Era como se o amor doesse em paz
(Em pleno agosto de sol tímido)
Vou fazer aniversário mês que vem. Um presente que eu quero ganhar: “Cancioneiro de Vinícius de Moraes”, o livro – pois pagar mais de duzentos paus não dá... Gostaria de ganhar também o disco “Canção do amor demais”, originalmente gravado em LP em 1958 (quando eu nasci), que em agosto de 2008 teve a terceira reedição em CD.
Podem parecer fúteis desejos, mas talvez seja um marco para mim, da mesma forma que foi este disco para uma geração, e pelo que este disco tem a ver com minha nova fase de vida.
Nem sempre “fases” em nossas vidas são boas, apenas são fases. Como farei 51 anos, insisto em dizer que estou além da “meia idade”, uma vez que eu provavelmente não viverei até os cem anos. Quero “começar” algo diferente, mesmo que não tenha muito tempo à frente para continuar. Que seja cantando...
Em 1958 foi gravado o referido disco, que continha composições de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Quem as interpretava era Elizeth Cardoso. Tinha um suave estilo de sambinha, mas João Gilberto, um baiano ainda meio desconhecido, dava seus primeiros acordes ao violão do que seria a bossa nova, tocando ao fundo “Chega de saudade” e “Outra vez”.
A música “Chega de Saudade” é considerada a primeira música em “bossa nova”, o que causou alguns contratempos com o padrão de Elizeth. O Brasil e o mundo começavam a ouvir o maior movimento musical de todos os tempos.
Na contracapa Vinícius escreveu em manuscrito:
"(...) Nem com este LP queremos provar nada, senão mostrar uma etapa de nosso caminho de amigos e parceiros no divertidíssimo labor de fazer sambas e canções, que são brasileiros, mas sem nacionalismos exaltados e dar alimento aos que gostam de cantar, que é coisa que ajuda a viver".
Outra comentário, este sobre Elizeth:
Vinícius vinha de uma família aristocrata, mas de classe média. Piano na sala e temporadas na ilha do Governador... Neste meio surgiu um gênio e um grande sedutor, não só das mulheres, mas de várias gerações. Ele conseguiu vencer seus poucos atrativos físicos com uma “lábia” que até hoje perdura na alma de eternos amantes. Mas quem realmente conhece sua obra saberá que ele foi um dos mais sérios escritores de nosso país.
Sua estreia musical se deu em 1932, quando ele compôs o fox-trot "Loura ou Morena", em parceria com Paulo Tapajós e Haroldo Tapajós, os irmãos com quem compunha desde 1927. Em 1933 Vinícius se formou em direito, quando escreveu seu primeiro livro, “O caminho para a distância”, uma obra totalmente diferente de como seria o “poetinha” que conheceríamos anos depois.
Ele já era escritor, músico e pai, quando em 1946 ingressou na carreira diplomática, assumindo o posto como vice-cônsul em Los Angeles. Enquanto isso, Tom Jobim caminhava outros rumos, também um gênio da música, até que o encontro público dos dois aconteceu em 1956, na peça Orfeu da Conceição, uma adaptação da tragédia de Orfeu, transportada para a vida de um negro de uma favela.
A peça foi encenada pela primeira vez no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, quando foi lançada, então, a melodia que até hoje embala os enamorados: “Se todos fossem iguais a você”.
O interessante disso tudo é que o Orfeu da Conceição veio à cabeça de Vinícius por causa de um encontro dele aqui no Rio com um amigo escritor americano chamado Waldo Frank, em 1942. Vinícius mostrou ao amigo a macumba, a tradição negra enfronhada em nossa sociedade e tudo que é de bom. O gringo ficou doidão e achou aquilo tudo parecido com o mitológico grego... Bem, entre muitos copos de whisky, tempos depois Vinícius viajou nessa maionese e escreveu a mais linda obra lírico-popular de nossa história.
Vinícius jamais deixou de exercer seu lado artístico, e não se contentava com o cargo público que o tolhia da liberdade de expressão. Um diplomata não bem visto aos olhos do Governo, por estar ligado aos “marginais da sociedade”, os músicos e poetas. Sendo assim, após mais de 25 anos dedicados à vida política, ao final de 1968 foi exonerado pela ditadura militar, que deu uma desculpa esfarrapada para seu afastamento, mas que valeu para termos Vinícius dedicado integralmente ao mundo da arte.
Sua carreira de “sonhador” teve seu auge após seus 40 anos de idade. E foi assim até o último dia de sua vida. Um homem que embargava seus olhos em lágrimas tímidas e que não estava nem aí com etiquetas e rótulos.
Na Rua Nascimento Silva, número 107, apartamento 201, em Ipanema, bem na esquina da hoje nomeada Rua Vinícius de Moraes, surgiram as mais lindas canções da bossa nova, onde Tom Jobim e sua família residiram. Foi de lá que surgiu a música Corcovado, mas antes, os primeiros ensaios para o disco (Canção do amor demais) que deu partida para a bossa nova. Um prédio simples, onde até hoje podemos ver uma plaquinha na entrada, aferindo que ali uma parte da história aconteceu.
