A Arte na Antiguidade: o caso do Egito

A Arte na Antiguidade: o caso do Egito

Telma Bonifacio dos Santos Reinaldo

Mário de Andrade disse uma vez que a arte não é elemento vital, mas sim um elemento de vida. Não nos é imediatamente necessária como comida, roupas, transporte descobrimos nela a constante do supérfluo, do inútil. E para exemplificar a sua afirmativa ele vai dizer que, uma lamina num cabo é uma faca, mas é preciso que o cabo seja esculpido, que a lâmina seja gravada para que a faca, objeto de um trabalho supérfluo exprima o amor e a atenção que o homem consagrou a ela e, se transforme em arte.

Para Aristóteles, o homem é um animal político, mas é também um artista nato visto que desde as suas origens primitivas utilizaram os signos para representar as suas idéias nas paredes das cavernas pré-históricas, signos esses que eram animais ou instrumentos necessários para a sua sobrevivência.

Embora não tenhamos documentos dessa época, a não ser os grafismos encontrados nas paredes das cavernas, a importância do artista das sociedades pré-letradas é a mesma de um Van Eick, pois está comprovado por algumas correntes historiográficas que na atividade artística não há progresso linear e sim representação de estado de espírito e de fatos de um momento dado.

A arte existe em todas as partes do mundo, no entanto para referenciar marcos cronológicos e para revelar tradições de um povo podemos situar um tempo, uma arte e um povo. O objeto desse artigo é enfocar a arte na Antiguidade, mais especificamente no Egito, que para nós reveste-se de grande importância na medida em que, toda a produção artística desse povo nos legou valores sociais, políticos e econômicos de uma sociedade que nasceu sob a égide do monumental, envolvendo nada menos de vinte dinastias num período de 4.000 anos de 3.150 a.C a 1.160 a.C. (Burns, 1977).

A passagem do que se convencionou denominar Pré-História para História propriamente dita caracterizou-se por transformações radicais e pela coexistência de antigas tradições e costumes neolíticos ao lado de novas condições de vida urbana. No caso especifico do Egito, a maioria da população (felás) desenvolveu uma existência tradicionalmente fixa indiferentes as mudanças que ocorriam ao seu redor, preservando assim suas tradições e ritos.

Na visão marxista, a alteração decisiva encontrada nessa sociedade, consiste no fato de a produção primaria deixar de constituir a ocupação principal e historicamente progressiva e passar antes a ser uma forma de atividade subsidiaria do comercio e da indústria manual. Tais mudanças se justificam a partir do desenvolvimento das forças produtivas e da concentração de poder nas mãos de poucos, resultando em uma nova divisão de trabalho.

O antigo camponês que acreditava em deuses e espíritos, criador de imagens decorativas e jóias, foi obrigado a tornar-se especialista e a produzir para sua subsistência. Entre o Estado e a Religião, os dois esteios da civilização egípcia, o liame era tão forte que nos vemos embaraçados para dizer que a arte egípcia se consagra mais a realeza do que a religião.

Longe de se oporem, os dois caracteres se interpenetram: o rei deus dominando a vida religiosa e os sacerdotes influenciando as decisões da instituição monárquica. Sob o Antigo Império, o rei, proprietário universal concede a quem lhe apraz tanto o terreno quanto os materiais necessários a edificação do tumulo, do templo e dos palácios. É nestas condições que a arte evoluiu refletindo o desenvolvimento monárquico, criando modelos e ritos de estado, fixando tradições e grandes estilos artísticos.

Explica-se assim que em épocas de culminância política a arte egípcia acompanhe o apogeu da monarquia faraônica, visto que estão dispostos recursos abundantes devido o bom funcionamento da maquina estatal advinda da exploração das províncias exteriores, contribuindo para a melhoria do esforço estético. No entanto, nos períodos chamados de “intermediários”, de anarquia e de invasão notadamente dos hicsos, dos persas e dos assírios a produção artística enfraqueceu e declinou o seu valor devido o afrouxamento político e social bem como a ruptura das tradições nacionais.

Nestas condições a arte egípcia evoluiu no ritmo da sua história política e econômica, notadamente a arquitetura, onde os grandes templos e tumbas representaram a grandeza de cada época. Percebe-se alguns modelos denominados “protodóricos’, sem base e com o tronco sulcado de caneluras, com o capitel muito simples, evocando um tipo de construção que os gregos utilizarão posteriormente, cujo aspecto plástico exterior apresenta um feixe de hastes, finalizando com uma flor de lótus ou de papiro.

