A compaixão

A COMPAIXÃO

Se eu não tiver caridade, isto de nada me serve (1Cor 13,2).

Na última meditação falamos em esmola e caridade, o que muitos afirmam ser sinônimo de misericórdia ou compaixão. Conforme veremos hoje e também amanhã, há uma sensível diferença entre caridade, misericórdia e compaixão. Vamos falar de cada uma delas a seu tempo.

É lamentável constatar que o pragmatismo da sociedade pós-moderna acabou de vez com a solidariedade entre as pessoas. O desprendimento das coisas materiais, a visão mais sensível da alteridade bem como a atenção aos problemas sociais são coisas que não se enxerga mais. Ninguém mais ajuda ninguém, mas todos só pensam no seu bem-estar, conforto e segurança.

As pessoas se isolam entre cercas, grades e cães ferozes, se entopem de “abobrinhas” da tevê e com isso se convertem em estátuas de budas: saciados, risonhos e com visão apenas em seu umbigo.

Há dias li em jornal que em Porto Alegre a polícia vem dando “batidas” para tirar das esquinas jovens que ganham a vida (se é que isto é vida) fazendo malabarismos a custas de poucas moedas e muitos xingões e caras-feias. É gozado que as mesmas “autoridades” que mandam retirar (e até prender) esses meninos, não fazem nada no sentido de encaminhá-los, dar-lhes emprego, ou estudo, ou pelo menos um teto e um prato de comida.

De repente aparecem certos fariseus públicos, intelectualóides hipócritas e teóricos, que preconizam o “não dê esmolas!”, como se isto fosse a solução. Apelam, estes ditos-cujos, para que se repasse o dinheiro para entidades. Ora, qualquer entidade logo vai alugar uma casa, comprar móveis, adquirir um veículo, contratar empregados e instalar um telefone. Mesmo que tal órgão seja um exemplo raro de honestidade e probidade, com todos esses gastos burocráticos, lá se foi o valor das doações. O problema do Brasil, entre outros, é a burocracia.

As pessoas são avessas a dar esmola, a abrir a mão e a se desfazerem de algumas míseras moedas, mas não titubeiam em gastar verdadeiras fortunas com coisas supérfluas, como roupas que às vezes nem usam, comidas cuja metade vai para o lixo, e outros bens, consumidos e comprados apenas para a ostentação e satisfação de egos mal-resolvidos.

Contrariando esses lugares-comuns, eu dou esmolas, tenho prazer em faze-lo. Primeiro porque a esmola é o gesto bíblico por excelência. Os textos gregos do Novo Testamento assinalam a esmola com o verbete eleémosüne derivado de eléos, compaixão. Logo, quem dá esmola pratica um ponderável ato de com-paixão em favor de alguém que está em necessidade. Ao dizer “eu tive fome e você me deram de comer... eu tive sede e vocês me deram de beber... eu estava nu e vocês me vestiram...” Jesus exaltando a esmola dada, a caridade oferecida, a solidariedade compartilhada.

Perdoem a minha fraqueza, mas se eu der dinheiro ou trabalho voluntário para alguma entidade, eu não sei como serão distribuídos os recursos, nem como meu trabalho será apropriado devidamente. Ao contrário, quando dou uma esmola, uma ajuda material a uma criança, a um idoso, a uma família, eu sinto em seus olhos o efeito da eléos que pratiquei.

A caridade é um dom. Ela nos vem por inspiração de Deus. Tanto assim que sua raiz é cháris, graça; graça divina. Aos cristãos da Igreja nascente, São Paulo advertia que “mesmo que fale a língua dos anjos e dos homens, se eu não tiver caridade (amor) isto de nada me serve”.

Mesmo a esmola ou a caridade precisam ser conscientes e discernidas. Algumas senhoras, em uma cidade que morei, fizeram uma festa beneficente e depois de deduzirem as “despesas” mandaram um cheque para a periferia. Isto é caridade? O rico empresário mandou entregar, pelo motorista, uma “cesta básica” a uma família em dificuldade. Isto é caridade? Caridade é ter misericórdia. É sentar junto, é escutar e participar ao lado do outro.

