MARCOS HISTÓRICOS CURIOSOS DO BRASIL COLONIAL (PELOURINHO. MARCO DE LÉGUA. MARCO FÁLICO)
Sérgio Martins PANDOLFO*
“O passado preservado alimenta o viver presente e amplia os horizontes do porvir”. SerPan
Marco assaz representativo desses tempos coloniais era o pelourinho, que perdurou em utilização até o final do iníquo período da escravidão negra em nosso País. Nele se infligia castigo aos que infringiam as leis.
Em virtude de sua importância exponencial no dia-a-dia das sociedades daquela época, eis que servia como símbolo da autonomia municipal e da justiça, o pelourinho erguia-se soberbamente na praça principal da vila ou cidade – a simbolizar esta condição -, de ordinário à frente dos paços. “Levantar pelourinho” valia dizer receber foral de vila. Legalmente, para que tal ocorresse, fazia-se mister o real consentimento.
O pelourinho consistia, pelo geral, em coluna de pedra ou de madeira, no mais das vezes artisticamente esculpida e ornamentada com os símbolos reais, da colônia e/ou da vila (ou cidade), fincada a prumo, às vezes sobre pedestal baixo, estagiado em degraus. O preso era a ele atado pela cintura e cingido ao pescoço por uma gargalheira (espécie de coleira de ferro), para expô-lo à vergonha, açoitá-lo ou deixá-lo sujeito à execração pública ou vilipêndio. Algumas vezes o mastro principal era provido, no cimo, de um capitel, ou de peça transversal, à moda de cruz, a fim de servir, também, de suporte para o enforcamento dos condenados, ou, então, de uma roda de madeira e ferro, com abertura para os membros e cabeça, que girava sobre um fulcro, à qual o infeliz era atado e posto a rodar, por vezes tão célere e demoradamente, que amiúde redundava em morte do apenado.
Nessas verdadeiras torres de seviciamento eram justiçados bandidos de má catadura, criminosos contumazes ou que perpetravam crimes hediondos, mas também os que cometiam “crimes” políticos graves, escravos fujões ou insubmissos, e enforcados os condenados à morte. Triste realidade das severas leis dantanho.
Mas para além dessas situações de atrocidades, o pelourinho tinha outras serventias sociais de monta, como a fixação de éditos reais, decisões das autoridades comunais a pleitos dos cidadãos ou informações de interesse da comunidade, por isso que localizavam-se sempre em frente ao edifício da câmara, ou na praça principal.
Alguns desses monumentos de tortura eram de tal forma imponentes, rebuscados de adornos e ornatos brasonados, que ofuscavam os demais prédios da comunidade, ou tamanha era a assiduidade de sua utilização, que acabavam por dar nome ao local: Largo ou Praça do Pelourinho, ou, como em Salvador, na Bahia, tão-somente Pelourinho (conquanto ele próprio já lá de há muito não mais esteja), a nomear quadra tão importante do Centro Histórico, que é quase o “ex-libris” da capital baiana. A imponência e sofisticação do conjunto estavam, quase sempre, ligadas à importância e florescência da sede da comuna. Em Portugal, por exemplo, os pelourinhos,de estilo românico, gótico, manuelino ou renascentista, constituem exemplares de admirável valor artístico.
O notável arquiteto bolonhês Antonio José Landi, que “imprimiu forma e feição à arquitetura institucional civil e eclesiástica da Belém setecentista” – a redizer Mártires Coelho, foi o projetista de alguns desses melancólicos monumentos, como o da vila de Borba, no Amazonas, e o de Belém do Pará (1757), este último magistralmente trabalhado por artesãos indígenas, com soberbos entalhes em peça nobre de pau d’arco e na forma de coluna dórica. Hoje constituem raridade nas cidades brasileiras, mandados retirar – quem sabe? - por autoridades tocadas por súbito sentimento de remorso ou de revolta (V. imagens em Fotos neste Site do Escritor).
Havia também os marcos de légua, delimitadores do termo (área) das cidades, pelo geral estipulado em léguas patrimoniais, via de regra estabelecido pelo foral de criação do núcleo populacional. Em Portugal, os marcos de légua mais conhecidos são do séc. XVIII, da Rainha D. Maria I. (V. foto ao alto da página)
Belém ainda conserva seu primeiro Marco da Légua, de bela confecção em pedra granítica, assentado no canteiro central da Av. Almirante Barroso, quase à esquina do Boulevard Dr. Freitas, que deu nome, mais tarde, ao modelar bairro residencial belenense criado na intendência Antonio Lemos.