Já a escultura tendo atingido um notável grau técnico, realiza estatuas e estelas nas paredes dos túmulos cujos temas retomados durante séculos como o rei, os deuses, a esfinge, o defunto e sua família, a oferenda a divindade, as cenas do cotidiano encontram-se fixadas através de convenções relativas a representação do corpo humano , das atitudes e dos seus atributos. Na verdade a arte intimamente ligada as concepções religiosas e ao poder do faraó, com características colossais e tentando representar a força e o poder da monarquia entra em contraste com a espontaneidade e a despreocupação diletante da arte anterior.

Sob alguns aspectos podemos considerar a arte egípcia do Antigo Império como a mais perfeita de toda a civilização. Nesse período a arquitetura deu seu passo decisivo quando abandona o emprego do tijolo cru, na construção dos grandes monumentos, substituindo-o pela pedra, primeiro o calcário que é utilizado em pequenos cortes, depois blocos cada vez maiores e a utilização de pedras mais duras como o granito e o basalto.

É na construção das pirâmides que o progresso se dá de forma mais rápida, em cada reinado um novo complexo funerário se iniciava e a experiência adquirida anteriormente contribuía para progressos rápidos na arte de construir. Aparecem escultores e pintores tão hábeis como os arquitetos que trabalham tanto para particulares quanto para o rei e sua família. O templo funerário de Quéfren forneceu por si só dezessete estatuas do rei maiores que o tamanho natural, utilizam pedras duras e de grande porte sem que a destreza dos artistas seja minimamente prejudicada.

As estatuas de particulares, menores e material menos duros e testemunham igual maestria dos artistas do Antigo Império, que são hábeis tanto em trabalhos planos quanto de alto relevo. A partir da 5ª Dinastia, túmulos de particulares, calçadas de pirâmides e paredes de templos solares são decorados com baixos-relevos, pintados em cores vivas e harmoniosas.

As artes menores são mal conhecidas e a perfeição das técnicas leva-nos a imaginar que os egípcios conheciam não apenas o ferro, mas também o aço, embora a literatura nos diga que nesse período os escultores não usavam ferramentas metálicas e sim cinzéis de pedra. Até a 6ª Dinastia a arte egípcia conserva as qualidades que fizeram a grandeza do Império Antigo, contudo as condições políticas novas vão pouco a pouco provocando uma evolução no campo das artes, chamada de provincianização , iniciada com o Faraó Merenré, quando cada “nomo” passa a ter uma escola aristica, os artífices destas pequenas províncias não possuem o virtuosismo dos aristas menfitas, mas as uas obras , sobretudo as pinturas murais tem a espontaneidade que faltou, por vezes, as obras do Antigo Império.

A combinação da regularidade geométrica e a profunda observação da natureza é a característica marcante dessa época, no entanto, o trabalho desenvolvido não objetivava o deleite de uma clientela ociosa e sim possuía o caráter místico, simbólico de preservação da vida, onde o método do artista assemelhava-se mais ao do cartógrafo do que do pintor como destaca Gombrich (1978:34).

Entre as características básicas da arte nessa época destaca-se a objetividade, o realismo, o equilíbrio e a estabilidade, ainda assim o artista deveria obedecer a uma serie de leis tais como:

i) a estatua sentada deveria ter as mãos sobre os joelhos;

ii) os homens eram pintados com uma cor mais escura do que as mulheres;

iii) a aparência de cada deus egípcio era rigorosamente estabelecida: Hórus, o deus-sol era representado por um falcão, Anúbis por um chacal, etc...

Arnould Hauser (1992) afirma que “o conservantismo e o convencionalismo da arte egípcia são típicos do caráter racional do povo egípcio e que estas características constituem antes um fenômeno historicamente condicionado que se modifica a medida que evolui a situação no seu conjunto”. Com a ascensão da aristocracia feudal ao poder desenvolveu-se uma arte cortesã fundamentada na religião, possibilitando o aparecimento de novas formas de expressão artística supra-individuais que deviam sua grandeza e esplendor ao rei, esta civilidade pueril traduz regras de conduta e código moral que detém maior importância do que tudo aquilo que o individuo possa sentir, pensar ou querer e exige do artista o esforço na reprodução da realidade como ela se apresenta, mas também de acordo com as convenções consideradas sagradas.

