Médicos na Semana do Escritor
ARTIGO - [ 01/08 ]
Médicos na Semana do Escritor - http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=44&id=206962
Edgard Steffen
Não nasci para isso...
Quem exerce a Medicina, em meio ao cansaço e aos estresses da profissão, encontra oportu nidades para acompanhar dramas vividos pelos pacientes e pelos que, com eles, convivem
Essa frase foi usada por João Guimarães Rosa, em carta dirigida a seu amigo Pedro Moreira Barbosa, para explicar porque abandonaria a Medicina. Foi assim que o Brasil perdeu um médico, mas ganhou seu maior escritor.
A 5ª Semana do Escritor de Sorocaba, criação de Douglas Lara, ofereceu feliz oportunidade de bate-papo entre médicos que, sem abandonar a profissão, preenchem suas horas de lazer colocando, em livros, vivências pessoais ou profissionais.
Estiveram lá dr. Bálsamo com seus sonetos perfeitos, dra. Neta preocupada em fazer pacientes perderem medo da anestesia, dr. Willy França ensinando como se faz uma Tese Pronta, dr. Mário Gomes com propósito profilático de colocar a Medicina ao alcance do leigo; também presente o dr. João Rozas, grande centroavante veterano, marcando gols de placa com livros e conhecimentos, tanto de Medicina como de futebol. Dei minha modesta contribuição, pela experiência de comparecer, todos os sábados, neste cantinho do Cruzeiro do Sul.
O empresário-editor Milton Ottoni, coordenador da mesa-redonda, afirmou que a profissão médica, ligada mais à Ciência que à Literatura, tem produzido grande contingente de escritores pelo mundo afora. Com seu jeito tranquilo de intelectual interiorano - cabreuvano de nascimento, ituano por opção e sorocabano por outorga - procurou tirar nossas opiniões e revelar origens de nossa atividade literária. De médico e de louco todo mundo tem um pouco, reza o dito popular. De médico e escritor eles têm um pouco, reescreveu o jornalista José Antônio Rosa, ao constatar que nossa quota de loucura era o prazer em deixar brotar o escritor dentro de nós.
Quem exerce a Medicina, em meio ao cansaço e aos estresses da profissão, encontra oportunidades para acompanhar dramas vividos pelos pacientes e pelos que, com eles, convivem; seus medos, tristeza nos insucessos ou alegria nas altas. Durante a enfermidade, problemas de natureza pessoal, social, profissional, econômica vêm à tona no seio da família, e o médico se torna expectador interativo que precisa se posicionar sempre muito perto do doente e muito longe das especulações da comunidade. Dráusio Varella expõe, magistralmente, essas vertentes da profissão no livro Por Um Fio, obra em que narra suas experiências de oncologista junto aos doentes terminais. Noutro modo de enfocar dramas familiais, Moacyr Scliar - médico erudito, membro da Academia Brasileira de Letras - usa histórias que aparecem na mídia e produz excelentes e bem-humoradas crônicas.
Não cabe aqui escrever sobre os múltiplos fatores que me levaram a escrever depois de estudar Medicina. Influenciaram-me livros, que devorei na mocidade. Muitos deles escritos por médicos como Archibald J. Cronin, escocês, membro do Royal College of Physicians. Cronin é autor de A Cidadela, romance que narra a história de Andrew Manson, jovem idealista que inicia sua prática médica numa pequena aldeia do País de Gales. William Sommerset Maughan, também médico, produziu muitas novelas ambientadas em várias partes do mundo; suas narrativas revelavam personagens sob arguta observação de quem foi treinado para examinar e diagnosticar. O livro de San Michele, escrito por Axel Münthe, também me mostrou beleza da profissão, nas reminiscências do octogenário sueco.
Paul de Kruif, jornalista americano, especializado em reportagens de caráter científico, trouxe-me empolgação pela vida dos quatorze caçadores de micróbios que biografou em seu Microbe Hunters. Essa influência durou até mesmo, após a formatura, quando me interessei pela Parasitologia.
Médicos, na ficção, costumam ser boa gente. Érico Veríssimo, que antes de virar escritor trabalhava em farmácia, talvez influenciado pela convivência, criou vários personagens médicos muito simpáticos em seus romances: dr. Winter, dr. Seixas, dra. Olívia, dr. Eugênio, os que me lembro sem recorrer a releituras. Os mais conhecidos do público são a terna Olívia apaixonada pelo ambicioso Eugênio, ambos de Olhai os Lírios do Campo. Quanto a mim, prefiro o velho dr. Seixas, falso ranzinza, médico de família, com sua bonomia e seu cigarro prestes a derrubar cinzas sobre a lapela do surrado terno... num tempo em que ainda não era politicamente incorreto fumar.
Edgard Steffen é médico pediatra (edgard.steffen@gmail.com) - http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=44&id=206962