Onde estava Deus?
Em minha tese de doutorado em Teologia Moral, a respeito da misteriosa existência do mal (“Deus é bom. Então por que existe o mal?”), publicada aqui no E-Livros, deparei-me com essa questão, indagando onde estaria o Criador quando atrocidades e acidentes da natureza ocorriam. Primeiro foi no “terremoto de Lisboa” (retratado no “Cândido”, de Voltaire), depois foi nas tragédias de Auschwitz, onde milhões de judeus foram eliminados.
A filósofa Susan Neiman, uma judia-alemã, detecta com maestria que a empreitada da modernidade atinge seu impasse no Holocausto. Em sua obra “O mal no pensamento moderno” (Ed. Difel, 2002), Neiman afirma que se a humanidade perdeu a fé na natureza, em Lisboa, é provável que tenha perdido a fé em si mesma em Auschwitz, que foi conceitualmente devastador porque revelou uma possibilidade que se esperava não ver: seres humanos comportando-se como demônios.
Todas as discussões filosóficas sobre o assunto insistem no ponto de que as condições na Europa apontavam além da barbárie das câmaras de gás, mas para a falência ética da civilização.
Pois agora em maio, o papa Bento XVI foi à Polônia e, corajosamente fez questão de visitar Auschwitz. Nessa visita, chocado com o que ali ocorreu, ele fez um desabado: “Onde estava Deus que permitiu tudo isto?”.
O local é tão tétrico (eu estive lá) que os visitantes chegam a sentir cheiro de coisa queimada, mais de sessenta anos após o fechamento dos fornos crematórios. As reações da comunidade internacional mostram que o episódio não foi superado e que as feridas ainda estão abertas.
Sintomaticamente, alguns líderes religiosos de orientação oppositora, atribuíram à fala de Ratzinger um vacilo na fé, pois um papa não poderia – segundo eles – duvidar da presença de Deus. Outros entenderam tratar-se de uma explosão emocionada de um ser humano, idoso, diante do mal, que o homem livre pode cometer. É terrível a liberdade humana. Sartre chegou a afirmar que “o homem é condenado à liberdade”.
O próprio Jesus, na cruz, diante da barbárie cometida por seus inimigos questionou: “Meu pai, por que me abandonaste?”. Seria Jesus um homem sem fé? Ou, na impotência humana diante da violência, questionaria os corações que se fecharam a Deus?
Mesmo as pessoas que se dedicam ao estudo e à pesquisa da teologia e filosofia, e aí se inclui o homem Joseph Ratzinger, apenas conseguem tatear, tangenciando perifericamente a questão do mal, que é um mistério. Deus não criou o mal, mas respeita a liberdade de quem o pratica. Isto é um mistério que foge à compreensão, mesmo dos especialistas. Já que não podemos penetrar no âmago do mistério, cabe-nos evitá-lo e combatê-lo.
O autor é Teólogo leigo – Doutor em Teologia Moral