Perfeição e medo

Perfeição e medo - Adalberto Nascimento

O seis é um número perfeito. Como ocorre com seres humanos, os perfeitos são raros. Na verdade, não existe nenhum ser humano perfeito. No que se refere a números, até hoje são muito poucos os já conhecidos. Para os matemáticos, um número é perfeito quando ele é igual à soma de seus divisores. No caso do 6, os divisores são 1, 2 e 3, que somados resultam no próprio 6. O próximo número perfeito é o 28, que pode ser dividido por 1, 2, 4, 7 e 14. Em seguida temos o 496, e depois dele o 8.128. O próximo conhecido é da ordem dos milhões: 33.550.336. E vão rareando.

Em 2005 foi descoberto mais um, e com dezoito milhões de dígitos. Escrevê-lo implicaria um espaço equivalente ao de 4.000 artigos semelhantes a este. É humanamente impossível descobrir todos os números perfeitos, mas uma coisa é certa: todos eles são pares.

Em grego, seis era “hex”. Todo mundo há de lembrar que no ano passado perdemos a chance de sermos hexacampeões mundiais de futebol. E por causa desse “hex”, hexagramas são figuras com seis lados, em geral usados como símbolos. Um dos mais famosos é a Estrela de Davi, composta de dois triângulos eqüiláteros sobrepostos em sentidos contrários. É o símbolo adotado pelo judaísmo e integrante da bandeira de Israel. Segundo a crença judaica, o triângulo cujo vértice está para cima aponta para Deus; o de vértice para baixo, para a humanidade.

Em latim, seis é “sex”. Então poderíamos ter sido “sexacampeões”? Ou teria isso a ver com algum outro tipo de atividade? O fato é que temos muita coisa relacionada ao seis. Eis algumas: semestre, sextante (instrumento de navegação contendo um arco de sessenta graus) e sesta. Quando “tiramos a sesta” estamos, na verdade, “tirando a sexta”. Sesta vem do espanhol “siesta”. Era na sexta hora do dia que, depois de se empanturrar, o pessoal “tirava a siesta”. Isso porque todo mundo acordava bem cedinho - às seis - e descansava na sexta hora depois de levantar, quando, digamos, era o meio-dia.

Do seis, o que mais importuna e dá medo aos supersticiosos é o número da besta (666), criando no mundo inteiro uma espécie de “hexafobia” (ou seria “trihexafobia”?). Nos Estados Unidos, as placas de uma estrada designada como US-666 foram todas surrupiadas. Aqui, como exemplo de designativo rodoviário semelhante, temos a famigerada BR-116.

E a tal “Route 666” americana é agora a inofensiva “Route 491”. E, em Moscou, uma linha de ônibus designada como 666 foi alterada para 616.

Falando nisso, no tempo da faculdade odiávamos a linhas 929 e 942 da CMTC. Essas eram as linhas que nos faziam de bestas. CMTC era a Companhia Municipal de Transporte Coletivo do município de São Paulo. Os mais antigos davam outro significado para esse acrônimo. Quando essa companhia começou a operar, a passagem foi aumentada em trinta centavos. E o pessoal começou a interpretar CMTC como “Cobra Mais Trinta Centavos”. Essa história me foi contada por um professor da Poli e eu não via a hora de poder reproduzi-la. Taí...

Voltando ao “trihexa”, consta que em Tijuana, considerada a “Cidade Mexicana do Pecado”, depois do protesto de muitos pecadores, o código de área de um bairro foi alterado de 666 para 664. E, para não rotular essa mania como uma exclusividade ocidental, um contingente de 666 soldados sul-coreanos enviado ao Iraque foi, pouco antes da partida, ampliado em mais 7 soldados.

Dentre outros fatos folclóricos relacionados ao 6, temos a história de uma refilmagem sobre o diabo. O filme “The Omen 666”, inicialmente previsto para ser reproduzido na Croácia, teve que ser rodado na República Tcheca e na Itália, depois de intensos protestos dos croatas. Esses croatas são mesmo uns chatos - inventaram a gravata.

Márcio Bueno, um amigo dos tempos de faculdade, escreveu um livro excelente - “A origem curiosa das palavras”. Ele explica que gravata vem do francês “cravate”. Nos séculos XVII e XVIII até a Revolução, o Exército francês contou com um regimento de cavalaria formado por mercenários croatas (“cravates” em francês antigo), conhecido como “Royale-Cravate”. Os soldados desse regimento usavam uma tira de pano pendurada ao pescoço, que passou a ser chamada também de “cravate”, o que deu origem à denominação da nova peça de vestuário.

Depois desse intervalo (que foi do tamanho do intervalo do “Ben-Hur”), voltemos ao filme “The Omen 666”. Para atazanar os supersticiosos, os produtores fizeram o lançamento dessa película em 6 de junho de 2006 (6/6/06).

E a neurose ao 6 tem mais esquisitices. Além do 666, muitos também não aceitam para numeração de suas casas o 665 e o 667, porque, de certa forma, poderiam ser considerados “vizinhos da besta”. E para alguns mais radicais o 333 não é bom. É a “besta fazendo metade do trabalho”.

Eu, como sou de gêmeos (6/06), não acredito nessas coisas e nem em horóscopos.

Adalberto Nascimento

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 07/08/2009
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