Políticas de botequim
Políticas de botequim - Michel Farah Valverde
O editorial do DIÁRIO DE SOROCABA, de 1º de agosto, levantou um assunto muito pertinente para esta época pré-eleitoral, a saber: a multiplicidade descontrolada de partidos políticos no Brasil. De fato, são tantos partidos constituídos, de diferentes linhas ideológicas (ou sem linha nenhuma), que fica difícil para o brasileiro discernir corretamente em qual representante de qual partido confiar o seu voto e sua esperança. Mas essa proliferação nada mais significa além de retratar, com esmero e sem contestação, um quadro deveras decepcionante: a banalidade da consciência política que acomete a maioria dos cidadãos. Da parte dos candidatos ao exercício profissional da política - se é correto afirmar assim -, o banal já se entranhou de tal forma que chega a ser praticamente impossível reverter o estado de atrofiamento do caráter em favor do comprometimento racional de administrar o bem comum. Não quero acusar os políticos de ladroagem e sim alertar aos referidos sobre o conflito existente entre as intenções sinceras do fazer político e a necessidade corporativa imposta a todos os membros da classe parlamentar, conforme já apontado em outros termos por Max Weber.
No que se refere ao povo, a gravidade da falta de consciência política se abate severamente, em muito pelo esforço insistente dos seus representantes em mantê-los nessa inércia antissocial, a ponto de instruí-los a seguir passa-a-passo suas orientações, a acreditar sem titubear em todo o palavrório dito, de preferência com o acréscimo caloroso de palmas e ovações. Esse tipo de populismo, alienador em essência, cunhado com alianças partidárias, gastos extraordinários em propaganda e marketing e muita omissão, é o perfil do atual governo federal, e qualquer crítica que possa surgir contra este stablishment instaurado no Brasil de longa data é tomado como ataque gratuito à Presidência ou ao próprio País, já que o governo parece querer a identificação absoluta do Estado com a população e seus ideais.
Diante dessa situação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou severamente os opositores do Bolsa Família, alegando que todos aqueles contrários a essa política social ou ignoram a sua virtuosidade ou são imbecis (e não petistas, é claro!). Disse, conforme divulgado pela imprensa: "Alguns dizem que o Bolsa Família é uma esmola, é assistencialismo, é demagogia e por aí vai. Tem gente tão imbecil, tão ignorante, que ainda fala que o Bolsa Família é para deixar as pessoas preguiçosas, porque quem recebe não quer mais trabalhar". E continuou, ríspido: "Somente uma pessoa ignorante ou de má-fé, ou ainda que não conhece o povo brasileiro, será capaz de dizer que uma pessoa que recebe o Bolsa Família vai ficar vagabundo e não quer mais trabalhar. É não conhecer a sociedade brasileira".
Comentar sobre a retórica de botequim do Lula é chover no molhado, mas falar das suas políticas de botequim é necessário. Afinal, se manter 11 milhões de brasileiros no nível de pobreza, recebendo uma ninharia que nem pode sustentar uma pessoa (nem com um salário mínimo dá para se viver dignamente, quanto mais com 68 reais) e repassando o dinheiro do contribuinte - de uma forma ou outra o é -, para criar um grupo eleitoreiro fiel à comodidade do benefício (e isto não é o mesmo que chamar as pessoas de preguiçosas, como quer fazer pensar as declarações do Presidente), não for assistencialismo, então toda definição dessa ordem está equivocada. Acho, contudo, mais confiável a ciência política do que os discursos presidenciais.
Além do mais, ter a cara-de-pau de denominar esse programa de "social" requer, no mínimo, algumas considerações. A assistência social, para sê-lo, precisa se preocupar em inserir o indivíduo na sociedade como sujeito ativo e não mantê-lo dissociado das chances de crescimento, como objeto de altruísmo do Estado. Isso significa que o cidadão deve possuir condições reais de participar do mercado, de ter estabilidade econômica, de adquirir bens e oferecer trabalho de acordo com suas escolhas e pelas circunstâncias. Quando esquerdistas criticam as ideias liberais por julgarem que elas não são a favor da colaboração do Estado para diminuir a pobreza, intensificando as desigualdades entre ricos e pobres, estão redondamente errados. O Estado pode e deve colaborar com a verdadeira promoção humana, qual seja a de oferecer oportunidades para transformar vítimas da desigualdade em sujeitos autônomos, não dependentes de filantropos e autogerentes das suas vidas, e isso o Bolsa Família não faz. O comodismo, e não vagabundagem, nasce exatamente da ausência de um projeto radical de mudança e para quem tem pouco é mais sóbrio manter-se do mesmo jeito. O governo, então, interfere na vida dos brasileiros de maneira superficial e essa ação não estimula transformação dos cidadãos e nem lhes abre portas promissoras.
Se o Lula conhece bem a sociedade brasileira, deveria, então, pressupor a urgência de valorizar o potencial desse povo tão batalhador e forte, para assim criar nele a vontade de mudar. Se o Presidente nega o direito de questionar suas atitudes e planos (chamar todos os opositores de imbecis e idiotas traduz uma postura autoritária e inabilidade democrática, além de não ser de bom tom), também poderá negar, com igual má-fé atribuída aos seus desafetos, outros direitos mais elementares de cidadania e humanização, ligados à autonomia individual e corresponsabilidade social entre pessoas dignas e realmente valorizadas.
Políticas de botequim são enganações propositadas, objetivando conturbar as mentes frágeis e iludi-las pela encenação bufônica da democracia, no fundo uma farsa divertida e para poucos privilegiados - e estes não estão entre os 11 milhões de bolsistas, pode apostar. - http://www.diariodesorocaba.com.br/noticias/not.php?id=57553