A DOR E A DELÍCIA DE SER MODERNO
A DOR E A DELÍCIA DE SER MODERNO
Os bens materias são imprescindíveis na nossa vida moderna. Será por demais complexo, pedir para alguém, hoje, imaginar sua vida sem a TV em cores, sem o celular, a geladeira frost free, o automóvel, o ar condicionado, os produtos de alimentação prontos para o consumo. Some-se a esta lista, o computador, as comunicações via satélite, a nanotecnologia, os sofisticados equipamentos médico-cirúrgico, as câmeras fotográficas e congêneres, etc., relacionados direta ou indiretamente a todos nós. O controle remoto, esse nosso inseparável adereço de comando dos nossos equipamentos, dispensa comentários. Do mesmo modo, dispensamos comentários por razões óbvias, às sofisticadas armas nucleares que um dia poderão nos destruir a todos, pondo fim (quem duvida?) a humanidade na face da terra.
Evidente está que a ciência e tecnologia caminham juntas e não se fixam em áreas isoladas do conhecimento. Há, como vimos, todo um conjunto de sistemas de informação integrados em nosso redor e isto causa, de certa forma, confusão em nossas cognições pelo excesso de informações geradas. Não obstante uma série de equipamentos que logo se tornam, gradativamente, obsoletos como o fax, a TV analógica, as máquinas de escrever elétricas, a internet discada, os filmes para fotografia, os discos de vinil, o telefone fixo, o BINA (a gente carregava na cinta para receber mensagens antes do celular), os celulares mais simples, dentre outros que cada um pode sugerir.
Nesse contexto, fica claro o domínio quase que total da tecnologia, levando-nos, por momentos, a nos questionar sobre "o que nos restará para fazer" daqui a alguns anos? Ninguém ignora, hoje, que a grande maioria das nossas atividades em casa esteja sob o comando de algum equipamento. O nosso cafezinho é feito na cafeteira elétrica; o nosso banho sai morninho com a ajuda do chuveiro elétrico; o nosso pãozinho sai torradinho graças a tostadeira; o nosso cabelo é seco via secador, chapinha; o nosso sono é ajudado pelo ar condicionado e por aí vai. Some-se o elevador sofisticado que usamos em nosso prédio, as câmeras que ajudam na nossa segurança e os automóveis moderníssimos com ar condicionado, direção hidráulica, air bag, e, principalmente, o caixa eletrônico que nos fornece dinheiro no lugar do banco e outra (no shopping) que até se comunica conosco, etc..
Naturalmente que não estamos mostrando nada novo. Talvez estejamos martelando sobre o óbvio que, por assim ser, precisa de uma revisitada no sentido do "o que nos resta nesse latifúndio?". Nesse viés, foco o grande diferencial dessa prosa: o homem está rodeado de toda a modernidade expressa em utensílios e equipamentos que lhe facilitam a vida, conforme vimos. O problema reside, no nosso entendimento, no interior dele - sua angústia, solidão, tristeza, conflito de gerações, desconfortos, inversão de valores, teorias e práticas de vida em desacordo com as diversas realidades, etc..
A ascensão galopante do capitalismo, o neoliberalismo imposto às nações, especialmente na da América Latina, podem ser importantes para a configuração deste homem chamado de moderno, mas tão cheio de dúvidas sobre si, a vida, o mundo...
Talvez não seja exagero intuir que, dificilmente, a humanidade em 50 anos tenha passado por tamanhas e profundas transformações. Como em um "piscar de olhos", nos deparamos com modos de vida diferentes, especialmente nos aspectos até então tidos como sagrados, como a família. Convivemos atualmente com a família nuclear, diferente daquela em que, provavelmente, nossos avôs conheceram em sua formatação patriarcal. Focamos a família como símbolo de todas as maneiras de pensar, agir e sentir da sociedade nos últimos anos – moderna e cercada de tecnologias, consumista, conflituosa com a liberação sexual e outros costumes próprios e paulatinamente consolidados.
Interessa-nos, especificamente, o homem feliz. Ou não. O homem livre ou não. O homem ético ou não. O HOMEM HOLISTICO! Acima de tudo, instigaria o homem na lógica do custo benefício. Perguntamos: vale a pena tanto progresso tecnológico diante de tanta violência, tanta falta de ética, tanta deterioração dos valores? Vale a pena passarmos duas ou três horas no trânsito e tão pouco tempo com os nossos filhos em casa? Vale a pena viver com expectativa de vida aumentada se, no dia-a-dia, vale mais quem tem dinheiro e amigos influentes no poder? Vale a pena ter casa de campo ou de veraneio na praia, se não há liberdade para curtir a natureza, exceto cercado de seguranças por todos os lados? Vale a pena dispor de tanta tecnologia em saúde se, nos hospitais públicos, os mais necessitados morrem sem atendimento? Vale a pena conviver com grande parte dos cidadãos se locupletando do serviço público como se ético fosse, na lógica do "levar vantagem em tudo"? Vale a pena conviver com pais e mães de família que acham "moda" e "moderno" criar seus filhos sem limites? Vale a pena conviver num país como o nosso tão cheio de instituições viciadas no "jeitinho" e em cujas prisões carcerárias só os pobres têm a lei como regra? Vale a pena conviver num país em que uma emissora poderosa de televisão desvenda todas as falcatruas do governo, mas ele não?
Como não sei se vale, deixo para que cada um faça sua reflexão e chegue às conclusões... Afinal, somos modernos. A despeito disto, convivemos cada dia mais, com pessoas cheias de dificuldades nos seus processos interpessoais. Reclamar da solidão é lugar comum em quase todos os estratos sociais e isto pode representar, guardadas as proporções devidas, a consolidação das "igrejas do mercado da fé". Quanto mais o homem se perde de si mesmo, mais ele busca substrato em crenças nem sempre as mais credenciadas. Nessa mesma linha, os livros de auto-ajuda aumentaram consideravelmente suas vendas e inúmeros autores surgiram.
A impressão é a de que não estávamos preparados para esse “novo tempo”, ou "era do conhecimento". Esta contradição se dá quando diante de nós temos todo um mundo de tecnologias avançadas em nosso favor, convivendo diretamente com um novo homem: geralmente infeliz, preconceituoso, sozinho e cercado de desencontros por todos os lados. Evoluímos muito por fora e involuímos por dentro?
CARLOS SENA, DOS ARRE(DORES) DE BOA VIAGEM, EM RECIFE-PE.