A ilegitimidade da lei antifumo
Seguindo o mau exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro, o estado do Paraná, ao que tudo indica, também adotará a famigerada lei antifumo que, entre outras coisas, proíbe a existência de fumódromos nos espaços coletivos e estabelece punições ao proprietário que não coibir o fumo em seu estabelecimento. É preciso, pois, perguntar: tem o Estado o direito de decidir a política tabagista que o dono de um bar (por exemplo) deve adotar? Com base em que princípio pode uma tal interferência ser justificada?
Alegam-se basicamente duas razões em favor da lei antifumo.
1. Os fumantes passivos seriam protegidos da agressão dos fumantes que, ao expelirem a fumaça de seus cigarros, praticariam uma coerção ilícita sobre aqueles que não desejam fumar (passivamente). Ser obrigado a absorver substâncias expelidas por outrem parece uma boa razão para impedir a ação do fumante ativo.
2. Os gastos públicos com a saúde diminuiriam, pois a lei produziria a redução do consumo de cigarros e a consequente redução das doenças associadas ao tabagismo. Essa segunda razão procuraria passar a seguinte ideia. Uma vez que é a sociedade quem acabava pagando a conta das pessoas que não cuidam de sua saúde, deveria então o Estado estabelecer leis para que a saúde se tornasse uma preocupação consequente dos indivíduos.
Essas razões, contudo, não são boas. A primeira razão pode ser facilmente contestada. A lei somente se justificaria se seu escopo se restringisse a locais cuja propriedade é estatal, como repartições públicas. Não se pode confundir um recinto coletivo com um espaço estatal. Um recinto coletivo, como um bar, continua sendo uma propriedade privada. Ora, nesse caso, o argumento em favor da lei é inválido. A lei representa uma clara agressão ao direito à propriedade. Com efeito, a lei nega ao proprietário de um estabelecimento privado a liberdade de determinar a política tabagista que achar conveniente para o seu negócio. Ademais, ninguém é obrigado a entrar num bar em que fumar é permitido e tampouco existe um direito individual de entrar num determinado bar. Se alguém entra num bar em que o dono permite o fumo, a pessoa não tem qualquer direito de reclamar (juridicamente).
A segunda razão, sobre os gastos públicos com a saúde, não é boa. Se é descabido pensar em leis punitivas aos diabéticos refratários às suas devidas dietas alimentares, igualmente é descabido pensar em leis punitivas aos fumantes. Por acaso seria desejável uma lei contra os diabéticos que negligenciam as prescrições de seus endocrinologistas? Não só não seria desejável, como seria ilegítima, pois representaria uma compreensão segundo a qual os indivíduos não são responsáveis por suas vidas. Seria ilegítima, pois estaria baseada numa visão segundo a qual o Estado é detentor de um conhecimento privilegiado sobre o que é bom ou mau para a vida de uma pessoa. Ora, preferir o prazer à saúde não é um ato insano e, mesmo que fosse, essa insanidade seria prejudicial apenas ao indivíduo. Os cuidados que uma pessoa tem com sua saúde são problemas dela e não justificam qualquer interferência do Estado. Ações de um indivíduo que dizem respeito somente a ele não carregam consigo nenhuma ilicitude.
Sobre gastos públicos com a saúde, é preciso ainda dizer que, se um indivíduo (que não seja hipossuficiente) fuma e contrai doenças pulmonares, é esse indivíduo responsável pela sua saúde. Ele tem de pagar com o dinheiro do seu bolso o seu tratamento. Quem poderia justificar moralmente que um outro indivíduo devesse assumir as consequências pela ação de um terceiro? Ou seja, se uma pessoa é negligente com sua saúde, é dela a responsabilidade por tal negligência. Por que o trabalho de um não fumante deveria pagar os custos com o tratamento de saúde de um fumante? Não vejo nenhuma razão para isso, a não ser a consideração de que os indivíduos não são responsáveis, que as pessoas são apenas em aparência adultas e livres, sendo, no fundo, crianças que precisam da tutela alheia.
(* Artigo publicado hoje na FOLHA DE LONDRINA)