Para que serve uma aula?
Wilson Correia*
“Vivo em minha própria casa,
Jamais imitei algo de alguém
E sempre ri de todo mestre
Que nunca riu de si também”
(Nietzsche, A gaia ciência).
Uma aula que nos ensinasse a morrer não teria o menor sentido, a menor graça. Como morrer é inútil, qualquer aprendizado sobre esse acontecimento de destino não tem o menor valor. Sim, morrer é destino, assim como nascer. Porque são destino? Porque no nascer e no morrer a liberdade humana não intervém.
E uma aula se justifica exatamente se estiver disposta a fazer esquiar nas neves da liberdade ou nas labaredas do “sou aquilo que faço de mim”. Não importa: uma aula poderia fazer o ser humano querer ser mais em qualidade existencial.
Como um ser humano alcança isso? Primeiramente, vivendo na própria casa. A autenticidade é o tapete generoso a que cada um recoste o corpo, a mente, a alma e o coração. Ensinar a ser o que é: a isso deveria se prestar a aula. Chega de fantasmas que são o que a sociedade quer deles, o que os outros esperam deles e o que deles quer o intrincamento de nossas instituições sociais.
Além de ensinar a morar na própria casa, a ser enraizado em si mesmo, uma aula deveria ensinar o anti-mimetismo, a anticópia, a anti-reprodução, o anticomentário e até, em certos casos, a antiexplicação, como se só nos fosse possível a simples reprodução, com finalidade em si mesma, sem nenhuma perspectiva de inventividade e criação.
A coerência de uma tal aula exigiria de cada aprendente a ousadia de criar, de ir além em si, por si e consigo mesmo, inclusive ao estudar os consagrados, de uma tal maneira solidária que, ao ver cada um sendo exatamente o que é, pudesse promover o congrassamento de originalidades, singulares e companheiridades, que se dão, não por imposição externa, mas por comunhão escolhida. Para isso deveria servir uma aula: para ensinar a convivência humana na mesmidade de cada qual, essa que cada pessoa pode experimentar viver até onde vai o simesmo do semelhante, único, irrepetível e inconcluso.
Autenticidade e solidariedade ônticas se complementariam com o prazer de ser e estar no mundo em meio a iguais, e na alegria e no riso. Riso amplo, geral e irrestrito: de si, de nós, do mundo, das coisas, seres, fenômenos e relações. Sim, porque o bom humor não é apenas medida de profilaxia antropobiológica, mas o móvel da inteligência. É seguramente plausível a idéia de que os bem-humorados aprendem melhor e ensinam mais eficientemente. Na dúvida, teste! Verá que o riso tira a sisudez de um saber enferrujado, que muitas vezes produz uma fogueira de vaidades na qual egos inflados de um saber que é socialmente concebido terminam por ver esse saber como bem pessoal e particular, cristalizado. Também para isso uma aula deveria servir.
Deveria ensinar ao humano o humano mesmo, o possível e o passível de ser construído por cada um. E de modo autêntico, na alegria de viver e de fazer viver e de deixar viver, inteligentemente. Ensinar a viver, enfim...
Ah... mas isso é pura fantasia, idealismo barato, utopia... Que seja! Mas que nos provoque o pensar: onde foi que perdemos o sentido de uma aula, a aula de nós e o nós da aula? Onde foi que aprendemos a dar aulas sem sentido, que não alcançam a compreensão e o entendimento, nem de mestre nem de aprendiz?
Perder tempo com uma aula... isso uma aula não deveria nos ensinar! Pena que é o que está prevalecendo!
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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009.