A HISTÓRIA DO DRAMA - DE ÉDIPO A GODOT

1. Sobre a história do drama

O teatro como conhecemos teve sua origem no século VI a.C., na Grécia, surgindo das festas dionisíacas realizadas em homenagem ao deus Dionísio (deus do vinho, do teatro e da fertilidade). Essas festas, que eram rituais sagrados, procissões e recitais que duravam dias seguidos, aconteciam uma vez por ano na primavera, período em que se fazia a colheita do vinho naquela região. Porém, antropólogos e estudiosos defendem que o teatro surgiu muito antes, desenvolvendo-se a partir do próprio desenvolvimento do homem, através das suas necessidades. O homem primitivo era caçador e selvagem, por isso sentia necessidade de dominar a natureza e, através desta necessidade, que teria surgido invenções como o desenho e o teatro na sua forma mais primitiva. Esse teatro primitivo seria uma espécie de danças dramáticas coletivas que abordavam as questões do dia-a-dia, uma espécie de rito de celebração, agradecimento ou perda. Com o tempo o homem passou a realizar rituais sagrados na tentativa de apaziguar os efeitos da natureza, harmonizando-se com ela. Então, os mitos começaram a evoluir e vieram as danças miméticas (compostas por mímica e música) que eram a história do mito em ação, ou seja, em movimento.

O teatro grego surgiu, segundo historiadores, de um acontecimento inusitado, quando um participante do culto a Dionísio, Téspis, resolveu vestir uma máscara humana, ornada com cachos de uvas e disse em praça pública ser Dionísio, chocando a todos com sua coragem de fingir ser um deus, pois acreditava-se que um deus era um ser intocável que só deveria ser louvado. Porém, muito se discute sobre a origem do teatro grego e, conseqüentemente, das tragédias. Aristóteles, em sua Poética, apresenta mais duas versões, além da já citada, sobre o surgimento da tragédia. A segunda versão relaciona o teatro com os Mistérios de Eleusis, uma encenação anual do ciclo da vida, isto é, do nascimento, crescimento e morte. A semente era o ponto principal dos mistérios, pois a morte da semente representava o nascimento da árvore, que por sua vez traria novas sementes. E a terceira concepção para o nascimento da tragédia, é de que o teatro nasceu como homenagem ao herói dório Adrausto, que permitiu o domínio dos Dórios sobre os demais povos indo-europeus que habitavam a península.

Segundo Aristóteles, a tragédia era educativa, e tinha a função de ensinar as pessoas a buscarem sua medida ideal, não pendendo para nenhum dos extremos de sua própria personalidade. Seguindo essa linha de raciocínio, Albin Lesky e Junito Brandão em sua análise das obras dos principais autores trágicos, Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, encontraram o que eles chamaram denominador comum da tragédia: o métron de cada um. Esse métron faz referência ao mito de Procrusto, que convidava os viajantes a se hospedarem em sua casa, mas só possuía uma cama muito grande e outra cama minúscula e, durante a noite, Procrusto procurava adequar o viajante à cama escolhida, serrando os pés dos que optavam pela cama pequena ou esticando os dos que escolhessem a cama grande. O objetivo de Procrusto era colocar cada um na sua medida, ou melhor, no seu métron. Desse modo, podemos concluir que, através do teatro, onde se via heróis e deuses vivenciando situações e tendo que lidar com sentimentos verossimilhantes a realidade, os espectadores podiam, através da catarse, - essa identificação profunda e analítica – conhecer os limites de seu métron e assim crescer como seres humanos.

Sobre o teatro romano, apesar de baseado nos moldes gregos criou suas próprias inovações, como a pantomima (em que apenas um ator representava todos os papéis, com a utilização de máscara para cada personagem interpretado, sendo o ator acompanhado por músicos e por coro), utilização de exibições acrobáticas e jogos circenses. Mas, com o advento do Cristianismo, o teatro passou a ser considerado pagão.Desta forma, as representações teatrais foram totalmente extintas.

Podemos dizer sobre o teatro medieval que este era utilizado como veículo de propagação de conteúdos bíblicos, tendo sido representados por membros da igreja (padres e monges), e também com finalidades políticas, dedicando-se ao entretenimento de nobres e reis.

Sobre o teatro renascentista foi mais notadamente na Itália que este rompeu com as tradições do teatro medieval, havendo, então, uma verdadeira recriação das estruturas teatrais através das representações do chamado teatro humanista. Os atores italianos deste, basicamente, eram amadores, embora já no século XVI tenha havido um intenso processo de profissionalização dos atores, com o surgimento da chamada "Commedia Dell'Arte", em que alguns tipos representados provinham da tradição do antigo teatro romano: eram constantes as figuras do avarento e do fanfarrão. Um dos aspectos marcantes nesse teatro foi a utilização de mulheres nas representações, fato que passou a se estender para os outros países.*

Ao cabo do século XVIII, as mudanças na estrutura dramática da peças foram reflexo de acontecimentos históricos como a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. Surgiram formas como o melodrama, que atendia ao gosto do grande público.

