OS MILAGRES DE DOM HELDER

Segundo o Evangelho de São João, Jesus não fez milagres, mas deu sinais de seu poder divino. Se os cristãos seguissem este evangelho, com mais fidelidade, não estariam esperando que Deus, ou seus santos, a toda a hora realizassem milagres (mirabilia), i.é, coisas maravilhosas. E entenda-se que, na mentalidade popular, coisas maravilhosas (milagres) são alterações das leis normais da natureza e de nossas vidas. Para Deus, no entanto, o verdadeiro milagre é a conservação das leis da criação. Pois, Deus, segundo a verdadeira fé, criou o mundo com sabedoria e, depois de o ter criado, reconheceu que era bom. Portanto, as leis inerentes à natureza são boas e maravilhosas. São o milagre visível de Deus. Por isto, não esperemos que Deus altere, a toda a hora, as leis que ele mesmo criou. A missão do homem nesta vida é reconhecer estas leis, orientando-se por elas. Na medida em que fizermos isto, nos abriremos para os milagres da criação. E neste mundo criado existem Leis de Deus para tudo. O homem, por sua vez, possui a razão para desvendá-las, o coração para senti-las, amá-las e agir de acordo com elas. Nisto consiste o verdadeiro milagre. E ele acontece todos os dias, no dia-a-dia de nossas vidas. De resto, tudo o que é necessário às nossas vidas deve ser assumido pelos próprios homens. Assim, os médicos estão encarregados de realizarem coisas maravilhosas, curando os doentes; os sociólogos, economistas e políticos devem organizar adequadamente a sociedade; os psicólogos cuidam da saúde psíquica; os mais experientes na fé (os presbíteros) e os filósofos orientam espiritualmente a humanidade. Estas capacidades que Deus deu ao homem produzem os verdadeiros milagres, agradáveis a Deus.

Mas, o que tudo isto tem a ver com Dom Helder.

Dom Helder foi um homem de Deus, um sábio, um profeta, um orientador espiritual, procurando viver sua vida de acordo com as leis de Deus. E, segundo ele, se todos os homens vivessem de acordo com as leis de Deus haveria justiça, paz e dignidade humana por toda a terra. Depois de sua morte, mais perto de Deus, estará ainda mais maravilhado com a sabedoria e a bondade das Leis de Deus. E, com certeza, em sua humildade de criatura de um Deus tão maravilhoso não se atreveria de pedir ao Criador que Ele alterasse a constância de suas Leis, expressas na natureza. O seu desejo certamente será que os homens cuidassem de compreender de maneira cada vez mais profunda a maravilha das leis da criação, para se orientarem por elas. Por isto, não esperemos de Dom Helder que ele faça milagres no sentido popular. Ele não vai curar varizes, nem engravidar mulheres; não vai extirpar tumores cerebrais, nem acabará “milagrosamente” com a miséria, com as injustiças, as torturas e os homicídios. Isto deve ser realizado pelos homens nesta terra, pelos médicos, os juízes, os políticos, por todos nós, respeitando as leis de Deus presentes à toda a criação.

Olhemos como Dom Helder agiu em sua vida terrena. Não pediu “milagres” a Deus, mas responsabilizou os homens pelo que anda errado neste mundo. Quis um mundo sem miséria, um mundo sem injustiças, um mundo sem opressões para que em todo homem se refletisse a imagem de Deus, segundo a qual fomos criados. Dom Helder nos deixou o exemplo da indignação perante as atrocidades e misérias causadas pelos homens aos próprios homens. O grande milagre que Dom Helder está realizando é o crescimento da consciência crítica e da consciência de responsabilidade de cada vez mais pessoas para se engajarem na superação de tudo aquilo que impede as pessoas de louvarem a Deus pelas maravilhas de sua criação, e pela sabedoria de suas leis, guias seguras em nossa vida terrena. Não peçamos outros “milagres” a Dom Helder, pois junto a Deus ele o louva por suas sábias leis, que Ele não muda, mas possibilita que a razão humana as entenda e se oriente por elas.