O cachimbo da Paz
ARTIGO - [ 29/08 ]
O cachimbo da Paz - Edgard Steffen
Notícia publicada na edição de 29/08/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A.
O fumo foi trazido à Europa pelos naveg adores, que haviam observado nativos aspirarem fumaça do petum em cerimônias religiosas
Grande parte de campanha que levou Barack Obama ao poder, foi realizada pela Internet. Por estas bandas, Serra usa o “twitter” como instrumento para manter sua performance nas pesquisas.
Até pouco tempo, para mim, o PC não passava de sofisticada máquina de escrever. Mal sei o que é “twitter”, não tenho “blog”, não participo de nenhum “orkut” nem tenho “site” com meu nome. Entre todos esses anglicismos (ou seriam neologismos?) possuo somente e-mail a me ligar ao mundo da www.
Com dificuldade de quem passou a maior parte de sua vida esperando jornais, para saber as notícias do mundo, e cartas, para saber da vida de pessoas com as quais estávamos ligados, acabei por me render à Internet. Com ela, tenho acesso imediato a conhecimentos e informações em velocidade jamais sonhada. Mantenho contacto imediato com velhos e novos amigos. Fico sabendo de fatos alegres como o nascimento de meu sobrinho-bisneto ou fatos trágicos como o assassinato de um dos filhos de meu primo Mozart. Também consigo baixar livros ou artigos científicos para ler ou para reler.
Meu intento era escrever sobre Tabagismo usando trabalho que me foi ofertado pelo dr. José Rosenberg. Não consegui localizá-lo entre meus guardados. Apelei para o Google e, entre milhares, lá estava a publicação de meu grande professor. Dele vou tirar curiosidades históricas para ilustrar este texto*.
A coisa anda feia no Senado. Alguém precisa reunir os caciques do Congresso para um cachimbo da paz. Em São Paulo, não dá. Falta local que escape à abrangência da Lei Antifumo do Serra. Como a história dá voltas, e volta para o mesmo lugar, em São Paulo, poderiam ser criadas modernas “Tabagies”, (França, Século XVII), onde homens e mulheres tabagistas possam fumar seus cachimbos, enquanto realizam tertúlias político-literárias, interditas à Vigilância Sanitária serrana.
O fumo foi trazido à Europa pelos navegadores, que haviam observado nativos aspirarem fumaça do petum em cerimônias religiosas. Jean Nicot, embaixador da França em Portugal, receitou “petun” para cura das crônicas enxaquecas da Rainha Catarina de Médici; a recém-introduzida planta ganhou status de “erva da rainha” ou “catarinária”. Outro responsável pela introdução do tabaco, na Europa, foi o abade franciscano André de Thevet (1555) que cultivou a planta no jardim de seu mosteiro. Para a Itália, quem a trouxe foi o Cardeal Prospero Santa Croce (1561); chegou a ser usada nas igrejas com o nome de “erva santa”, até que a bula papal de Urbano VIII determinou sua interdição.
Não somente o Senado Brasileiro muito discute e pouco resolve. Botânicos levaram dois séculos para decidirem se o nome científico do tabaco homenagearia Thevet ou Nicot. Venceu Nicot e a Nicotiana tabacum entrou para a Nomenclatura Botânica, como nome oficial do tabaco. Quando isolaram o princípio ativo - responsável pela dependência do viciado - chamaram-na nicotina.
Depois do cachimbo, a moda virou para o rapé, guardado em tabaqueiras e aspirado para provocar espirros. No casamento de Maria Antonieta com o futuro Luiz XVI gastaram-se 38.205 libras, somente na aquisição de tabaqueiras para os convidados. Se a “gripe suína” por lá andasse, iria economizar muita guilhotinada.
Charuto e cigarro viriam, bem mais tarde, no século XIX. O cigarro ajudou a disseminar o vício do tabagismo. A produção em larga escala e a diminuição do volume, facilitaram porte e uso. A propaganda incumbiu-se do restante. Tornou-se elegante fumar em público.
O cinema fez a sua parte. Quem não se lembra do sex appeal de seu ator ou atriz favorita exibindo cigarro entre os lábios ou entre os dedos. A televisão fez o resto. Sempre o associou a lindos lugares (terras de Marlboro), às lindas máquinas&mulheres (como nos clipes da marca Hollywood “ao sucesso”), à esperteza (Gerson e sua vantagem).
Jovens do século XX foram condicionados a fumar. O preço da adição foi o câncer de pulmão, o enfisema, as doenças cardiovasculares, a morte precoce. Meu primo Mozart Steffen foi incisivo ao comunicar, na internet, o falecimento de seu filho; colocou também, com todas as letras, o nome do assassino: cigarro.
(*) Rosenberg, J. - A História do Tabaco - www.hospitaluniversitario.usp
Edgard Steffen é médico pediatra (edgard.steffen@gmail.com)