"É Uma Ofensa a Deus Dizer que o Homem Veio do Macaco!"

"Say that the man came of the monkey it's an offense to God!"



 
No ano de 2009, completam-se 150 anos da bombástica publicação de Charles Robert Darwin (1809-1882), "On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or The Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life", ou simplesmente, "A Origem das Espécies", obra que ficou engavetada por mais de 20 anos, pois Darwin temia abalar as estruturas religiosas da sociedade da época, que foi exatamente o que ocorreu e que, de fato, continua ocorrendo, como bem expressa a frase que intitula este texto, dita por uma estudante da 7ª série do ensino fundamental.

Esta obra de Darwin é fruto de uma longa viagem ao redor do mundo, onde o genial cientista recolheu centenas de evidências que apontavam para uma seleção natural de variáveis favoráveis frente às adversidades ambientais, mecanismo aplicável inclusive à espécie humana, razão pela qual Darwin se tornou a chacota dos religiosos mais fundamentalistas, que pregavam o surgimento humano a partir da conversão divina do pó da terra em Adão, cujo companheira, Eva, proveio de uma de suas costelas.



Darwin caricaturizado no século XIX.

A Teoria da Evolução Natural foi tão impactante que, já no século XX, movimentos criacionistas aterrorizados com o minucioso estudo de Darwin e Wallace foram à luta em prol da exclusão do ensino de dita teoria no ambiente escolar, o que ocorreu em 1923 em Oklahoma, e em 1925 no Tennessee. ambos nos EUA, decisão que viria a ser revogada anos mais tarde. Porém, a tentativa foi suficiente: ocorrendo na maior potência econômica do mundo, essa "moda" se alastrou como fogo em pólvora para diversos outros países, como a Itália e o Brasil, mais recentemente.

No caso tupiniquim, o criacionismo desembarcou nas escolas cariocas em 2004, ano em que a governadora do Estado, Rosinha Garotinho, implantou o ensino religioso confessional, ou seja, dividido por religiões e ministrado por professores credenciados pelas autoridades religiosas competentes, que também determinam o conteúdo das aulas. Neste caso, estas poderiam seguir livremente o ponto de vista dos professores, os quais propagariam nas escolas públicas (sim, isso mesmo) os ensinamentos religiosos como verdades absolutas, ignorando o literalismo e simbolismos das escrituras e submetendo-as a uma mera interpretação literal, simplista. Não preciso dizer que tal medida desencadeou protestos das mais importantes entidades científicas do Brasil, dentre as quais, a Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC).

"Hoje vou despir-me de meu papel de Secretário Regional da SBPC-Paraná para falar só como pai preocupado com a educação no país e, especialmente, com a educação de minhas filhas num Estado que necessariamente deveria ser laico em sua essência".

O trecho acima ilustra a indignação de Marcos Cesar Danhoni, secretário regional da SBPC-PR, em artigo dirigido ao "Jornal da Ciência", da SBPC. Marcos se remete à separação entre Estado e Igreja, violada pela decisão do Governo do Estado do Rio de Janeiro de transformar sua rede estadual em verdadeiros pólos de propagação da fé religiosa o que, na verdade, compete às instituições representantes de cada religião, e não à escola. Tal situação chegou inclusive a ser capa de importantes revistas brasileiras, como a ÉPOCA, com a manchete "E no princípio era o que mesmo?" e a Galileu, com a matéria  "Religião X Ciência: Mais uma vez o conflito pega fogo". De fato, o conflito entre criacionismo e evolucionismo segue latente em âmbito escolar, especialmente quando alguns professores fazem questão de acentuá-lo, convidando alguns alunos "a se retirarem da classe" em momentos de abordagem evolucionista, com a falsa justificativa de respeito à liberdade religiosa do sujeito ou simplesmente se esquivando da responsabilidade de lidar com tal situação assegurando que o professor "apenas passa o que tá no livro".

Assim, quando aquele que deveria mediar o diálogo em sala de aula entre ciência e religião, acaba por aumentar a distância entre possibilidade da prática religiosa e a aceitação da teoria evolucionista, o que, sem dúvidas, pode trazer consequências desastrosas à sociedade contemporânea, a longo prazo, visto que a teoria da evolução é o pressuposto para pesquisas que vão desde a descoberta do petróleo ao uso de antibióticos. Por outro lado, a aceitação radical da teoria da evolução também pode trazer como conseqüência falsas interpretações do que se entende por ciência, como no trecho abaixo, escrito por um estudante de ensino médio de Macapá (AP):

"Deus não criou o mundo e nem os seres vivos. Nós somos frutos da evolução das espécies, de organismos mais primitivos, até por que ‘Deus foi criado’ na idade média. Por isso, na minha opinião, Deus não criou nada, a não ser historias mirabolantes.   
P. S: Não sou anticristo
".

É relevante mencionar que o evolucionismo não rejeita a existência de Deus. Aliás, por se tratar de uma hipótese não-testável (impossível de verificação), esta é uma questão que foge ao escopo de estudo da ciência, a qual, portanto, não têm condições de confirmar ou rejeitar a existência divina. Por outro lado, a aceitação pouco dialógica dos relatos criacionistas também leva a falsas interpretações do que seja, de fato, a ciência, como é ilustrado por outros estudantes de ensino médio, também de Macapá:

"É uma ofensa a Deus dizer que o Homem veio do Macaco. Onde já se viu homem-macaco? Homem é homem. Macaco é Macaco!"

O único problema é que os cientistas querem ser mais importantes que o criador do universo, e querem provar algo que não tem fundamento [a teoria da evolução]".

Neste caso, o aluno desconhece as inúmeras evidências da evolução, que vão desde os fósseis à biologia molecular comparada, o que poderia ser, no mínimo, amenizado, se dita teoria fosse tratada em sala de aula à altura de sua relevância científica e social.

Os Parâmetros Curriculares de Ciências Naturais recomendam que a Teoria da Evolução seja ensinada ao lado de outros modelos explicativos, inclusive os criacionistas. A idéia não é fomentar o combate entre ambas as "teorias", mas sim expor a diversidade cultural de propostas existencialistas elaboradas por diferentes povos, ao longo da História humana, como as de tribos africanos, índios brasileiros e norte-americanos, etc. Propõe-se a interação entre professores de diferentes áreas, numa forma de materializar o tema transversal "Pluralidade Cultural", contextualizando os modelos criacionistas e enfatizando a metodologia científica que levou à elaboração da Teoria evolucionista, de forma a minimizar conflitos internos acerca da aceitação evolucionista e criacionista. Aí sim talvez os criacionismos (e não o criacionismo) encontrem um lugar ao Sol...

 


David Figueiredo
Enviado por David Figueiredo em 25/07/2009
Reeditado em 24/05/2010
Código do texto: T1718924
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