Como é sabido, a capital parauara, fundada em 1616 sob o nome de Feliz Lusitânia pelo capitão-mor Francisco Caldeira de Castelo Branco, teve rápida expansão e já em 1628 a Câmara de Santa Maria de Belém do Grão-Pará tomava posse, a 29 de março, de sua primeira légua patrimonial, tendo sido colocado marco assinalatório no limite de seu termo. Por ocasião do tricentenário da posse – 29 de março de 1928 – tal marco, devidamente restaurado e com acréscimos ornamentais mandados realizar pela intendência municipal (prefeitura), presidida pelo intendente Antônio Crespo de Castro – era governador do Estado o Dr. Dionísio Auzier Bentes -, foi solenemente reassentado e inaugurado. A lamentar, esse belo monumento escultórico e de grande importância para nossa história, tombado pelos patrimônios municipal e estadual, está hoje parcialmente ocultado pelos gradis de ferro da ciclovia da Av. Almirante Barroso, e pouca gente dele se apercebe ou lhe conhece o significado, além de exibir sinais evidentes de desleixo de sua conservação. Apegado a ele, a comuna belenense fez chantar, em data que desconhecemos, um marco em forma de falo humano (marco fálico), de que nos ocuparemos a seguir, ignorando-se o local de onde terá sido removido.
O marco fálico é um dos mais curiosos - pitoresco mesmo - da tradição portuguesa que nos chegou, e estava ligado simbolicamente, pelo geral, ao nascimento de filhos varões nas famílias de nobres e fidalgos. Trata-se de representação do membro viril, símbolo da fecundidade, da reprodução, para os antigos, esculpido em pedra granítica ou marmórea (mormente lioz), de proporções variáveis, oscilando a altura de 1 m a 1,5 m e faziam-no fixar às proximidades ou em um dos cantos do imóvel residencial da família aquinhoada com o rebento varonil, que era, muita vez, a garantia da sucessão da nobre estirpe familiar. Em nossa cidade ainda se pode ver, além do já aludido no parágrafo precedente, um outro no ponto esquinado pela rua Dr. Assis com a Trav. Dom Bosco, apenso ao imóvel conhecido como “Palacinho”, na Cidade Velha, não se sabendo que personalidade, ao nascer, ensejou, ali, sua colocação.
Nota: Na foto ao alto da página vê-se anteriormente locado e de menor tamanho o marco fálico e um pouco mais atrás o marco da légua de Belém-PA.
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(*) Médico e Escritor - SOBRAMES/ABRAMES
serpan@amazon.com.br - sergio.serpan@gmail.com - www.sergiopandolfo.com
Sérgio Martins PANDOLFO*
“O passado preservado alimenta o viver presente e amplia os horizontes do porvir”. SerPan
Marco assaz representativo desses tempos coloniais era o pelourinho, que perdurou em utilização até o final do iníquo período da escravidão negra em nosso País. Nele se infligia castigo aos que infringiam as leis.
Em virtude de sua importância exponencial no dia-a-dia das sociedades daquela época, eis que servia como símbolo da autonomia municipal e da justiça, o pelourinho erguia-se soberbamente na praça principal da vila ou cidade – a simbolizar esta condição -, de ordinário à frente dos paços. “Levantar pelourinho” valia dizer receber foral de vila. Legalmente, para que tal ocorresse, fazia-se mister o real consentimento.
O pelourinho consistia, pelo geral, em coluna de pedra ou de madeira, no mais das vezes artisticamente esculpida e ornamentada com os símbolos reais, da colônia e/ou da vila (ou cidade), fincada a prumo, às vezes sobre pedestal baixo, estagiado em degraus. O preso era a ele atado pela cintura e cingido ao pescoço por uma gargalheira (espécie de coleira de ferro), para expô-lo à vergonha, açoitá-lo ou deixá-lo sujeito à execração pública ou vilipêndio. Algumas vezes o mastro principal era provido, no cimo, de um capitel, ou de peça transversal, à moda de cruz, a fim de servir, também, de suporte para o enforcamento dos condenados, ou, então, de uma roda de madeira e ferro, com abertura para os membros e cabeça, que girava sobre um fulcro, à qual o infeliz era atado e posto a rodar, por vezes tão célere e demoradamente, que amiúde redundava em morte do apenado.
Nessas verdadeiras torres de seviciamento eram justiçados bandidos de má catadura, criminosos contumazes ou que perpetravam crimes hediondos, mas também os que cometiam “crimes” políticos graves, escravos fujões ou insubmissos, e enforcados os condenados à morte. Triste realidade das severas leis dantanho.
Mas para além dessas situações de atrocidades, o pelourinho tinha outras serventias sociais de monta, como a fixação de éditos reais, decisões das autoridades comunais a pleitos dos cidadãos ou informações de interesse da comunidade, por isso que localizavam-se sempre em frente ao edifício da câmara, ou na praça principal.
