O VALEROSO LUCIDENO
Frei Manoel Calado publicou em 1648 “O Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade “. Apenas em 1668 o Santo Ofício liberou esta obra para leitura do mundo católico. O Valeroso Lucideno é o Governador João Fernandes Vieira, denominado pelo autor como o “Governador da Liberdade”. Frei Manoel registra em seus livros a heróica resistência dos pernambucanos e portugueses à invasão dos holandeses. Segundo o Autor, a obra trata da restauração de Pernambuco e da expulsão dos holandeses do Estado do Brasil, debaixo da aclamação “morram as tiranias, e viva a liberdade”. Bastaria esta aclamação para entendermos que a presença holandesa no Brasil colonial foi um desacato à humanidade. Ação de um governo e de grupos econômicos que promoviam a pirataria. E, consequentemente, os assaltos, os roubos, os homicídios e todo tipo de selvageria. Sua presença no Brasil é testemunho patente dos mais horrendos crimes contra a população local. Por isto mesmo, tantos brasileiros e portugueses morreram para se verem livres deste bando de piratas e opressores tirânicos. Leia-se e estude-se o Valeroso Lucideno, e outros escritos da época, e ninguém mais terá coragem de louvar a presença holandesa no Brasil colonial. Na época chegou-se a fazer um apelo dramático ao mundo cristão, e aos governos de países civilizados para que se empenhassem a dar um basta a tantas desumanidades, que aconteciam no nordeste brasileiro. As crueldades narradas eram inomináveis. Era uma época de traições e de morte.
Diante da literatura sobre a invasão holandesa no Brasil, a exemplo do Valeroso Lucideno, é de se admirar que, de tempos em tempos, surjam manifestações elogiosas das realizações holandesas no Recife, em Pernambuco , e outras partes do nordeste. Chega-se a dizer que foi uma pena que os holandesas tenham sido expulsos, pois, se tivessem ficado, Pernambuco, com certeza, seria mais desenvolvido. Isto é um verdadeiro absurdo de ignorância. Vejam o Suriname, a ex-Guiana Holandesa, hoje um testemunho expressivo da miséria humana. Com que intenção vieram os holandeses para cá? Com o único propósito de explorarem a terra, a população, com trabalho escravo. Queriam-se apossar de Angola para conseguirem o monopólio do tráfego de escravos. Quando Maurício de Nassau manifestou algumas leviandades culturais, foi afastado do Governo da invasão.
É claro, podemos confraternizar e irmanar-nos com os holandeses de hoje. Mas não transformemos em heróis, homenageando os salafrários da história. Cada vivente de Pernambuco, nos nossos dias, aqui nasceu ou vive porque os holandeses, graças a Deus, foram expulsos. E esta expulsão ocorreu com grandes sofrimentos e heroísmo. E estes heróis merecem a nossa memória e homenagem. Inclusive, ao que parece, os próprios holandeses, historicamente, quiseram varrer de sua consciência aquelas épocas de pirataria. Pois, há algum tempo, conversando com um empresário holandês no Recife, me contou que, ao chegar ao Recife, ficou muito admirado das referências históricas honrosas que aqui se fazia sobre a presença dos holandeses por estas bandas. Ele, antes de pisar aqui, nunca tinha ouvido falar desta presença dos holandeses no Brasil colonial. Sobre isto não existia nenhuma linha nos livros das escolas fundamentais, médias e superiores da Holanda. Por que esta lacuna histórica nos livros da Holanda? Provavelmente porque para os povos, hoje civilizados, a memória de seus crimes do passado, muitas vezes, se torna uma memória perigosa, pois os poderia advertir que, eventualmente, ainda hoje alguns de seus cidadãos continuam explorando capitalisticamente povos de países subdesenvolvidos. Talvez, para nós seria bom um pouco mais de memória para que não sejamos historicamente ingênuos, transformando em heróis os que foram salafrários nesta vida.