manuseá-la, entendê-la e plasmá-la. São outros quinhentos. Ter ou não o próprio nome nela incrustado faz parte do quinto estágio. Nicola Tesla ficou quase meio século em litígio com Marconi pela patente do telégrafo.

O mal que se esconde nos corações humanos pode também levar o nome de vaidade.

Nesse ponto, e em meio a tantos nomes e feitos, chega-se a conclusão de que quem estava realmente entretido era quem tinha alguma educação.

Alguma educação e alguma habilidade. Um pouco dos dois, sem isso não há ensino. O sujeito que rabiscou o javali na caverna de Altamira tinha evidentemente de ser a um só tempo um observador e um desenhista. O gênio da Disney de então (1935), sr. Carl Barks, era autodidata.

Nascido na alvorada do século XX e tendo de caminhar 6 km por dia para se educar numa escola rural, Barks diria mais tarde que “nunca fui mais longe do que meu quintal. Minha prancheta de desenho era meu tapete voador, sempre abarrotada de enciclopédias que ganhava de amigos.” Até chegar aos estúdios Disney, Barks foi fazendeiro, lenhador, torneiro, condutor de mulas, vaqueiro e impressor. Ele estava com 34 anos quando aterrizou na Califórnia, e a vida lhe ensinara que “o humor preserva a sanidade e aumenta a noção de sobrevivência”. (A frase é Charles Chaplin, outro educador que entreteve). Os personagens de Barks mais conhecidos, Pato Donald e Tio Patinhas, transpirariam muito de seu mentor. E inspirariam outros artistas. Spielberg não esconde que alguns de seus filmes tem cenas inspiradas em histórias de Donald e Patinhas.

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A ferramenta ainda não estava há disposição, não totalmente, mas depois que o projetor de Lumiére foi patenteado subiu-se uma oitava em relação a Lanterna Mágica e estava-se mais próximo da transformação do cinema em espetáculo.

Data: 1902. Filme: “Le Voyage dans la Lune” (Viagem à Lua), de autoria do francês Georges Meliés, um misto de pintor, ilusionista, cenógrafo e mecânico, nascido em 1861. Meliés tinha 35 anos quando começou a produzir filmes, e parece que todos os truques do futuro cinema, ou do cinema do futuro, já estavam na sua cabeça. Câmera lenta e acelerada, justaposição de imagens, desenho animado misturado com realidade, miniaturas, neve artificial, Meliés pintou e bordou e descobriu até a chave de ouro da bilheteria: o nu feminino.

Nem “As Sete Bolas de Cristal”, de Hergé (“Tintim”), nem futurista de tempo algum previu a corrida cinematográfica, tanto sua existência quanto sua intensidade, na virada do século XX. A interação das imagens e a troca de informações dava saltos quânticos diários e os alfabetizados podiam, ao menos, ler tiras de jornal ilustradas, sobre, por exemplo, “As Minas do Rei Salomão”, sem nunca na vida ter sequer ouvido falar do assunto. Bastaria, porém, uma primeira vez. Se em pleno século XXI o primarismo das reações humanas nos remetem as cavernas de Altamira, é de se pensar como reagiu a platéia, num segundo instante, após a projeção dos 16 minutos de “Viagem à Lua”.

Truman Capote disse que o lance do artista é transformar sofrimento em arte. Ele não foi o único a perceber isso, nem o primeiro a dizer. Mas encerrou sua carreira literária ao se deparar com o mal que existe dentro do coração humano. Seu último livro gerou filmes, mas já sabemos que filmes, em geral, trilharam um longo caminho do manuseio humano pelo experimento, até que fossem viabilizados.

Numa frágil e temerária linha do tempo exposta no artigo anterior, que vai da percepção de Lucrecio Caro à Lanterna Mágica decorrem aproximadamente 1.700 anos. Da Lanterna ao projetor de Auguste e Louis Lumiére mais 300 anos. Na última década do século XIX tem-se a nítida impressão de que um esforço individual, ou seja, cada qual no seu canto, sem comunicação alguma com seus pares de criação, culmina num esforço internacional para que o cinema acontecesse.

Na Inglaterra, Willian Friese Greene e Willian Dickson (esse último trabalhou para Tomas Edison), na França, Louis Leprince (que desapareceu misteriosamente), na América do Norte, Birt Acres, na Alemanha, Max Skaladanowski, na Itália, Filoteo Alberini. Longa é a lista que se tem notícia, inviável talvez seja a lista real. Esse esforço, genericamente falando, era para viabilizar o cinetoscópio Edison (e genéricos), e sua adequação à percepção humana das imagens por segundo. A partir desse parâmetro, foi num curto período de tempo que a tecnologia se ajustou ao ser, (cerca de 3 anos), e das concebidas 45 imagens por segundo chegou-se nas palatáveis 16 imagens por segundo (cinema mudo).

Em Portugal, a primeira sessão pública de cinema se deu em junho de 1896. Um mês depois o italiano Vitório de Maio leva o omniógrafo para o Rio de Janeiro, pois a máquina é a mesma porém a inclinação humana para batismos variados parece inesgotável.

A “Viagem à Lua”, de Meliés, ocorrerá em 1902 e nessa data Carl Barks estava com alguns meses de vida.

O século XX será, sem sombra de dúvida, taxado de muitos rótulos, valendo então aqui rotular como o século do cinema e dos quadrinhos. Duas formas distintas, embora um tanto primas, de condensar e popularizar informações que antes existiam apenas em bibliotecas.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 15/09/2009
Reeditado em 27/02/2013
Código do texto: T1812035
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