A decomposição de miser (miserável) + corde (coração) nos aponta para uma atitude de quem sente no coração a necessidade do faminto, do desempregado, do doente ou do excluído, das rodas sociais e das Igrejas, como diz a música libertária.

As campanhas do tipo “Não dê esmolas” servem como um salvo-conduto para quem deseja demitir-se das obrigações humanas, cristãs e sociais. Há quem pense e até diga que “Eu não dou esmola para não fomentar a malandragem, mas tem instituições trabalhando por ‘essa gente’, e até acho que a miséria acabou”.

O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença e a omissão. E é justamente essa indiferença que faz crescer a pobreza, a marginalidade, a infância abandonada, os bebês jogados no lixo e as famílias golpeadas pela pobreza. É indiferença que cria os problemas da terra, a marginalização da mulher e a ignorância política do povo.

Esmola e caridade são juízos afins, unívocos e convergentes que se interpenetram na busca da fartura do Reino, que primeiro é espiritual, e depois se transforma em bênçãos materiais em favor do pobre, do oprimido e daquele que tem fome.

Começamos falando em esmola e caridade, o que muitos afirmaram ser sinônimo de misericórdia ou compaixão. Conforme veremos hoje e também amanhã, há uma sensível diferença entre caridade, misericórdia e compaixão. Vamos falar de cada uma delas a seu tempo.

No tocante à caridade foi denunciado o individualismo e o pragmatismo da sociedade pós-moderna como o vilão que acabou de vez com a solidariedade entre as pessoas. Vivemos imersos em um terrível caudal de indiferença e interesse. Cada um só ajuda a quem pode retribuir. Poucos exercem uma solidariedade gratuita e desinteressada.

Por conta desse modelo social as pessoas se isolam entre cercas, grades e cães ferozes, e se entopem das “abobrinhas” dos folhetins da tevê e com isso se convertem em estátuas de budas: saciados, risonhos e com uma visão apenas em torno do seu umbigo. Mesmo a esmola ou a caridade, para lograrem eficácia, precisam ser conscientes, discernidas e movidas a amor.

Nas mesmas águas afirmei que para desenvolver a caridade é preciso ter misericórdia. A decomposição de miser (miserável) + corde (coração) nos aponta para uma atitude de quem sente no coração a necessidade do faminto, do desempregado, do doente ou do excluído, das rodas sociais e das Igrejas, como diz a música libertária.

Pois hoje vamos aprofundar o tema. Depois de ver a caridade e a misericórdia nada melhor que refletir sobre a compaixão e seus desdobramentos no processo de solidariedade humana.

O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença e a omissão!

A compaixão é um dos motores mais atuantes da caridade e da solidariedade. Na verdade, a compaixão brota a partir de uma profunda generosidade do coração humano. Se misericórdia é sentir com o coração, a necessidade do outro, compaixão é sofrer solidariamente pela desgraça de alguém, próximo ou não tão próximo assim.

O verbete compaixão aparece pela justaposição de cum + passio, capaz de evidenciar um sofrimento por causa das dores de alguém. Ao invés do sentido equivocado que alguns dão à paixão, como um sinônimo do amor, paixão, por derivar de pathos, se aproxima mais de um sentido de sofrimento do que outra coisa.

Os dicionários se referem à compassio como um sentimento piedoso de simpatia para com a tragédia pessoal de outrem, acompanhado do desejo de minorá-la. Tudo aponta para uma participação, com fulcro espiritual, na infelicidade alheia, o que suscita um impulso altruísta de ternura para com o sofredor. Os especialistas recomendam que não se confunda compaixão com empatia.

Quando sentimos amor por uma pessoa, e mais explicitamente no sentido da atração homem-mulher, nós nos entregamos a essa pessoa, com o intuito de fazê-la feliz. E esse sentimento nos dá segurança. De outro lado, quando temos paixão por alguém, sofremos primeiro porque queremos ser donos daquela pessoa, e depois por causa da insegurança que esse desejo de posse suscita.