Ao final do século XIX uma série de autores passaram a assumir uma postura de criação bastante diversa da de seus predecessores românticos, visando a arte como veículo de denúncia da realidade. Este período, também conhecido como a crise do drama, onde há um rompimento com a poética clássica, a estrutura continua a ser clássica, com a permanência ainda dos flashbacks - o passado que retorna para explicar e assombrar o presente -, porém o conteúdo é muito épico e moderno, e começa a abandonar a ação para enfatizar a subjetividade das personagens. Um expoente representante deste período é Henrik Ibsen (1828-1906) alcunhado de o pai do drama moderno. Suas peças eram caracterizadas por um realismo crítico, e nelas destacava-se o indivíduo em oposição à maioria e à autoridade opressiva da sociedade. Porém, é nas obras de Anton Tchekhcov que essa falta de ação e ênfase a subjetividade é mais visível. Sua obra é marcada pela renúncia, resignação e nostalgia.

O teatro do século XX caracteriza-se pelo ecletismo e pela grande quebra de antigas tradições. E Samuel Beckett é, sem dúvida, um dos grandes dramaturgos do século XX. Intitulado criador do Teatro do Absurdo , ao lado de nomes como Eugene Ionesco e Jean-Paul Sartre, Beckett propôs uma radical mudança nas artes cênicas da época. As montagens de suas peças, em que o texto tem grande peso, representou uma verdadeira ruptura com o teatro vigente. Os textos curtos, as frases rápidas, os personagens monologantes e os diálogos terminados quase sempre com reticências, de maneira incompleta, faziam de sua literatura algo novo. Perfeita sinergia entre a forma e a idéia. Beckett traduziu, com um grande poder de síntese, em suas obras, o homem contemporâneo e suas indagações em relação à vida, à morte, aos desejos, aos fracassos, à impossibilidade da felicidade, etc. e por mais que este homem contemporâneo busque meios para a obtenção do conhecimento, por mais que desenvolva sua ciência, as tecnologias, que experimente novas formas de criação artística, invente novas linguagens, novos meios de comunicação, ele está, irremediavelmente, fadado a não saber. E espanto por tal constatação leva este homem a uma paralisia criativa que o impede de agir, pois mesmo a ação, e isso ele sabe, o levará ao nada. Já Brecht acreditava no teatro como um meio de esclarecimento, o teatro para ele não deveria ter a função apenas de entreter mas, principalmente, de informar. Ele objetivava em suas obras promover um distanciamento, uma não identificação do espectador com as personagens para que sua emoção não obscurecesse o senso crítico do mesmo.

Considerações a respeito da história do drama:

Como pudemos perceber através da breve exposição teórica acima a respeito da história do drama, o teatro ocidental em sua essência permaneceu inalterado através dos séculos, das épocas e das sociedades que o praticavam. Se atentarmos para o que pensava Aristóteles sobre o teatro - por essa razão me deti um pouco mais na história do drama clássico - , para ele o teatro tinha uma função educativa, oras, não é a mesma função que Brecht acreditava que o teatro deveria ter? A essência é a mesma, apenas o foco é que muda, enquanto o teatro grego pensava no desenvolvimento do homem através da observação do próprio homem em ação, Brecht defendia que esse desenvolvimento ocorreria se o homem observasse de maneira dissociada (sem a confusão provocada pela identificação) o homem em ação, mas uma ação no meio social. Em Brecht o enfoque deixa de ser o ser para ser o fazer, o agir.

Consideremos agora, então, Beckett e a não-ação das personagens devido à certeza niilista de que mesmo a ação conduz ao nada. Isso me parece similar à concepção grega de que quem procurava se auto-governar e fugir de seu destino, teria como resultado final aquele mesmo destino que destemidamente lutava contra. Se ponderarmos que o derradeiro destino contra o qual lutamos incessantemente é a morte, então encontraremos nisto essa intercessão do drama clássico com a obra de Beckett, onde há essa aceitação da morte simbólica que é a não ação, a paralisia criativa, o nada a fazer, tanto que alguns de seus personagens chegam a buscar o suicídio, a morte real como fuga da morte simbólica, mas não chegam a concretizar esse objetivo.

