ASPECTOS HUMANOS DE DOM HELDER

Como caracterizar Dom Helder? Muitos desejam elevar Dom Helder aos altares. Mas, como ele ainda não foi reconhecido formalmente pela Igreja como um santo, nos moldes tradicionais, por enquanto, suas estátuas ficam ao nível do chão. A dignidade dos altares ainda não lhe cabe. Mas, por que trabalhar para que Dom Helder ocupe um nicho nos altares? Será que ele não preferiria permanecer simplesmente ao nível da humanidade, pisando o pó da terra? Com certeza, o seu canto predileto seria: "se mil vidas me fossem dadas, mil vidas viveria entre meus irmãos!" Isto se pode concluir rigorosamente do estilo de vida que Dom Helder viveu nesta terra. Ele assumiu plenamente a sua humanidade. A ele pode-se aplicar, com justiça, a sentença milenar do pagão Terêncio (185-159 a.C): " Sou homem, e nada do que é humano me é estranho". Pois, diante da imagem e semelhança com Deus, que é o ser humano, Dom Helder também repetiria esta sentença antiga: "que criatura agradável é o homem, quando ele é um homem".

A Dom Helder interessava tudo que afetava os seres humanos em sua existência terrena. Muito sofreu com a morte de vários de seus irmãos, quando ainda menor. Passou pela disciplina necessária para se ilustrar e abrir a mente, estudando filosofia e teologia, sempre curioso em relação aos acontecimentos do mundo e ao progresso das ciências. Procurou ser um cristão melhor, um líder cristão, ordenando-se presbítero (padre). Mas não queria ser um padre escondido nas sacristias. Foi para o meio dos homens, assumiu liderança no desenvolvimento educacional do povo no Estado do Ceará (Brasil). Envolveu-se com uma ideologia, que, inicialmente, lhe pareceu um bom caminho para os seus objetivos de dignificação integral do ser himano. Verificou, posteriormente, que esta ideologia era integralista-fascista, e se afastou dela. No Rio de Janeiro, ainda como um jovem padre, não se inibiu de encontrar bispos e cardeais, deputados, senadores e o próprio Presidente da República; subiu aos morros, descobrindo até que ponto o ser humano pode ser humilhado e rebaixado em sua dignidade. Cada vez mais se convenceu de que o ser humano é "um animal político", como havia aprendido em Aristóteles. E que a política é a arte de organizar e viver dignamente em sociedade. "Ninguém salva a si mesmo", "ninguiém educa ninguém, nós nos educamos conjuntamente", como dizia Paulo Freire. Envolveu outros em suas ideias e práticas. Para os dirigentes da Igreja, fundou a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), o que, posteriormente, motivou também a criação do CELAM (Conselho Episcopal Latino-americano). Animou os jovens, ativando a JUC (Juventude Universitária Católica), a JOC (Juventude Operária Católica), a JEC (Juventude Estudantil Católica). Tentou dar dignidade aos favelados com projetos concretos. Criou o Banco da Providência, para dar apoio financeiro aos mais pobres. Em tudo isto confiava em seus auxiliares: mulheres, homens, jovens e velhos; crentes e descrentes; políticos e lideranças de humildes populares. Bastava que alguém sinceramente respeitasse o rosto do ser humano para que merecesse o estímulo de Dom Helder, para objetivar em todos os seres humanos, ainda que os mais humilhados, a imagem e semelhança de Deus. Em Helder verificamos, assim, o cristianismo vivido, sem preconceitos, justo, digno de ser louvado no culto a Deus.

Posteriormente, como arcebispo de Olinda e Recife, denunciou vigorosamente ao mundo as humilhações de homens e mulheres pela tortura, as injustiças de um capitalismo selvagem, causador de tantas misérias no mundo. Em toda a parte, e em todas as situações, onde acontecia a desfiguração da dignidade do ser humano, lá estava Dom Helder. O seu engajamento pela dignidade dos homens nesta terra foi reconhecido pelos mais poderosos políticos do mundo: reis, rainhas e presidentes; democratas, monarquistas e ditadores. Os líderes religiosos expressaram sua admiração por Dom Helder: monges do Tibet, budistas, protestantes, espíritas , e até os Papas (" meu irmão, e irmão dos pobres" - João Paulo II); todos eles viam em Dom Helder um ser humano, humanamente admirável. Mais de trinta Universidades lhe conferiram o título de Doutor Honoris Causa. O reflexo de sua liderança humana, política e religiosa, ainda hoje repercute pelo mundo. Mas não foram os confins da terra, a cúpula dos poderosos os mais procurados por Dom Helder, ele queria estar próximo ao rosto de cada pobre, de cada necessitado ao seu redor. E a este encontrava, principalmente no Nordeste do Brasil, no Recife e em Olinda. Em todas as dezenas e dezenas de favelas do Grande Recife havia iniciativas da presença de Dom helder. Recebia em particular a quem batesse em sua porta, em sua humilde residência nos fundos da Igreja das Fronteiras. Admirava a beleza da natureza e da criatura humana, fosse na arte, no canto de um pássaro, ou na beleza de uma bela mulher de biquine. Permitia, respeitava e incentivava o amor de quem estivesse amando, mesmo que fosse um bispo. Apoiava e incentivava tudo que era digno e humano.

É fundamental que esta expressão do homem humano em Dom Helder não seja dualisticamente supressa e projetada para o céu por aqueles que querem elevá-lo aos altares, afastando-o da realidade da terra, à qual ele sempre foi fiel. O verdadeiro sentido de sua presença memorial entre nós é sua presença cristãmente humana.

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