Assim, a compaixão difere da simples paixão, por causa da complexidade do sentido unívoco do verbete em seu strictu sensu. Um constrói; o outro destrói. Um quer ser dono; o outro quer se entregar. O significado de um é luz; o outro indica trevas. Na compaixão não sofremos prioritariamente pela pessoa, mas pelo sofrimento da pessoa. Compaixão é isto: sofrer pelo sofrimento, solidarizar-se com as dores e, ao mesmo tempo, exercer alguma atividade ou atitude no sentido de erradicar ou minorar a desgraça.

O verbete compaixão pode ser descrito como uma compreensão do estado emocional de outrem. Nesse aspecto a compaixão freqüentemente combina-se a um desejo de aliviar ou minorar o sofrimento de outra pessoa, bem como demonstrar especial gentileza com aqueles que sofrem.

A compaixão pode levar alguém a sentir empatia por outra pessoa. Compaixão é freqüentemente caracterizada através de ações, na qual uma pessoa agindo com espírito de compaixão busca ajudar aqueles pelos quais se compadece.

A compaixão diferencia-se de outras formas de comportamento prestativo humano no sentido de que seu foco primário é o alívio da dor e sofrimento alheios. Atos de caridade que busquem principalmente conceder benefícios em vez de aliviar a dor e o sofrimento existentes, são mais corretamente classificados como atos de altruísmo, embora, neste sentido, a compaixão possa ser vista como um subconjunto do altruísmo, sendo definida como o tipo de comportamento que busca beneficiar os outros minorando o sofrimento deles.

Jesus estava pregando na Galiléia quando um homem leproso se aproximou dele. Sabendo do poder do Senhor, o leproso pediu que Jesus o curasse. Ao ver o homem no seu sofrimento, Cristo ficou cheio de compaixão (v.41). Esse sentimento pode ser descrito em seis estágios que evidenciam a evolução do processo de compaixão do Mestre:

1. Ele viu o homem;

2. Tomou conhecimento do seu sofrimento;

3. Em seguida ouviu os apelos do sofredor;

4. Ele teve compaixão do homem;

5. Conversou com o leproso.

6. Por fim, atento ao clamor do sofredor, curou-o.

A exemplo de Jesus, nós cristãos devemos mostrar a mesma compaixão em relação aos sofredores ao nosso redor. Precisamos reconhecer que as pessoas existem e que têm problemas reais para podermos falar palavras de conforto ou agir para ajudá-las.

Apenas observar e não intervir no sofrimento não adianta nada. É uma formas muito cruel de omissão. Aberto ao influxo do Espírito Santo, o cristão se torna capaz de entender sua missão e se colocar a serviço de quem necessita de sua participação. É preciso estar atento ao que o Espírito diz.

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Nos evangelhos, referindo-se à práxis de Jesus, há quatro (ou cinco, dependendo da tradução) situações em que aparece a expressão “movido de compaixão”, como um gesto de amor, socorro e solidariedade. De todas, eu prefiro respigar a “história do pai misericordioso” (cf. Lc 15, 11-32), que muitos teimam em chamar de “parábola do filho pródigo”. Digo isto, porque o ponto-chave da narrativa é a misericórdia do pai e não a insensatez do filho. O “mocinho” da história é o pai. É impossível aludir a idéia de compaixão, misericórdia e perdão sem invocar o tema central desta parábola.

Na parábola, tantas vezes estudada, o filho tem méritos porque reconheceu que estava errado, mas só o pai teve compaixão. Dessas duas atitudes, desse contraponto é que se retira o mote principal da história de Jesus. O filho se sente moralmente derrotado e vem pedir perdão, na esperança que o pai lhe conceda, ao menos, as regalias deferidas aos criados.

Na vida, as pessoas derrotadas têm vergonha de pedir reintegração de seus direitos anteriores. Contentam-se com migalhas. Já não se acham de dignas de recomeçar do ponto em que caíram. Neste vigoroso texto de Lucas vemos o amor e a misericórdia levados às últimas conseqüências.

No começo, o filho deixa a segurança da casa paterna em busca de aventura e de liberdade e se dá mal. Come o pão que o diabo amassou, tendo que se empregar como zelador de porcos. Isto visto do alto, é irrelevante. Cuidar de porcos, hoje em dia, é um trabalho rural como qualquer outro. Mas para um judeu, esse contato era degradante, pois a lei de Moisés proibia. Isto vale para mostrar a extensão da humilhação que o rapaz sofreu.

