O MILAGRE DA PARTILHA

Na linguagem jurídica, quando se fala em partilha, normalmente se entende a partilha dos bens em inventários. Na partilha supõe-se que haja algo a ser repartido em partes, portanto partilhado, dividido em partes e distribuído a diversas pessoas. Em analogia a esta partilha jurídica há outras situações de partilha. Nesta reflexão não nos interessam questões jurídicas de partilha, e sim a formação de uma consciência de partilha. Por isto, o que nos pode sugerir o conceito “partilha” que queremos comentar? Para tentar explicar isto, recorro a um exemplo conhecido de todos os cristãos: o exemplo da partilha, único sinal maravilhoso narrado pelos quatro evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João: “o milagre da multiplicação dos pães”. Em sentido mais realístico, este fato deveria ser denominado de “milagre da partilha”, ou “o sinal maravilhoso da partilha”. Pois, vejam: uma multidão, que ouvira os ensinamentos de Jesus de Nazaré durante toda a tarde, ao fim do dia está cansado e com fome. Os discípulos de Jesus pedem que ele mande a multidão para casa, mesmo faminta. Mas o Mestre de Nazaré pergunta, não há nada para alimentar esta gente? Os discípulos sabem apenas que ali se encontra uma criança com um pouco de pão e alguns peixes. Diante desta informação, Jesus pede aos discípulos que organizem a multidão em grupos de cinqüenta e os façam sentar na relva. Os discípulos se demonstraram perplexos, onde estaria o alimento que o Mestre haveria de distribuir a tanta gente? E, com surpresa, ouvem dele: “dai-lhes vós mesmos de comer”. E aconteceu que todos se saciaram. E, ao final, Jesus pede a seus discípulos que recolham os restos. E a narração diz que ainda sobrou muita coisa.

A muitos hoje parece haver pouca comida para tanta gente no planeta terra. Mas a multidão, organizada em grupos, pode ser saciada, e ainda sobrará comida. Contudo, esta comida não cairá do céu, ela deverá ser distribuída (partilhada) pelos próprios homens. e sem desperdício, pois, ao final, as sobras devem ser recolhidas. De fato, na terra existem alimentos suficientes para todos os homens. Mas, para que estes alimentos cheguem a todos é preciso que os homens se organizem, queiram partilhá-los solidária e fraternalmente. O que deve ser assumido pela humanidade. Isto supõe que os homens sejam educados para a partilha. Que se organizem adequadamente, e estejam dispostos a se sentarem em grupos, participando assim da refeição coletiva em paz e harmonia.

Se queremos entender o que é partilha, parece-me que basta este exemplo da história cristã. Não se trata apenas da partilha dos bens materiais, mas de todos os dons que fazem parte da dimensão humana. Nada do que é humano pode permanecer estranho a qualquer cidadão, e deixar de ser objeto de partilha. E o que deveria ser partilhado nas comunidades? Certamente valores, como: trabalho em equipe, gosto pelo desempenho profissional, honestidade, competência, iniciativa e engajamento. Naturalmente, para que haja satisfação de todos na comunidade é evidente que o ser humano seja considerado a principal riqueza. Como dizia Marx, o maior capital do homem é o próprio homem. Somente quando todos os que fazem uma comunidade tiverem condições satisfatórias se atingirá o desenvolvimento satisfatório do ser humano. Isto vale para todas as categorias sociais. Por detrás da participação de todos, deverá se encontrar uma “filosofia da partilha”: partilha do Saber, partilha do Poder, partilha do Ter.

- A partilha do Saber permite o desenvolvimento pessoal e profissional e espiritual de cada um.

- A partilha do Poder se traduz em que cada um possa assumir sua missão com responsabilidade autônoma, e expressar-se sobre o andamento da comunidade.

- A partilha do Ter se manifesta nos trabalhos em equipe, e dá valor às vitórias coletivas. Deve-se criar um ambiente de auto-estima nos diversos setores da comunidade. A vitória de um deve ser prestigiada como a vitória de todos..

E se perguntamos como os homens de hoje partilham o saber, o poder e o ter constatamos imediatamente que o espírito de partilha anda muito fragilizado. Quantos ainda não têm acesso aos conhecimentos científicos, que deveriam ser compartilhados com toda a humanidade para salvar vidas, acabar com a miséria, e minimizar sofrimentos inúteis. Por outro lado, muitos conhecimentos apenas servem para partilhar o mal, promovendo guerras e mortes... Por isto, ainda existe um longo caminho para que se crie na humanidade o espírito de partilha, para que cada vez mais pessoas possam ter acesso aos bens de nossa cultura: educação, saúde, alimentação, habitação digna. Também hoje somos chamados a organizar as massas famintas para que aconteça o “milagre da partilha”.