Não tecerei comentários sobre os demais dramaturgos como Tchekhcov e Ibsen, pois ainda na exposição teórica acima foram citadas algumas das características que os ligam ao drama clássico, como a utilização do passado como fantasma que determina e interfere no presente e a própria estrutura do drama ainda era nos moldes clássicos só que com um conteúdo moderno e épico. Diferentemente do drama clássico que era feito para ser interpretado, que só ganharia vida em cima de um palco*, as obras de Ibsen e Tchekhcov abrem um precedente para um drama que também poderia ser lido, dado o grau de seu caráter épico.

2. Diálogo com as obras estudadas

Sobre Édipo Rei, escrito em, provavelmente, 430 a. C., por Sófocles.

Aristóteles defendia que a paixão era o que corrompia o herói, o fazendo não conseguir encontrar o seu métron e assim instalando-se a tragédia. Édipo tentou em vão fugir do seu destino, e casou-se com sua mãe e matou a seu pai por não ser capaz de controlar sua impulsividade, - por orgulho ele matou o pai e por ganância desposou a mãe. Não encontramos ética no comportamento de Édipo, e ética era justamente o único fator capaz de fazer o herói permanecer em seu métron e assim evitar sua desdita.

O drama clássico é uma coisa tão completa, tão preciosa que ainda hoje é utilizado como referência para estudos sobre a mente e o comportamento humano. Ora, Freud, o pai da psicanálise não criou uma teoria intitulada complexo de Édipo (que aborda a inclinação erótica de uma criança pelo progenitor do sexo oposto)? E se tomarmos por exemplo Medéia, de Eurípides, uma mulher capaz de matar aos próprios filhos e a si mesma para vingar-se do marido adúltero, percebemos quão contemporâneo é esse tema. Quantas Médeias não vemos todos os dias nos noticiários na tv.? Daí o caráter atemporal do drama clássico, que desperta a reflexão do expectador que observa a incessante busca do herói por si mesmo. Ele é atemporal por abordar temáticas delicadas sobre a conduta humana como o incesto, o adultério, o parricídio, dentre outros tipos de comportamento que vão de encontro à ética, base de uma existência social.

Sobre Casa de bonecas, escrito em 1897, por Henrik Ibsen.

Casa de Bonecas é um claro exemplo de realismo crítico: Nora, esposa e mãe, começa a compreender a sua posição na vida e a sua cega obediência ao marido e ao resto da sociedade. Percebe que para mudar tudo isso terá que pôr fim ao casamento e deixar, não só o marido, mas também os filhos. Nora quebra os votos do casamento e desperta para uma consciência própria ao renunciar ao seu dever inquestionável para com a família.

O objetivo de Ibsen através da personagem Nora era mostrar que a mulher poderia e deveria crescer e se tornar uma pessoa adulta, independente e responsável por si mesma. Durante toda sua vida Nora fora considerada fútil, apenas uma bonequinha de luxo que deveria ser mimada e protegida. Até aí nada de errado dentro dos moldes patriarcais, só que no decorrer da história Ibsen mostra o outro lado da moeda, ele expõe quão frágil é essa proteção que Nora possuía e como esse tipo de comportamento patriarcalista pode ser perigoso e trazer conseqüências até mesmo trágicas para a vida das personagens. Nora havia sido protegida e mimada pelo pai, e depois o mesmo ocorreu com seu marido até que este ficasse muito doente e, então, Nora tivesse que assumir uma posição para solucionar o problema. Percebamos que a iniciativa dessa mudança não partiu da personagem, ela estava cômoda com seu papel de ser uma boneca, na verdade ela não tinha consciência de que era uma boneca, mas as circunstâncias a obrigaram a agir por conta própria e descobrir habilidades que até então nem ela mesma sabia possuir.

Porém, considerando agora a temática de casa de bonecas, apesar de sua importância no despertar da consciência não só feminina sobre suas possibilidades, mas social através dessa exposição da grande farsa que eram as famílias burguesas, ao contrário dos dramas clássicos que eram atemporais, Casa de Bonecas foi feita para seu tempo. Hoje, depois da “libertação” feminina no mundo ocidental, a temática desse drama perdeu seu caráter contemporâneo, ele não desperta mais no espectador as mesmas emoções de seu tempo, ao contrário, por exemplo, de Medéia, cujas ações provavelmente despertaram repúdio em seu tempo e ainda hoje despertam. Esse é o grande problema das obras que abordam uma temática social, elas se prendem a seu tempo, ao contrário das obras que abordam as minúcias e as complexidades da alma humana, estas obras são atemporais, pois enquanto o ser humano existir elas estarão valendo.

Sobre As Três Irmãs, montado em 1901, por Anton Tchekhov.