Um dia, cansado de sofrer e penar, o rapaz decide voltar. Vai pedir desculpas ao pai e tentar recomeçar a vida. É aí que surge o ponto de interesse da narrativa: “Quando ainda estava longe, o pai o avistou e teve compaixão”, saiu correndo, o abraçou, e o cobriu de beijos (v. 20). O arrependimento (do filho) caminha na direção de casa; a compaixão (do pai) corre ao seu encontro. O pai sente a miséria a que o filho foi rebaixado, sofre com ele e tem compaixão. Aqui os critérios de amor falam mais alto do que a justiça.

É salutar a observação no sentido de que o pai não recriminou a atitude do filho que botou tanto dinheiro fora; ele nem quis escutar o discurso e as explicações do filho. Sua compaixão pelo filho se satisfez com seu retorno. Ele não quis escutar desculpas. Simplesmente abraçou, beijou o filho, mandou que lhe servissem roupas limpas e colocassem calçados nos pés, e ordenou que fizessem uma festa. Para quem tem compaixão o pedido de desculpas é dispensável. Completamente.

A quem é pedida a compaixão hoje?

Basicamente, a todos nós! Embora nem todos estejam capacitados de desenvolver essa virtude, pela vida afora temos visto pessoas sofridas clamando pela compaixão de parentes, amigos, da sociedade, das autoridades. Deus é compassivo com os seres humanos, por isto espera essa mesma atitude de uns pelos outros. A prática da compaixão não pode se restringir aos místicos, aos religiosos ou convertidos. Não! Como virtude inspirada por Deus diretamente ao coração humano, ela precisa ser uma atitude constante, crescente e comunicante. O homem que traz o Deus-vivo entronizado no santuário do seu coração deve estar apto, sempre, a atos de misericórdia e compaixão.

Quem é, ou que deve ser o objeto da nossa compaixão? As pessoas que sofrem, desempregados, jovens que pedem esmolas nos cruzamentos de nossas avenidas, mães abandonadas, sem condições de criar dignamente seus filhos, crianças de rua, idosos desesperançados, esses e tantos outros devem ser o alvo de nossa compaixão. Como diz Jesus, devemos praticar a caridade com aqueles que não têm condições de nos retribuir.

Se formos gentis apenas com quem é capaz de ser gentil conosco, que recompensa teremos? Devemos tornar os pobres, os miseráveis, os doentes e os demais excluídos o objeto prioritário de nossa ação cristã. Uma religião interesseira, baseada no toma-lá-dá-cá pode ter o nome que lhe quisermos dar, menos cristianismo.

Hoje incorremos no grande vício da autoridade. Todos nós queremos dar ordens, “vender” nossas idéias, impor nossos pontos-de-vista, exercer influência. Enfim, mandar, dominar. O destaque não está mais em quem serve, mas em quem manda mais, em quem exerce uma autoridade mais incontestável. Ter (poder) vale mais que ser (pessoa humana, gente). A mídia e os meios de comunicação privilegiam o sucesso, a riqueza, a beleza e o talento. Isso, para esses segmentos, vale mais que o caráter, a disciplina moral, o senso de justiça, o esforço da solidariedade e todos os sistemas éticos que podem dar outra feição à sociedade humana.

Quem usa de autoridade, dá ordens, requer respeito e obediência, e gente assim raramente tem compaixão com alguém. Em geral são duros e pragmáticos: Faça-se, cumpra-se e lixe-se! Vejam que em nossa sociedade, pais, senhores, chefes, proprietários, magistrados, ricos, autoridades, comandantes, todos são acostumados a dar ordens.

Esse autoritarismo mina as relações, subverte a lei do amor, e bane o diálogo, de formas a estabelecer uma grotesca ruptura nos paradigmas das relações sociais e pessoais. Esse tipo de gente gosta de dar ordens, mas muito poucos deles admitem obedecer as leis do bom senso, da ética e de Deus.

