A festa do Corpo de Deus
Anualmente, os católicos do mundo inteiro comemoram, sempre numa quinta-feira, data da instituição da Eucaristia, a Festa do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo, antes romanicamente chamada de Corpus Christi. Em adoração a Jesus, presença no Santíssimo Sacramento do Altar, a Igreja celebra, desde o século XIII essa festa, como participação popular no mistério daquilo que os santos, os Pais da Igreja e os teólogos chamaram de “sol dos sacramentos”. No ano de 1246, Santa Juliana, de Cornillon-Mont, França, iniciou em sua comunidade de religiosas, em Liége, uma celebração em homenagem ao Corpo de Deus, presença viva e real no sacramento da Eucaristia.
Naquela época, a adoração ao mistério eucarístico andava de certa forma prejudicada pelas heresias dos cátaros, valdenses e albigenses, bem como pelo secularismo mundano que grassava pela Europa, e em especial na França. Algumas correntes teológicas atribuem a Santo Antônio, quando de suas pregações, todas centradas prioritariamente na Eucaristia, naquela região francesa, o surgimento de uma consciência quanto à presença real de Cristo sob as espécies de pão e vinho. A iniciativa de Santa Juliana, posterior à estada do santo por terras francesas, pode ter sido decorrente daquela semente. Posteriormente, no ano de 1264, o Papa Urbano IV estendeu a toda a Igreja universal do Ocidente a festa comemorativa ao Corpus Christi, com celebração especial e procissão festiva.
Para tanto, a autoridade eclesiástica incumbiu Santo Tomás de Aquino de organizar a liturgia da festa. Nessa ocasião, o doutor angélico compôs o Tantum Ergo Sacramentum (Tão divino sinal). Com instruções específicas, próprias das culturas medievais, a festa deveria ser celebrada com luxo nos paramentos, vasos, alfaias e objetos sagrados, bem como nos trajes populares. Esse luxo, hoje, não quer dizer mais pompa e ostentação, mas deve se traduzir por respeito, louvor e adoração ao mistério divino. Depois do Concílio Vaticano II (1965), a Igreja celebra Corpus Christi como festa do “Corpo e sangue de Cristo”, numa clara alusão ao inestimável dom da Eucaristia.
Conforme tradições germânicas do século XV, a procissão do Corpo de Deus ao passar pelas ruas da cidade devia fazer uma parada em quatro altares estrategicamente montados, ornamentados pelo povo, onde eram cantados hinos eucarísticos e o ostensório, onde era levado o Santíssimo Sacramento, era incensado. Em cada um desses locais era dada uma bênção. Eu disse estrategicamente, pois os quatro altares aludidos, colocados em esquinas ao longo do caminho, eram instalados voltados para os quatro pontos cardeais, simbolizando a universalidade da Igreja e sua missão de testemunhar Cristo “até os confins da terra”.
Esse tipo de celebração, aderente à procissão, ainda é hoje usado, aqui no sul, em alguns ambientes teuto-brasileiros. A Eucaristia, como “sacramento do amor” e memorial da Páscoa de Cristo, retrata o mistério da salvação, realizado pela Vida, Morte e Ressurreição de Cristo. Cristo associa sua Igreja viva ao seu sacrifício de louvor e ação de graças oferecido de uma vez por todas na cruz ao seu Pai. Por esse sacrifício ele derrama as graças da salvação sobre seu corpo, que é a Igreja.
Nesse particular, a Eucaristia é a síntese das realidades divinas e humanas, e como tal deve ser adorada e anunciada. Embora um pouco relaxado, o costume de acompanhar a procissão do Corpo de Deus é uma devoção que deve ser retomada por nossa gente, pois na Eucaristia está o ponto alto da fé cristã e católica.
o autor é Doutor em Teologia Moral