Ars Gratia Artis

O que distingue um gênio de um gênio incompreendido?

Van Gogh vendeu apenas um quadro em vida. Foi em 1889, no Salão de Bruxelas, um ano antes dele cometer suicídio. Especula-se que se tivesse esperado pouco mais de 30 anos (e ele tinha saúde suficiente para viver tanto), testemunharia o reconhecimento advindo com o Expressionismo. E apenas onze anos após a morte de Van Gogh, um jovem pintor espanhol - Pablo Picasso - surgia já em sua primeira exposição como um talento genuíno para o restante do mundo. Picasso se tornaria um dos maiores artistas de sua época, e seu nome, mais de três décadas após sua morte, ainda ajuda a vender - inclusive automóveis.

Van Gogh teve talvez a má sorte de nascer antes do momento em que seu gênio seria atestado por público e crítica. Picasso, por outro lado, nasceu no momento mais adequado para iniciar sua brilhante carreira. O reconhecimento do talento se resumiria então a uma questão de tempo? É bem provável, mas há quem não se conforme com isso.

Sempre existem aqueles insatisfeitos que pretendem deliberadamente iniciar - agora, e não daqui a 30 anos - uma revolução artística que rompa com todos os preceitos estabelecidos. Algumas formas de expressão se prestariam melhor a essas explosões de criatividade do que outras: a pintura, já citada. Ou a escultura. O teatro. A música. A literatura, nem tanto (Joyce é revolucionário, mas não parece ter deixado seguidores). O cinema, menos ainda; o público de cinema, na média, é mais conservador do que aquele que freqüenta salões de exposição. E na ópera - a junção de todas estas mídias - a resistência parece ser ainda maior (as produções de Gerald Thomas não raramente acabam debaixo de sonoras vaias; o público de ópera parece querer a coisa do jeito que era feita há 100, 200 anos).

Sem dúvida, o cinema evoluiu desde sua criação, mais de um século atrás. Houveram Murnau, Eisenstein (e Dziga Vertov?); houve Orson Welles. Welles era um desses gênios artísticos de reconhecimento automático, como Pablo Picasso. As pessoas ASSUMIAM que ele era um gênio e o reverenciavam como tal. Essa expectativa transformou-se em certeza quando "Cidadão Kane" foi lançado em 1941, um filme, que por si só, renderia (como rendeu) muitos verbetes de enciclopédia. Welles tinha então apenas 24 anos de idade e seu futuro afigurava-se brilhante. Isto é, até ele resolver vir para o Brasil (mas isso já é uma outra história).

O que nos compete aqui dizer é que apesar de todas as variações de forma, a estrutura da narrativa cinematográfica tem se mantido cartesianamente constante durante estes mais de 100 anos de história. O público que paga a entrada e banca os lucros astronômicos da indústria de entretenimento, vai ao cinema para ver histórias - de preferência com começo, meio e fim. Portanto, quem rompe propositalmente com essa cômoda previsibilidade deve estar preparado para justificar seus atos em nome de alguma Causa Maior; "Ars Gratia Ars" ("arte pela arte") era o lema da MGM, mas desconfio que nem nos seus bons tempos eles levavam isso a sério...