Por que o pai da parábola é citado até hoje como um homem bom e justo? Porque ele não recriminou o filho que saiu de casa e “deu com os burros n’água”? Porque ele era misericordioso e teve compaixão da desgraça do filho. Ele não quis que o filho voltasse ao tétrico exílio nem voltasse a comer a comida dos porcos, outra vez.

A atitude do pai aponta para a misericórdia de Deus e para a compaixão que Jesus sente pelos que sofrem, passam fome, estão excluídos. Recriminar é oprimir. Quem ama tem com-paixão, isto é, sofre com o sofrido. O perdão é um ato de compaixão. Só perdoa quem se enternece diante da miséria de quem errou e pede outra chance.

Sintomaticamente, o pai reconheceu o filho à distância (v. 20) a despeito de sua desfiguração, de seus trapos, de sua fraqueza e da cabeça baixa de quem está humilhado. Este é o retrato do Deus-Pai que reconhece o pecador arrependido, sente compaixão por ele e o cumula de graças e bens espirituais. Isto evidencia a veracidade do “Deus amou de tal forma o mundo...” (cf. Jo 3,16).

De outro lado, na parábola também se ressalta a atitude do chamado “filho mais velho”, cuja explosão, embora isenta de compaixão, é justa. Afinal, por que receber com festa e solenidades um filho irresponsável que dissipou os bens da família com prostitutas? Esse desabafo é integralmente aceito pela visão da justiça.

De fato, quem bota a perder um patrimônio com futilidades merece, sem dúvidas, uma carraspana. Na história, o irmão mais velho está coberto de razão. Ele invoca princípios legais e sob esse aspecto não pode ser recriminado. O pai, entretanto, não olhou para o aspecto legal, mas para o afetivo. Ele não quis ser justo ou legalista, apenas teve compaixão. Usou de misericórdia.

Para o Israel Antigo, a compaixão se encontrava na convergência com a misericórdia e a fidelidade. Esses sentimentos têm origem no carinho que uma mãe tem por seu filho. Reflete o apego visceral, instintivo de um ser pelo outro. Nós amamos a quem nos ama; fazemos carinho em quem nos acaricia. A relação da compaixão é diferente.

Deus – ensinavam os rabinos – porque é fiel, sente compaixão por seu povo. Tem compaixão quem é bom, quem sente em si o sofrimento (pathos) e a dor (álgos) do outro. Em geral, amamos quem merece o nosso amor. Essa necessidade de reciprocidade não é necessária em uma relação de compaixão. O pai deve compaixão do filho apesar deste, pela ótica da justiça humana, não merecê-la.

No grego, a palavra éleos aponta para essa compaixão misericordiosa que Deus tem indistintamente por sua Criação. Isto se confirma na medida em que vemos em eleémosüne (esmola) a raiz éleos, compaixão. Jesus, contemplando a carência da multidão com fome, teve compaixão dela (cf. Mt 9,36). Quem tem compaixão de alguém, enxerga mais longe e de forma mais profunda, descortinando os efeitos do mal na vida daquela pessoa que sofre.

Jesus curou e fez milagres não para se exibir ou provar que era o Filho de Deus. Ele realizou muitos sinais porque tinha pena, dó, compaixão da miséria daquele povo.

A idéia de compaixão pode ser descrita como uma compreensão do estado emocional de outrem; não deve ser confundida com empatia nem tampouco com simpatia. A compaixão freqüentemente combina-se a um desejo de aliviar ou minorar o sofrimento de outra pessoa, bem como demonstrar especial gentileza com aqueles que sofrem. A compaixão é freqüentemente caracterizada através de ações, na qual uma pessoa agindo com espírito altruísta busca ajudar aqueles pelos quais se compadece.

A compaixão diferencia-se de outras formas de comportamento prestativo humano, ou de assistencialismo no sentido de que seu foco primário é o alívio da dor e sofrimento alheios. Atos de caridade que busquem principalmente conceder benefícios em vez de aliviar a dor e o sofrimento existentes, são mais corretamente classificados como atos de altruísmo, embora, neste sentido, a compaixão possa ser definida como um tipo de comportamento que busca beneficiar os outros, minorando o sofrimento deles.