Então, anos mais tarde, em 1974, Vinícius de Moraes, em um quarto de hotel, escrevendo uma carta a seu amigo Tom, que jamais foi enviada, acabou compondo uma melancólica letra, chamada “Carta ao Tom”, posteriormente musicada por Toquinho.
Eu diria que esta letra é “uma elegia quase uma ode” de tempos que não estavam sendo mais os mesmos, pois o romantismo do início jamais voltaria. E daí, a minha fascinação pelo disco, pelos artistas que fizeram parte desta obra e pela “Carta ao Tom 74”.
Em 1977 Tom Jobim respondeu a Vinícius, parodiando a carta musicada que tinha recebido, cantando a “Carta do Tom”, o que “piorava” mais ainda as saudosas lembranças de tempos bons e inocentes.
Nos anos 50 eles eram inocentes! Não sabiam que participavam de um marcante acontecimento na história da arte, e junto a eles, muitos outros músicos, que por décadas encantaram a MPB.
Passo abaixo a tão famosa letra de Vinícius e a minha interpretação pessoal do que senti ao sentar na pedra do Arpoador para admirar a natureza e curtir um dos momentos bonitos de minha vida. E faço isso através de dois PPS. Em português eu formatei em 2008 - e agora dou outra roupagem. A versão em inglês foi idealizada em pleno sol tímido de julho/agosto de 2009.
CARTA AO TOM 74
(TOQUINHO/VINICIUS DE MORAES)
Rua Nascimento e Silva 107
Você ensinando pra Elizete
As canções de ´Canção do amor demais´
Lembra que tempo feliz
Ah, que saudade
Ipanema era só felicidade
Era como se o amor doesse em paz
Nossa famosa garota nem sabia
A que ponto a cidade turvaria
Esse Rio de amor que se perdeu
Mesmo a tristeza da gente era mais bela
E além disso se via da janela
Um cantinho de céu e o Redentor
É, meu amigo, só resta uma certeza
É preciso acabar com essa tristeza
É preciso inventar de novo o amor.
Carta do Tom - 1977
(Tom Jobim)
Rua Nascimento Silva, 107,
saio correndo do pivete
Tentando alcançar o elevador
Minha janela não passa de um quadrado
A gente vê Sergio Dourado
Onde antes se via o Redentor
É, meu amigo
Só resta uma certeza
É preciso acabar com a natureza
É melhor lotear o nosso amor
Leila Marinho Lage
http://www.clubedadonameno.com
(Em pleno agosto de sol tímido)
Vou fazer aniversário mês que vem. Um presente que eu quero ganhar: “Cancioneiro de Vinícius de Moraes”, o livro – pois pagar mais de duzentos paus não dá... Gostaria de ganhar também o disco “Canção do amor demais”, originalmente gravado em LP em 1958 (quando eu nasci), que em agosto de 2008 teve a terceira reedição em CD.
Podem parecer fúteis desejos, mas talvez seja um marco para mim, da mesma forma que foi este disco para uma geração, e pelo que este disco tem a ver com minha nova fase de vida.
Nem sempre “fases” em nossas vidas são boas, apenas são fases. Como farei 51 anos, insisto em dizer que estou além da “meia idade”, uma vez que eu provavelmente não viverei até os cem anos. Quero “começar” algo diferente, mesmo que não tenha muito tempo à frente para continuar. Que seja cantando...
Em 1958 foi gravado o referido disco, que continha composições de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Quem as interpretava era Elizeth Cardoso. Tinha um suave estilo de sambinha, mas João Gilberto, um baiano ainda meio desconhecido, dava seus primeiros acordes ao violão do que seria a bossa nova, tocando ao fundo “Chega de saudade” e “Outra vez”.
A música “Chega de Saudade” é considerada a primeira música em “bossa nova”, o que causou alguns contratempos com o padrão de Elizeth. O Brasil e o mundo começavam a ouvir o maior movimento musical de todos os tempos.
Na contracapa Vinícius escreveu em manuscrito:
"(...) Nem com este LP queremos provar nada, senão mostrar uma etapa de nosso caminho de amigos e parceiros no divertidíssimo labor de fazer sambas e canções, que são brasileiros, mas sem nacionalismos exaltados e dar alimento aos que gostam de cantar, que é coisa que ajuda a viver".
Outra comentário, este sobre Elizeth:
Vinícius vinha de uma família aristocrata, mas de classe média. Piano na sala e temporadas na ilha do Governador... Neste meio surgiu um gênio e um grande sedutor, não só das mulheres, mas de várias gerações. Ele conseguiu vencer seus poucos atrativos físicos com uma “lábia” que até hoje perdura na alma de eternos amantes. Mas quem realmente conhece sua obra saberá que ele foi um dos mais sérios escritores de nosso país.