Alguns desses monumentos de tortura eram de tal forma imponentes, rebuscados de adornos e ornatos brasonados, que ofuscavam os demais prédios da comunidade, ou tamanha era a assiduidade de sua utilização, que acabavam por dar nome ao local: Largo ou Praça do Pelourinho, ou, como em Salvador, na Bahia, tão-somente Pelourinho (conquanto ele próprio já lá de há muito não mais esteja), a nomear quadra tão importante do Centro Histórico, que é quase o “ex-libris” da capital baiana. A imponência e sofisticação do conjunto estavam, quase sempre, ligadas à importância e florescência da sede da comuna. Em Portugal, por exemplo, os pelourinhos,de estilo românico, gótico, manuelino ou renascentista, constituem exemplares de admirável valor artístico.
O notável arquiteto bolonhês Antonio José Landi, que “imprimiu forma e feição à arquitetura institucional civil e eclesiástica da Belém setecentista” – a redizer Mártires Coelho, foi o projetista de alguns desses melancólicos monumentos, como o da vila de Borba, no Amazonas, e o de Belém do Pará (1757), este último magistralmente trabalhado por artesãos indígenas, com soberbos entalhes em peça nobre de pau d’arco e na forma de coluna dórica. Hoje constituem raridade nas cidades brasileiras, mandados retirar – quem sabe? - por autoridades tocadas por súbito sentimento de remorso ou de revolta (V. imagens em Fotos neste Site do Escritor).
Havia também os marcos de légua, delimitadores do termo (área) das cidades, pelo geral estipulado em léguas patrimoniais, via de regra estabelecido pelo foral de criação do núcleo populacional. Em Portugal, os marcos de légua mais conhecidos são do séc. XVIII, da Rainha D. Maria I. (V. foto ao alto da página)
Belém ainda conserva seu primeiro Marco da Légua, de bela confecção em pedra granítica, assentado no canteiro central da Av. Almirante Barroso, quase à esquina do Boulevard Dr. Freitas, que deu nome, mais tarde, ao modelar bairro residencial belenense criado na intendência Antonio Lemos.
Como é sabido, a capital parauara, fundada em 1616 sob o nome de Feliz Lusitânia pelo capitão-mor Francisco Caldeira de Castelo Branco, teve rápida expansão e já em 1628 a Câmara de Santa Maria de Belém do Grão-Pará tomava posse, a 29 de março, de sua primeira légua patrimonial, tendo sido colocado marco assinalatório no limite de seu termo. Por ocasião do tricentenário da posse – 29 de março de 1928 – tal marco, devidamente restaurado e com acréscimos ornamentais mandados realizar pela intendência municipal (prefeitura), presidida pelo intendente Antônio Crespo de Castro – era governador do Estado o Dr. Dionísio Auzier Bentes -, foi solenemente reassentado e inaugurado. A lamentar, esse belo monumento escultórico e de grande importância para nossa história, tombado pelos patrimônios municipal e estadual, está hoje parcialmente ocultado pelos gradis de ferro da ciclovia da Av. Almirante Barroso, e pouca gente dele se apercebe ou lhe conhece o significado, além de exibir sinais evidentes de desleixo de sua conservação. Apegado a ele, a comuna belenense fez chantar, em data que desconhecemos, um marco em forma de falo humano (marco fálico), de que nos ocuparemos a seguir, ignorando-se o local de onde terá sido removido.
O marco fálico é um dos mais curiosos - pitoresco mesmo - da tradição portuguesa que nos chegou, e estava ligado simbolicamente, pelo geral, ao nascimento de filhos varões nas famílias de nobres e fidalgos. Trata-se de representação do membro viril, símbolo da fecundidade, da reprodução, para os antigos, esculpido em pedra granítica ou marmórea (mormente lioz), de proporções variáveis, oscilando a altura de 1 m a 1,5 m e faziam-no fixar às proximidades ou em um dos cantos do imóvel residencial da família aquinhoada com o rebento varonil, que era, muita vez, a garantia da sucessão da nobre estirpe familiar. Em nossa cidade ainda se pode ver, além do já aludido no parágrafo precedente, um outro no ponto esquinado pela rua Dr. Assis com a Trav. Dom Bosco, apenso ao imóvel conhecido como “Palacinho”, na Cidade Velha, não se sabendo que personalidade, ao nascer, ensejou, ali, sua colocação.
Nota: Na foto ao alto da página vê-se anteriormente locado e de menor tamanho o marco fálico e um pouco mais atrás o marco da légua de Belém-PA.
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(*) Médico e Escritor - SOBRAMES/ABRAMES
serpan@amazon.com.br - sergio.serpan@gmail.com - www.sergiopandolfo.com