AS RAZÕES DO PARAENSISMO. Ou parauarismo
Sérgio Martins PANDOLFO*
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades;
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo mundo é composto de mudanças,
Tomando sempre novas qualidades
Camões, Soneto (fragmento)
Gosto muito desse termo, ainda não dicionarizado, que pretende assinalar as qualidades e peculiaridades dos paraenses, à semelhança de brasileirismo, mineirismo, americanismo. Pessoalmente temos nos valido, igualmente, do neologismo parauarismo, derivado do nosso outro muito apreciado, charmoso e eufônico gentílico parauara [do tupi para’wara = o que veio das águas (do rio-mar)].
Paraensismo tem sido empregado muito frequentemente, e parece haver sido cunhado pelo ex-governador Almir Gabriel (castanhalense de boa cepa), com o intuito, muito positivo, de elevar o orgulho, a autoestima dos nascidos neste torrão do Norte.
Trata-se de atitude louvável e altamente salutar, a fim de neutralizar o negativismo, o amofinamento que já há algum tempo vinha minando o alter-ego de nosso povo, principalmente depois que alguém, aleivosamente, adjetivou nossa bela capital e nosso Estado de terra do “já teve”, expressão que, a par de incutir no povo a idéia de retrocesso, de definhamento, denota profundo desapreço ou desamor pelo que temos e pelo que somos.
Nenhuma cidade, estado ou nação segue tendo tudo que possuía, até porque os hábitos, os valores, as necessidades são mutáveis. O progresso exige mudanças. Vai-se um amor e vem outro, diz a letra da canção. Realmente muitas coisas que julgávamos eternas ou de nossa exclusiva propriedade deixamos de possuir, algumas vezes por incúria ou imprevisão, vezes outras pelo impositivo da modernidade. Perdemos os coretos de Nazaré, símbolos de uma originalmente época nostálgica; ganhamos o CAN (Conjunto Arquitetônico de Nazaré), agora promovido a Santuário de Nazaré, muito mais condizente com nossos foros de metrópole. A Fábrica Palmeira se foi? E daí? Quantas outras muito melhores e mais produtivas ganhamos? Sim, derrubaram o Grande Hotel, símbolo da “Belle Époque”, mas erguemos o Hilton, com o charme de suas cinco estrelas e outros mais, igualmente “constelados”. E os nossos decantados bondes, a ranger estrepitosamente nos trilhos à “espantosa” velocidade de 30km/h, (bem verdade que estamos ainda agora a braços com o “bonde do Edmilson”, sem saber o que dele fazer) dariam conta, hoje, de transportar a tempo nossos trabalhadores?
O Presidente Vargas que nos levava a Mosqueiro afundou! Que pena! Pois pegue seu automóvel, novo ou nem tanto, e em 45 minutos estará naquele paraíso insular. Já tivemos a Estrada de Ferro de Bragança, que nos tiraram; passamos a ter algo muito melhor e de maior alcance, a Belém-Brasília, cuja construção, diga-se, se fez sob o comando do médico mineiro radicado em Belém Valdir Bouhid, ante a presidência do grande estadista Juscelino Kubitscheck de Oliveira.
O Rio de Janeiro, a “cidade maravilhosa”, também já teve o esplendor da Cinelândia, a Lapa boêmia, de que só restaram os Arcos. A bucólica Copacabana dantanho, a princesinha do mar, até aonde se ia de bonde que partia da Praça Tiradentes, é hoje um bairro de classe média, com mais problemas que atrações. Ah! Não esqueçamos que o Rio também já teve seu tempo de capital federal e, mais remotamente, sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Considerações assemelhadas poderiam ser feitas em relação a São Paulo e a todas as outras capitais brasileiras.
A progressista cidade de Castanhal, com seu imponente monumento do Cristo Redentor de braços abertos para protegê-la, que teve nos trens da Estrada de Ferro de Bragança um dos pilares de seu assentamento e crescimento, perdeu, é verdade, os trens da história dessa ferrovia, mas ganhou, em contrapartida, moderna rodovia que a interliga a Belém, a todas as principais cidades da Zona Bragantina e até mesmo ao restante do País por meio da antecitada Belém-Brasília, a Rodovia de Integração Nacional. Graças a essas aquisições Castanhal orgulha-se, hoje, de ser a cidade que mais cresce (e aparece) no Pará, com belas avenidas, empresas pujantes e oferta de serviços em todos os setores que a atualidade exige.
Se fizermos um balanço isento, desapaixonado, realista, veremos que nosso Estado, e principalmente nossa Belém, só fizeram crescer; desenvolveram-se, modernizaram-se. Temos hoje muito mais coisas boas e nossas do que ontem, fruto exclusivo do trabalho honesto, criativo, suado, de nossa gente parauara. Elevamo-nos por inequívocos méritos próprios. Nossa “cidade morena”, como dizia o “maguenhéfico” Edgar Proença, está a cada dia mais bela; aí estão, para dar testemunhos, a Estação das Docas, o Museu de Arte Sacra, a Casa das Onze Janelas, o Forte do Presépio restaurado, “tinindo”, a replicar o ex-prefeito, ex-governador e jornalista de escol Dr. Hélio Gueiros, o Mangal das Garças, o Projeto Ver-o-Rio, a doca de Sousa Franco, onde antes existia o charco do igarapé das Armas, o Parque da Residência, o novo aeroporto, o Estádio Olímpico “Mangueirão”, O Hangar-Centro de Convenções e Feiras de Belém e, na área da saúde, o completíssimo e eficiente Hospital de Clínicas “Gaspar Vianna”; o Hospital Metropolitano, o Ofir Loyola modernizado, “nos trinques”; modernas avenidas a formoseiam, tais quais o “Corredor Ecológico” da Duque de Caxias, que se faz seguir pela inovadora “Brigadeiro Protássio” permitindo acesso rápido à Av. Júlio César e à BR. Como esses, inúmeros outros exemplos poder-se-iam ajuntar. Isso tudo para nos limitarmos exclusivamente à “metrópole das águas à foz do rio-mar plantada”.
A macrodrenagem transmudou para a condignidade o cariz fisionômico das sofridas áreas de baixada da cidade das mangueiras. Que não se ignore o passado, mas que não se viva dele.
Isso sim é ser paraense! Isso é paraensismo! Ou parauarismo!
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*Médico e escritor – SOBRAMES/ABRAMES
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