A função representativa das obras de arte do Médio Império reflete a aparência ideal inerente ao rei e para isso seus súditos tentam provocar uma impressão solene, onde tudo gira a volta de sua pessoa, como centro de um sistema solar, com objetivo de outorgar a fama e a glória ao faraó. As desigualdades sociais inerentes ao Médio Império não se alteram até o advento do Novo Império, que emergiu da balburdia provocada pela invasão dos hicsos, resultando novas formas de pensar e produzir arte no território egípcio.

A produção artística do Novo Império se caracteriza por uma nova sensibilidade baseada no amor a verdade e um sensualismo que conduziriam a uma espécie de impressionismo na arte egípcia. O homem que abalou a solida base do antigo estilo egípcio foi Amenofia IV, o faraó herético, assim considerado porque rompeu com costumes aureolados pela antiga tradição, abolindo o culto aos antigos deuses de seu povo instaurou o monoteísmo ao deus Aton, representado pelo disco solar e intitulou-se seu representante terreno (Akhnaton), instalou-se em El Amarna buscando distanciar-se da fúria dos sacerdotes antigos.

Toda a produção artística desse momento encontra-se despida de rigidez e formalismo anterior, representa antes de tudo cenas do cotidiano e procura demonstrar a fragilidade humana luta contra as tradições artificiais e vazias de sentido. Mas toda essa mudança dura pouco, seu sucessor não assegurou sua continuidade e forma restauradas as antigas crenças e formas artísticas.

Não obstante a tendência naturalista da época segundo Hauser (1992), esta arte continua a ser cortesã, senhorial, destinada servir ao rei e sua corte, segundo as orientações das classes superiores que nada tinham com as preferências dos artistas de classe popular, isso significa que nem o povo, nem a classe média mais abastada influíam na produção da arte egípcia, na medida em que pudesse concorrer ao gosto e aspiração das classes mais elevadas.

Por esta razão, nunca se produziu no Egito Antigo uma “arte popular”, o que se pode distinguir são dois estilos considerados, um convencional, cerimonial e monumental ao lado de outro mais espontâneo, menos rígido e natural, ambos diferenciavam não segundo a consciência de classe do artista, que era incapaz de dar expressão a essa consciência; nem pela consciência de classe do publico que vivia sob a influencia da corte e da camada sacerdotal, resultava assim que a arte era produzida segundo o critério real ou seja na esfera da corte e do rei em Menfis, Tebas ou El Amarna que foram os centros dinâmicos do poder.

Concluindo podemos dizer que uma interpretação unilateral não bastaria para explicar o significado da arte egípcia, seus fins variados e os seus ideais que propunham representar mudavam com as variações da historia política e socioeconômica. Exprimia em geral as aspirações de uma vida nacional coletivizada, não era a arte pela arte, nem servia para comunicar as reações individuais em face aos problemas do mundo pessoal.

Contudo houve época em que formam destruídas as convenções e coube a supremacia de uma arte individual e espontânea, sensível a beleza de uma flor ou ao idealismo de um rosto moço. Poucas vezes foi inteiramente abafado o talento do artística egípcio pois até a rigidez da arquitetura oficial era suavizada por toques de naturalismo, colunas imitando troncos de palmeiras; capitéis de flores de lótus e assim por diante.

Tanto no Antigo, Médio ou Novo Império os problemas de edificação absorveram o talento dos artistas, tendo a pintura e a escultura representada uma função primaria de embelezar os templos. Exemplos maiores da arte egípcia foram as Pirâmides que não possuíam qualidade estética, mas sim colosso e magestosidade do reino e de seus governantes. Percebe-se que a produção artística do Egito antigo desenvolveu-se paralela a evolução política desse povo e as transformações socioeconômicas inerentes a qualquer civilização, caracterizando-se por momentos de conservadorismo, intercalado por fases de humanismo e naturalismo, muito embora estivesse sempre nas mãos das classes sociais privilegiadas.

REFERENCIAS

BURNS, E.M. Historia da Civilização Ocidental. Porto Alegre:Globo,1997.

GOMBRICH,E.H. A Historia da Arte. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.

HAUSER,A. Historia Social da Literatura e da Arte.São Paulo:Mestre Jou,1968.