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Não consigo perder essa mania de tentar mostrar o lado do Brasil que dá certo. Emociono-me com algumas pessoas que não buscam holofotes, não querem fama nem outra coisa que não seja melhorar o mundo que encontraram. A esses heróis anônimos abro, sempre que possível, o espaço de que disponho para torná-los conhecidos e lhes rendo minhas homenagens através do mais profundo respeito que tenho por eles.

Esta notícia vem do Maranhão, justamente o Estado onde reside os Sarney, uma das famílias mais ricas do Brasil, com um patrimônio estimado em 100 milhões de reais, graças justamente à miséria que promovem, como forma de se manter no poder.

Mas, para cada "Sarney" existem pessoas como a descrita abaixo, que, anônimas, mudam a realidade.
É graças a elas que não perco a esperança em um mundo melhor.

J.B.Xavier
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Professora transforma praia de Araçagi
em quadro-negro e graveto em lápis
para ensinar crianças a ler e a escrever

Ana Carvalho – Araçagi, Maranhão
Revista Isto É

Bianca era uma das muitas crianças caiçaras que já estavam no Centro Integrado Y Juca Pirama, na praia de Araçagi, em Paço do Lumiar (MA), em tempo de saber ler, escrever e conhecer o sentido das palavras. Mas quando a professora Kátia Regina Reis Correia pedia que a menina escrevesse melancia, a pequena Bianca grafava eaía. Mas Bianca não foi a única a apresentar dificuldades. Para muitos colegas da primeira série, uva, por exemplo, era escrita apenas com uma só letra: u. Foi o sinal de alerta para Kátia de que as cartilhas tradicionais não eram suficientes para alfabetizar a meninada. Depois de muita discussão e estudos com a irmã, também professora, ela ousou e mudou a estratégia. Cardápios das barracas de praia, letreiros de mercearias e rótulos de produtos que consomem, assim como receitas, toadas de bumba-meu-boi e poesias, substituíram a cartilha. Para ensinar mais que grafias e fonemas, Kátia transformou a areia em quadro-negro e gravetos em lápis. Passou a ministrar aulas na praia, onde a maioria dos pais desses alunos tira o seu sustento.


“A escrita, que até então não tinha significado algum para a garotada, começou a fazer sentido”, conta Kátia, com orgulho e alegria indisfarçáveis, após passar a usar os escritos disponíveis na comunidade. A garotada a que se refere é formada, na maioria, por filhos de pescadores, empregadas domésticas e barraqueiros desse pequeno paraíso à beira-mar, que fica a 18 quilômetros de São Luís. Os resultados não tardaram a vir. Em quatro meses, Bianca não escrevia apenas todas as letras de melancia, mas frases inteiras. E, como ela, os demais colegas progrediram. A aula na praia é uma festa.

Já com os pés na areia e com auxílio de uma vareta de madeira encontrada no caminho, Kátia começa a aula. Mostra as palavras, as frases e eles, que antes nem sequer escreviam, lêem sem a ajuda da professora. O fio condutor dessa revolução, que contou com o apoio da diretora da escola estadual, Edilamar Ferreira dos Santos, está baseado no modo de vida da comunidade. Todo o material usado por ela está diretamente relacionado ao cotidiano dos alunos. “Antes eu me apoiava nas cartilhas e o número de repetentes só crescia. Mas, quando comecei a usar os escritos na comunidade, percebi uma melhora nos resultados”, recorda-se.

O início foi difícil. Lutou contra a descrença dos colegas professores ortodoxos, mas não perdeu o apoio da diretora. Para as crianças, o começo de uma nova vida foi estimulante, instigante e animador. Diante da nova “cartilha”, Kátia os deixou livres, mesmo sem saberem ler, para tentar descobrir o que significava cada palavra. Com pequenas intervenções da professora, iam, aos poucos, fazendo a “leitura”.

De volta à sala de aula, Kátia incentivava os exercícios de escrita. Eles passaram
a estudar a estrutura de diferentes textos, incluindo aí letras de música e poesias. Primeiramente, o trabalho era coletivo. O segundo passo foi incentivar a escrita individual, através da qual ela podia avaliar a dificuldade de cada um e trabalhá-la
em grupo.

Acompanhados por Kátia, eles não só aprenderam a ler e a escrever como melhoraram a auto-estima e a relação com o lugar onde moram. E mais do que isso: ganharam expressão oral significativa. Durante visita de ISTOÉ à Y Juca Pirama, foi difícil manter a turma em silêncio. Falando ao mesmo tempo, as crianças “entrevistaram a equipe” sobre a reportagem com a professora enquanto caminhávamos para a aula na praia. Faziam questão de mostrar que sabiam ler tudo que estava escrito nas paredes das mercearias, dos bares e dos cardápios e promoveram uma grande algazarra quando viram a palavra coco escrita com acento circunflexo. E, como se não bastasse, mostraram bom gosto ao pedir à professora para ser apresentados a mais poemas de Vinícius de Moraes. “Eles amam ler e interpretar As borboletas e agora vivem me pedindo mais textos do poeta”, sorri.

A manhã termina, Kátia vai agora pegar dois ônibus para voltar a São Luís, onde dará aula à tarde em uma escola municipal. Ela mora no conjunto habitacional Cohatrac e, para chegar nas escolas onde trabalha, pega oito ônibus por dia. À noite, ainda tem gás para fazer um curso de leitura e prática educativas na Universidade do Maranhão. Enquanto seus alunos contam que dormem bem cedo para o dia raiar logo e poderem voltar para escola, Kátia não vê a hora de chegar em casa e descansar um pouco. Mas o combustível que move essa professora, um exemplo para o ensino público do Maranhão, são as borboletinhas que ela tira da escuridão. Dos seus 35 alunos, apenas um precisará de reforço, mas não será reprovado.

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JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 18/06/2006
Reeditado em 16/01/2011
Código do texto: T177953
Classificação de conteúdo: seguro