Hoje se fala tanto em mundo que está carente de amor. Há receitas para amar, vacinas contra o egoísmo, livros de auto-ajuda para verbalizar a felicidade, mas tudo não passa de meras e ocas teorias, que no fundo não alteram em nada o quadro de indiferença que mina as relações entre as pessoas. O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença e a omissão.

E é essa indiferença que faz crescer a pobreza, a marginalidade, a infância abandonada, os bebês jogados no lixo e as famílias golpeadas pela pobreza. É a indiferença que cria os problemas da terra, a marginalização da mulher e a ignorância política do povo. É esse mesmo tipo de omissão que faz nascer o político lacaio, o funcionário corrupto, o homem público que pratica as piores safadezas, porque sabe da impunidade; tem certeza que ninguém vai acusá-lo.

É curioso - eu diria triste e até revoltante – que a “compaixão” (entre aspas) de certas pessoas não passa de um gesto hipócrita e pro-forma. Na Antiguidade o povo indignado diante de algum fato negativo costumava rasgar as roupas em sinal de protesto. A esse respeito o profeta alertou: “Não rasguem suas vestes, mas seus corações”. (cf. Jl 2,13). A gente lamenta a fome na Etiópia, mas não faz nada para minorá-la aqui, em nosso bairro.

Condenamos a violência, mas somos a favor do olho-por-olho e da pena de morte. Temos pena do cachorrinho que foi atropelado, mas fechamos os olhos (e coração) para as crianças sem assistência. Esse tipo de “compaixão” é alegórica, mentirosa e validadora do status-quo que destrói a sociedade.

Não é assim que funciona por aí? Qual a causa de tanta omissão? Eu começaria falando na falta de fé. Só quem tem fé enxerga Jesus na pessoa do outro, do sofrido, do excluído dos sistemas sociais, políticos e mesmo religiosos. Depois da falta fé, uma conseqüência: a falta de visão solidária e, por último, o egoísmo que gera a preguiça e a apatia. Da praia não se salva ninguém, dizia Dom Elder. É preciso entrar na água, assumir as causas e suprimir os efeitos.

Em sua compaixão, Jesus consola os aflitos. Ele traz aos aflitos, aos pobres, aos doentes e excluídos mensagem de consolação. O evangelho, a boa notícia da felicidade no Reino está repleta de valores desse tipo: compaixão, perdão, acolhida, cura, misericórdia. Jesus vem encorajar os que estão acabrunhados pela doença e pelo pecado (cf. Mt 9,2.22). Compassivo, oferece seu repouso aos que sofrem e estão abatidos por tantas cargas (Mt 11,28ss). Os milagres posteriores são sinais do Deus cheio de compaixão, que consola e faz renascer a alegria no coração dos seus filhos.

Santa Teresa (no que foi seguida por Madre Tereza de Calcutá) disse que só damos quando partilhamos algo nosso, coisa de muito valor. Segundo a Santa de Lisieux, a caridade e a compaixão para terem valor tem que nos custar algo muito valioso. Tem que doer...

Lembrem-se do que foi dito: “O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença e a omissão”. O ódio às vezes pode ser menos danoso do que a cegueira social e a omissão diante do sofrimento das pessoas.

Quando o ser humano demonstra compaixão pelas dores de seu semelhante, ele melhora o mundo, favorece as relações, mitiga o sofrimento, testemunha a presença de Deus e se aproxima, pelo amor, do Pai que está nos céus. A compaixão está inserida no projeto de Deus em favor da humanidade. Foi por amar o mundo e ter compaixão dos pecadores que ele nos deu seu Filho, Jesus Cristo. Quem nega compaixão a alguém desvirtua o mistério da cruz e a ressurreição de Jesus.

Senhor, volta-te para mim e tem compaixão,

pois estou solitário e infeliz.

Alivia as angústias do meu coração,

tira-me das minhas aflições

(Sl 25,16s)

Segunda meditação no retiro anual da paróquia Santo Antônio, Canoas. Nov/2005.

O autor é Teólogo Leigo, Exegeta e Doutor em Teologia Moral.