Cautela e Caldo de galinha...

ARTIGO - [ 22/08 ]

Cautela e Caldo de galinha... http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=44&id=212485

Edgard Steffen

...não fazem mal a ninguém (dito popular)

Nos tempos da “hespanhola” pouco se sabia. Os órgãos de Saúde Pública limitavam-se a medidas risíveis como, por exemplo, recomendar caldo de galinha na prevenção e limonada purgativa no tratamento

Alguém espirra. Ainda que não se conheça o espirrador, costuma-se dizer “Saúde!”. De onde vem isso? Para alguns, da Idade Média, durante a Grande Peste. A peste - transmitida ao homem a partir de ratos, através de suas pulgas - apesar da alta letalidade, dava alguma chance de sobrevivência quando se manifestava por bubões (ínguas) no pescoço, axilas e/ou região inguinal do paciente. Quando a Yersinia pestis comprometia o pulmão, tornava-se independente da pulga para passar do doente ao susceptível. E o pior: a peste pneumônica não dava chance de sobrevida ao pesteado. Gritar “saúde!” seria auspício “tomara que você não esteja com peste...”. Subliminarmente, talvez quisessem completar “para que você não me passe a doença!”.

Outra versão reza que o exclamativo “Saúde!” teria surgido com o pavor que a chamada Gripe Espanhola desencadeou na população. A letalidade era dez, ou mais vezes, superior à da atual pandemia “suína”. O significado (tomara que você não esteja doente) e a intenção (para que eu não me contamine) seriam os mesmos.

Em artigo anterior* relatei que o apelido “espanhola” (escrevia-se Hespanha e hespanhola) teria sido cunhado porque a doença chegou, ao Brasil, trazida por navio de imigrantes ibéricos. Hoje, estou mais convencido de que a origem do nome está ligada à 1ª Grande Guerra. Enquanto os países envolvidos na conflagração procuravam esconder suas baixas, a neutra Espanha não teve essa preocupação e divulgou estatísticas reais de doentes e mortos, no que incluíram a figura ilustre de seu Rei D. Afonso XIII.**

A “Hespanhola” pegou a comunidade médica de calças curtas. Estatísticas divergem, conforme a fonte consultada, mas o Brasil teria perdido 300 mil almas; entre elas figuras eminentes como o futebolista Belfort Duarte, a educadora Anália Franco e o reeleito Presidente da República Rodrigues Alves (não chegou a tomar posse). Sorocaba, entre incontáveis mortos, teria perdido o médico dr. Álvaro Soares.

Hoje - aumentados os conhecimentos sobre o vírus causador e possibilidade em se produzir vacina eficaz, dentro de alguns meses - contamos com drogas antivirais para o A(H1N1) e antibióticos para as complicações bacterianas. A OMS e o Center of Diseases Control (Atlanta, EEUU) têm protocolos que padronizam medidas efetivas contra a pandemia. Essas medidas foram adotadas pela Vigilância Epidemiológica de nossa cidade, como bem demonstraram a enfermeira Consuelo Matiello e o dr. Pedro Borges de Andrade Filho, convocados à Câmara Municipal para debater o problema.

Nos tempos da “hespanhola” pouco se sabia. Os órgãos de Saúde Pública limitavam-se a medidas risíveis como, por exemplo, recomendar caldo de galinha na prevenção e limonada purgativa no tratamento. Médicos e farmacêuticos prescreviam sais de mercúrio, quinino, laranjada, suco de limão. Em consequência, o que se viu foi falta de laranja, limões e galinha, nas feiras, e alta nos preços do quinino e outros remédios, nas boticas. Um laboratório experto lançou mezinha com o sugestivo nome “Gripina”; seus donos, se não morreram de influenza, devem ter enriquecido.

Noventa anos se passaram desde que a “Espanhola” encerrou seu ciclo pandêmico. A mal apelidada “gripe suína” está aí a assustar todo mundo. O povo reclama da falta de atenção às suas justas aspirações de consultas, medicamentos e leitos hospitalares. Óbitos em manchete na TV e nos jornais, filas nos ambulatórios, falta de insumos (medicamentos, máscaras, álcool-gel, etc.) são traduzidas - com ou sem justificativa - como falta de vontade ou competência para resolver a questão. Para os opositores, parece que os governos nada fazem. Aproveitadores surgem com novas dietas e novos remédios para atrair prosélitos às suas crendices e caixas registradoras.

Na verdade, nesses dois anos em que o vírus A (H1N1) irá circular entre nós, o que podemos recomendar é muito parecido com os tempos da espanhola: evitar aglomerações, abolir o aperto de mão, lavar as mãos com frequência, isolar no domicílio quem apresente sintomas respiratórios... tudo isso é cautela. O resto... bom, o resto é caldo de galinha.

(*) Você, os 3 Presidentes e a Gripe - Cruzeiro do Sul, 30/04/2005

(**) Scliar, M. - A Fúria da Gripe Espanhola - www.hist.abril.com.br

Edgard Steffen é médico pediatra (edgard.steffen@gmail.com) - http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=44&id=212485

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 22/08/2009
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