OS EQUÍVOCOS DA LEI...
Incrível como virou rotina no nosso Brasil a intenção do legislador de corrigir a lei, quando surge uma discussão jurídica de relevância que atinge determinados momentos sociais. Refiro-me, principalmente, quanto à questão envolvendo o Direito Penal, pois a retórica em torno de determinado tema jurídico-penal transforma o calor dos debates na aceleração do processo legislativo de tal forma que num frívolo espaço de tempo surgem novas leis que acabam se tornando um tanto quanto extravagantes que só causam polêmica e não resolvem todas as questões pendentes. Ao contrário, começam os enxames de críticas dos doutrinadores, cujo clamor acaba se transformando em arrazoados que desmontam a realidade daquela providência legislativa, culminando em consertos judiciais através das decisões dos Tribunais, surgindo, assim, a tendência jurisprudencial que acaba mostrando os erros técnicos da lei mal formulada pelo legislativo.
Isso já ocorreu em várias outras oportunidades, como quando surgiram as regras de beneficiamento para os réus primários, desejando a lei que eles tivessem tratamento diferenciado quanto às prisões excepcionais (temporária, provisória e preventiva) relativas à antiga Lei Fleury. O mesmo problema surgiu com as mudanças atinentes aos crimes hediondos, quando a lei - ao invés de corrigir injustiças - acrescentou mais polêmica no universo da exegese jurídica, pois o legislador não soube tratar com minúcias as diversas situações fazendo interpretações genéricas da questão e acabou colocando todo mundo no mesmo "saco", gerando grandes injustiças com os chamados "mulas" ou os primários etc.
Hoje a realidade mostra que nada disso serviu de anúncio ou de freio para que o legislador parasse de agir de forma tão promíscua com a realidade penal. Basta haver uma nova polêmica a nível Nacional sobre determinado assunto envolvendo o Direito Penal, que os legisladores de apressam a formularem leis que beiram o ridículo, tamanho o descuido com o lado técnico da questão. Refiro-me à recente discussão travada a nível Nacional quanto à questão de um julgado do Superior Tribunal de Justiça, que acolheu decisão da Corte Sul-mato-grossense no caso "Zequinha" em face de uma interpretação moderna referente à conceituação do crime de Exploração Sexual de Menores. O entendimento em questão enfatizava a tendência jurisprudencial em torno da inocentia consillii, ou melhor, sobre a chamada violência presumida, quando a vítima não tem capacidade de consentir em razão da idade. Os Tribunais do país convergiam para a tese de que essa violência era relativa e não absoluta. Tratava-se, pois, de uma tese jurídica amplamente aceitável, considerando que a jovem de hoje não é a mesma de décadas atrás. As jovens estão mantendo relações sexuais em tenra idade.
Ocorre que em razão da grande repercussão Nacional em face de tal exegese jurídica, apressou-se o Ministério Público - ante a sua tendência de acusador "mor" - em desencadear um movimento fervoroso, com o falso discurso da moralidade (desprezando uma realidade fática), para obrigar que nosso Parlamento editasse mais uma lei equivocada.
Refiro-me à Lei n. 12.015/09, de 07 de agosto de 2009, que alterou o Código Penal no Título VI, Capítulo I, dos Crimes Contra os Costumes, incrementando novas figuras, redefinindo outras, mas sempre com um único objetivo, que era atender aos manifestos do Ministério Público Nacional, punindo com severidade aquele que pratica ato sexual com adolescentes menor de 14 anos. Assim, o namorado maior de 18 anos que porventura venha manter relação sexual com a sua namorada que ainda não tenha completado 14 anos, será punido com pena superior àquele que réu que tenha matado alguém. Isso, a meu ver, soa absurdo. Aliás, essa lei começou a ter uma saraivada de críticas dos doutrinadores nacionais. Assim, mais uma vez estamos diante de um casuísmo sem precedentes, apenas porque algum setor da nossa sociedade não admite que o mundo esteja mudando. Veja que escreveu Fábio Tofic Simantob, afirmando que a nova lei é um retrocesso:
Está proibida, a partir da entrada em vigor da lei, a prática sexual com menores de 14 anos. Grave erro do legislador. Primeiro por causa da desproporcionalidade. O rapaz de 18 anos que transa com a namorada de 13 está sujeito a uma pena mais severa (8 a 15 anos) que a do estupro com violência cometido contra mulher adulta (artigo 213), que é de seis a 10 anos de reclusão, e mais severa também que a do estupro com violência cometido contra menor entre 14 e 18 anos de idade (oito a 12 anos de cadeia).Embora o Código de 1940 presumisse a violência se a relação sexual fosse praticada com menor de 14 anos, a jurisprudência mais moderna do STF e do STJ vinha relativizando esta presunção, excluindo o crime quando se comprovava o consentimento válido da menor. Ou seja, o artigo 217-A é um tremendo retrocesso, por ignorar que nos dias de hoje é cada vez mais raro haver moça ou rapaz virgem aos 14 anos, não porque foram vítimas de agressão sexual, mas porque fizerem esta opção livre e conscientemente. O pior é que, ao tentar proteger os menores de 14 anos, a lei nova não fez qualquer distinção entre o sexo consentido e o violento, colocando o namorado mais velho na mesma vala comum do chamado pedófilo celerado, que estupra o menor com violência ou ameaça apenas para satisfazer a lascívia com a namorada menor de 14 anos, mesmo que com a concordância dela, ficou até mais grave do que matar alguém, já que no primeiro caso a pena é de oito a 15 anos de prisão, enquanto que a pena do condenado por homicídio simples (artigo 121 do Código Penal) é de seis a 12 anos de prisão".
Hodiernamente, em razão dos avanços de comunicação e pela evolução precoce da sociedade no que diz respeito aos assuntos sexuais, a sociedade deve estar atenta para essas questões que envolvem os jovens quanto ao tema sexual, posto que as adolescentes ou os adolescentes estejam tendo acesso mais cedo às informações sobre sexo, até em razão das doenças modernas que envolvem os atos sexuais. Essa realidade deve ser acompanhada pelos Juízes e pelos Promotores de Justiça, sob pena de estarmos construindo uma legislação injusta. Aliás, é muito comum observamos meninas com 13 a 14 anos estarem grávidas, gerando filhos na própria adolescência. Por ventura os pais desses filhos de mãe adolescente devem ir para a cadeia? Segundo a nova lei, caso isso ocorra, deverão ser condenados com penas de 08 a 15 anos de prisão.
Assim, com a essa nova lei (extravagante) é preciso que os pais fiquem atentos e orientem seus filhos quanto às leis que estão sendo editadas, pois caso um filho (maior de 18 anos) venha a se relacionar sexualmente com a namorada, dependendo da idade daquela, pode enfrentar um Tribunal, posto que a lei diga que uma adolescente não tem capacidade para consentir.
O equívoco, a meu ver, é a forma generalizada em que a lei trata do assunto. O desejo da sociedade é condenar os crápulas, os bandidos, os agentes de pedofilia, os constrangedores da liberdade sexual. Ou seja, a aspiração Nacional é condenar os bandidos, ou aqueles que se aproveitam da ingenuidade dos jovens. A lei deveria definir essas situações, fazendo ressalvas para não se correr o risco de atropelar a evolução da faixa etária dos adolescentes, não permitindo que sejam ofuscados na sua liberdade de consentir quando o objetivo for apenas manter um ato sexual em comum acordo.