Sua estreia musical se deu em 1932, quando ele compôs o fox-trot "Loura ou Morena", em parceria com Paulo Tapajós e Haroldo Tapajós, os irmãos com quem compunha desde 1927. Em 1933 Vinícius se formou em direito, quando escreveu seu primeiro livro, “O caminho para a distância”, uma obra totalmente diferente de como seria o “poetinha” que conheceríamos anos depois.
Ele já era escritor, músico e pai, quando em 1946 ingressou na carreira diplomática, assumindo o posto como vice-cônsul em Los Angeles. Enquanto isso, Tom Jobim caminhava outros rumos, também um gênio da música, até que o encontro público dos dois aconteceu em 1956, na peça Orfeu da Conceição, uma adaptação da tragédia de Orfeu, transportada para a vida de um negro de uma favela.
A peça foi encenada pela primeira vez no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, quando foi lançada, então, a melodia que até hoje embala os enamorados: “Se todos fossem iguais a você”.
O interessante disso tudo é que o Orfeu da Conceição veio à cabeça de Vinícius por causa de um encontro dele aqui no Rio com um amigo escritor americano chamado Waldo Frank, em 1942. Vinícius mostrou ao amigo a macumba, a tradição negra enfronhada em nossa sociedade e tudo que é de bom. O gringo ficou doidão e achou aquilo tudo parecido com o mitológico grego... Bem, entre muitos copos de whisky, tempos depois Vinícius viajou nessa maionese e escreveu a mais linda obra lírico-popular de nossa história.
Vinícius jamais deixou de exercer seu lado artístico, e não se contentava com o cargo público que o tolhia da liberdade de expressão. Um diplomata não bem visto aos olhos do Governo, por estar ligado aos “marginais da sociedade”, os músicos e poetas. Sendo assim, após mais de 25 anos dedicados à vida política, ao final de 1968 foi exonerado pela ditadura militar, que deu uma desculpa esfarrapada para seu afastamento, mas que valeu para termos Vinícius dedicado integralmente ao mundo da arte.
Sua carreira de “sonhador” teve seu auge após seus 40 anos de idade. E foi assim até o último dia de sua vida. Um homem que embargava seus olhos em lágrimas tímidas e que não estava nem aí com etiquetas e rótulos.
Na Rua Nascimento Silva, número 107, apartamento 201, em Ipanema, bem na esquina da hoje nomeada Rua Vinícius de Moraes, surgiram as mais lindas canções da bossa nova, onde Tom Jobim e sua família residiram. Foi de lá que surgiu a música Corcovado, mas antes, os primeiros ensaios para o disco (Canção do amor demais) que deu partida para a bossa nova. Um prédio simples, onde até hoje podemos ver uma plaquinha na entrada, aferindo que ali uma parte da história aconteceu.
Então, anos mais tarde, em 1974, Vinícius de Moraes, em um quarto de hotel, escrevendo uma carta a seu amigo Tom, que jamais foi enviada, acabou compondo uma melancólica letra, chamada “Carta ao Tom”, posteriormente musicada por Toquinho.
Eu diria que esta letra é “uma elegia quase uma ode” de tempos que não estavam sendo mais os mesmos, pois o romantismo do início jamais voltaria. E daí, a minha fascinação pelo disco, pelos artistas que fizeram parte desta obra e pela “Carta ao Tom 74”.
Em 1977 Tom Jobim respondeu a Vinícius, parodiando a carta musicada que tinha recebido, cantando a “Carta do Tom”, o que “piorava” mais ainda as saudosas lembranças de tempos bons e inocentes.
Nos anos 50 eles eram inocentes! Não sabiam que participavam de um marcante acontecimento na história da arte, e junto a eles, muitos outros músicos, que por décadas encantaram a MPB.
Passo abaixo a tão famosa letra de Vinícius e a minha interpretação pessoal do que senti ao sentar na pedra do Arpoador para admirar a natureza e curtir um dos momentos bonitos de minha vida. E faço isso através de dois PPS. Em português eu formatei em 2008 - e agora dou outra roupagem. A versão em inglês foi idealizada em pleno sol tímido de julho/agosto de 2009.
CARTA AO TOM 74
(TOQUINHO/VINICIUS DE MORAES)
Rua Nascimento e Silva 107
Você ensinando pra Elizete
As canções de ´Canção do amor demais´
Lembra que tempo feliz
Ah, que saudade
Ipanema era só felicidade
Era como se o amor doesse em paz
Nossa famosa garota nem sabia
A que ponto a cidade turvaria
Esse Rio de amor que se perdeu
Mesmo a tristeza da gente era mais bela
E além disso se via da janela
Um cantinho de céu e o Redentor
É, meu amigo, só resta uma certeza
É preciso acabar com essa tristeza
É preciso inventar de novo o amor.
Carta do Tom - 1977
(Tom Jobim)
Rua Nascimento Silva, 107,
saio correndo do pivete
Tentando alcançar o elevador
Minha janela não passa de um quadrado
A gente vê Sergio Dourado
Onde antes se via o Redentor
É, meu amigo
Só resta uma certeza
É preciso acabar com a natureza
É melhor lotear o nosso amor
Leila Marinho Lage
http://www.clubedadonameno.com