Sobre As Três Irmãs há muito pouco o que eu possa dizer, pois nem mesmo tive acesso a leitura completa da obra, portanto toda e qualquer opinião que eu manifeste será baseada na leitura tão somente do primeiro ato deste drama.

Como já foi dito anteriormente na exposição teórica sobre a história do drama, a falta de ação e ênfase a subjetividade são dois aspectos bastante notáveis na obra de Tchekhov. Em As Três Irmãs basicamente não há ação, nem enredo, nem clímax, apenas diálogos que por vezes são monólogos - as personagens falam consigo mesmas ou para outrem sem saber que não estão sendo ouvidas. A presença de um passado nostálgico também é algo muito marcante na obra, apesar da insatisfação com o presente, as personagens não reagem, resignam-se as limitações de suas próprias rotinas, idealizando o já vivido e sonhando em resgatá-lo, mas sem fazer nada para obtê-lo. Não há confrontos, nem mesmo de idéias, apenas uma aceitação mórbida de tudo. As personagens apresentam-se frias, presas a suas próprias subjetividades, solitárias e infelizes.

Sobre O Círculo de Giz Caucasiano, escrito em 1945, por Bertolt Brecht.

Durante uma guerra, alguns camponeses fugindo deixaram para traz um fértil vale, que, quando desocupado, foi logo invadido e defendido aos dentes por outro grupo de camponeses que cuidaram do local e, inclusive, trataram de melhorá-lo criando um sistema de irrigação. O grande questionamento da peça tem haver com o conceito de justiça. Quem, depois da guerra, é o legítimo dono da terra? Os antigos ou os novos? Sentados para discutir isso, começa uma peça dentro da peça, onde se ilustra essa disputa.

A peça dentro da peça se baseia na famosa narrativa bíblica do rei Salomão, que conta a história duas mães que procuram o rei para saber quem tem mais direito sobre uma criança, e a decisão do rei, muito sabia, é que aquela tem mais amor é a mãe de verdade, e isso independe de laços sangüíneos, assim como a justiça do pertencimento no caso da terra independe dos direitos que os primeiros donos tinham adquirido por haverem-na ocupado anteriormente, pois quem se intitula dono de algo deve zelar por esse algo e, diante de um abandono, todos os direitos se esvaem.

Em O Círculo de Giz Caucasiano, Brecht apresenta a problemática sobre o direito de posse e oferece ao final da peça dentro da peça uma possível solução, quando o cantor diz que as coisas só devem pertencer a quem cuidar bem delas.

Sobre Esperando Godot, escrito em 1949, por Samuel Beckett.

– Nada a fazer.

Com esta frase, que traduz todo sentido da obra de Beckett, se inicia Esperando Godot.

A história, se é que podemos chamá-la assim, trata-se basicamente de dois mendigos, em um local indeterminado, - que mais se assemelha a uma dimensão paralela ou a um confuso cenário de sonho, tamanho é o distanciamento com a realidade concreta – com uma estranha relação de amizade e necessidade mútua. Ambos esperam a um personagem fantasma supostamente chamado Godot, o qual só se manifesta na obra pela fala de outrem, sua existência quase chega a ser comprovada quando por duas vezes surge um menino com a mensagem de que Godot virá num dia seguinte, mas este nunca chega.

Esta obra é marcada pela indefinição, não somente espacial, mas os diálogos também não são muito claros nem primam pelo sentido, assim como as poucas ações que desenvolvem as personagens. Toda a obra é envolta em uma grande abstração. A condição humana é que está em questão, vícios sociais modernos como o desinteresse, o conformismo e a desesperança contribuem para que uma grande e fastidiosa apatia se instale na sociedade. Depois das duas grandes guerras mundiais, vimos quão capaz é o ser humano de cometer atos abomináveis e diante deles nenhuma maravilha desenvolvida ou conquistada parece ter sentido. Para que criar o belo, o bom, o útil, se o ser humano se compraz é na feiúra, na vileza e na iniqüidade? Isso realmente não tem sentido. É esse sentimento de impotência, é essa reflexão sobre incoerência das atitudes humanas, é essa a mensagem que Esperando Godot passa a seus expectadores. A mensagem de que seria preferível a não-ação a ações ignóbeis.

Podemos dizer que Esperando Godot é, diferentemente de Casa de Bonecas, uma obra atemporal, pois não se prende a questões políticas ou sociais imediatas, sua temática é voltada para questões existenciais profundas que assolam a mente humana desde sempre.

3. Referências Bibliográficas

BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2004.

Caterine Araújo
Enviado por Caterine Araújo em 11/08/2009
Código do texto: T1748360