Cara Metade
Quando ouvi pela primeira vez esta expressão demorei em entendê-la. Mas, perscrutando, compreendi a profundeza de seu significado. – duas partes que se complementam para formar a unidade. O divisível é somado, conjuminado, intimizado. Há um compromisso de complementaridade, de cumplicidade. Há soma na divisão.
Pois é, uso esta expressão para refletir sobre a cara metade do Brasil – a raça negra. No dia vinte, próximo passado, fora celebrado o Dia da Consciência Negra, ou como está sendo chamado, Dia de Zumbi. Prefiro à primeira, pois, ao contrário, cairíamos novamente no erro de escrever a história a partir dos heróis. A expressão Consciência Negra ecoa mais forte; incomoda mais, chama para o compromisso.
A cara metade negra do Brasil infelizmente não tem sua identidade reconhecida de fato. É camuflada, não é assumida. A conquista de espaços deu-se mais pela teimosia de alguns e irreverência de outros, do que pelo “processo democrático” A apartheid social no Brasil é escalabroso e escandaloso.
O fiel da balança não suporta o peso.A culpa é da própria história. Quando a princesa Isabel decretou liberdade aos escravos, tentando fazer as pazes com o povo brasileiro, agradando a Inglaterra e abafando o Movimento Republicano, acabava de decretar a condenação do negro. Como não podiam mais permanecer nos engenhos e fazendas de café, foram obrigados a perambular pelas estradas ou se arranjarem nas periferias das cidades, sobrevivendo de biscates. No fundo, a Lei Áurea favoreceu mais os fazendeiros que os próprios escravos.
Hoje, o negro não precisa mais de princesas para dar-lhes a liberdade. Precisa sim, de espaços para mostrar sua cara, sua coragem, sua ginga e sua verdadeira história. E a hora é agora!O depois não existe, é incerto. O Brasil não pode ignorar
sua cara metade. Caso contrário, continuará olhando para a história com uma única visão, caolha, unilateral.
É preciso enxergar a contramão.