O conhecimento acumulado e a prática da virtude.
Lendo o artigo de Miro Hildebrando*,
articulista do jornal "A Notícia" de Joinville, SC, Brasil,
tive a oportunidade de rever alguns
conceitos seculares que muitos povos praticam com regularidade.

Diz este articulista que  devemos sempre nos lembrar
 
"do papel fundamental junto à sua própria família, ajudando a preservar sua memória, e contribuindo para reduzir a triste ignorância das próprias origens."

Na velhice do homem "os seus melhores recursos são o conhecimento acumulado e a prática da virtude."




3 de agosto de 2009. | N° 482Alerta
ARTIGO
O sonho de Cipião, por Miro Hildebrando*
Um século antes do luminoso nascimento de Cristo, um cidadão da antiga Roma, filósofo e escritor, de nome Marco Túlio Cícero, escrevia sobre muitas coisas – a política, a natureza dos deuses, as leis, a amizade, até mesmo sobre leis agrárias e, para o interesse perpétuo da humanidade, sobre a velhice.

Não de uma maneira piegas ou piedosa, mas sob o ponto de vista do homem que vê passar o seu tempo e chega, súbito, ao momento de avaliar o que fez em sua passagem pela Terra; sem lastimar o vigor perdido nem os problemas trazidos pela fragilidade crescente, mas planejar o que pode ser feito para desfrutar do resto de uma vida que ainda pode ser prazerosa e produtiva.

Sem nenhuma surpresa, Cícero descreve que uma das coisas fundamentais para o idoso é o encontro com a natureza, e dedicar-se a atividades agrícolas; relembrar das coisas boas que foram construídas ao longo da vida e gozar do prestígio que o circunda.
 
Sem esquecer do papel fundamental junto à sua própria família, ajudando a preservar sua memória, e contribuindo para reduzir a triste ignorância das próprias origens.

Cipião, ao conversar com um homem idoso que desfrutava da reputação de modelo máximo da cultura romana, confessa-lhe seu encantamento ao constatar que para ele a velhice não se afigura penosa; seus melhores recursos são o conhecimento acumulado e a prática da virtude.

Catão, seu interlocutor, afirma-lhe que o modo honesto de conduzir a vida, associado à lembrança de realizações virtuosas, é algo que lhe parece sumamente gratificante.

Civilizações mais antigas que a brasileira – como a japonesa – e sociedades que já passaram da fase adolescente e atingiram a fase madura – como a italiana – preservam seus velhos e seu lugar na sociedade.

Seu papel continua importante – as mulheres idosas têm um desempenho maravilhoso no íntimo da família, ajudando não somente na administração da casa como na educação das crianças; aos homens, um tanto mais reservados e introspectivos, o papel de vovô é frequentemente fundamental e de importância inestimável para o equilíbrio psicológico de todos.
 
Nossas estruturas mentais são beneficiadas quando podemos conviver ao mesmo tempo com várias gerações.

O que me lembra do meu bom e velho pai que, aos 96 anos, ainda era capaz de segurar um netinho nos braços e lhe contar histórias.

Os brasileiros têm feito algumas coisas boas nesse sentido – lugares especiais em ambientes públicos, preferência no atendimento em bancos e repartições, uma lei geral do idoso que protege de abusos e preconceitos, lembrando ainda da atuação do próprio Ministério Público para assegurar o cumprimento daquilo que deve ser considerado como parte dos direitos humanos fundamentais.

Mas nem tudo anda bem.

Em muitos ambientes públicos – como supermercados, por exemplo – existem vagas especiais para o estacionamento dos veículos dos idosos.

É algo extremamente civilizado reservar lugares para eles; devemos ter em mente que todos nós, mais cedo ou mais tarde, ocuparemos tais lugares, com graça e justiça.

É aqui que bate o ponto. Quantas vezes já vimos estacionando nas vagas para idosos e deficientes físicos veículos dirigidos por jovens alegres e robustos?

Como se fosse um direito natural, adultos e adolescentes se comprazem desfrutando de uma vaga de garagem bastante conveniente, mas reservada para outra pessoa.

O que os faz tão seguros de si, tão rápidos em cometer a pequena infração, tão tranquilos à vista da frustração de quem realmente deveria estar ali?

A resposta é um dos círculos viciosos da nossa cultura:
como a educação em geral não prioriza o respeito às normas e à ética, não conseguimos entender sua necessidade;
leis existentes passam, então, despercebidas, e aceitamos relações sociais permeadas pela ótica da arrogância, do poder econômico e do autoritarismo disfarçado.


vbrando@uniplac.net
*Doutor em economia

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Publicado por Beckhauser em 03/08/2009 às 10h43
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