DO ENSINO DE FILOSOFIA...

Aquilo que subjaz às filosofias e as transformam em Filosofia é o exercício do Filosofar, um exercício da razão na busca dos sentidos não visíveis nos acontecimentos visíveis.

Roberto de Barros Freire

Se os sentidos não passam de construções moldadas em labirintos os mais complexos, então nossa atitude primeira é Filosofar. Na expressão kosikeana: “O mundo da pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e engano”. Verdades e manifestações simbólicas não coincidem necessariamente. Do contrário, para que Filosofia?

Impressiona-me que algo tão próprio da Filosofia esteja dela ausente quando ministrada em cursos Brasil afora. A confusão entre conteúdo e componente, conforme alerta de Sérgio Cortella, acentua essa problemática. Disciplina de Filosofia é uma coisa, conteúdos algo muito diferente. Sua análise é perfeita: a presença como componente curricular da Filosofia dará ao currículo aquilo que muitas vezes ele necessita, que é de um arejamento do ponto de vista da consciência, da reflexão. Uma das coisas mais perniciosas para quem deseja dedicar-se à Filosofia é supor que ela serve pra ensinar a pensar. É necessário lembrar que pensar é um atributo atávico da espécie, certo? Não é ensinado. Aí, você diz: “Não, mas é porque a Filosofia ensina a pensar de forma crítica”. Não necessariamente. Os nazistas tinham seus filósofos. As ditaduras têm seus filósofos. Isso significa que a Filosofia em si não tem a pureza que se deseja, ela precisa ser purificada. Essa purificação vem à medida que a gente retira dela qualquer marca e tenta ser objetivo, para que nela não haja marca alguma de autoritarismo”

Senso crítico, portanto, é imprescindível. Neste sentido, só há Filosofia se decompomos, numa perspectiva dialética, todo e qualquer fenômeno, num trabalho sistemático, de descobrirmos “o modo de ser do existente”. Se ensinar Filosofia significa apenas realizarmos voos diacrônicos, decorando períodos, datas, autores, sistemas ou estudando temáticas deste e daquele pensador canônico, ficamos no meio do caminho e, não poucas vezes, com um sentimento absurdo de inferioridade. Instala-se um mito de que, somente por intermédio dos chamados clássicos, filosofamos. Freire está certo: “O ensino de filosofia deve transmitir uma atitude de indagação sobre os ditos e feitos humanos e o hábito com o diálogo com as idéias”.

Fazermos Filosofia cercados por uma cultura técnico-científico-capitalista centrada na depauperação ética, no consumismo, na destruição da natureza, na competitividade, na exclusão, na marginalização, enfim, em encenações que nos põem em níveis de máquinas, de objetos, de coisas, exige, sim, uma consciência crítica sempre em efervescência a fim de que não percamos nossos enraizamentos e horizontes viáveis. Afinal, como diz Lyotard, a “origem da filosofia está no dia de hoje”.

Ensino de Filosofia que não tenha, digamos, caráter emancipatório, que não seja também educativo, que mergulhe numa espécie de simulacro no qual não se possa pensar, questionar, agir como sujeito histórico, que o filosofar não passe de liberdade acorrentada, outra coisa não é senão movimentos filosofeiros a serviço de gerações de debilóides sustentadoras de interesses deveras mesquinhos, rasteiros, reles e alienantes.

A Filosofia - através de seus Problemas e métodos - nos convoca tanto ao que chamamos de “visão de si”, como à “visão de mundo”. De modo que, nos termos de Johannes Hessen, ela é “auto-reflexão do espírito sobre seu comportamento valorativo teórico e prático e, igualmente, aspiração a uma inteligência das conexões últimas das coisas, a uma visão racional do mundo”. Partirmos, destarte, de um de seus grandes segmentos - Teoria do Conhecimento - a meu juízo, é instigar o aluno-sujeito no que toca ao tripé básico do filosofar: por que, afinal, penso assim sobre as coisas. Qual o real sentido deste meu pensar e, sobretudo, qual o objetivo de pensar assim. No mais, estou com Merleau-Ponty: “A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo”.